Ensino_EducacaoProfissional

Inclusão na sala de aula

Curso oferecido pela Defensoria Pública do Distrito Federal, além de levar noções de direito, está preparando estudantes surdos para o mercado de trabalho e para concursos públicos

postado em 17/09/2012 10:15

Helenne Sanderson e Gustavo Richter buscam novos conhecimentos: com a tradução simultânea para a língua de sinais, fica mais fácil e mais barato aprenderEm meio ao burburinho na sala, jovens e adultos, de idades variadas, aguardam a aula de direito penal. No entanto, quando o professor entra, todos os olhos se voltam para o canto da sala, pois lá está o intérprete que traduz para a Língua Brasileira de Sinais (Libras) as palavras do mundo jurídico. Essa é a primeira turma do projeto Conhecer Direito Acessível inteiramente formada por deficientes auditivos. Um dos objetivos das aulas é a preparação para o mercado de trabalho. Alguns alunos pretendem prestar concurso público, enquanto outros desejam ampliar seus conhecimentos.

Desenvolvido pela Defensoria Pública do Distrito Federal, o curso, totalmente gratuito, é fruto de parceria com a Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos do Distrito Federal (Apada-DF), que disponibiliza os intérpretes. ;Levar o direito a todas as pessoas é uma das nossas missões, e queríamos ampliar o que vinha sendo feito com sucesso por meio do projeto Conhecer Direito;, afirma Jairo Lourenço de Almeida, defensor público geral do DF. Ele avalia que o sucesso da iniciativa comprova que a igualdade de oportunidades ainda é incipiente. ;Se outros órgãos programassem cursos voltados para a comunidade, em especial cursos acessíveis a deficientes, uma rede positiva de conhecimento se formaria em pouco tempo.;

Aulas de direito constitucional, administrativo, civil e penal fazem parte do currículo do projeto, que visa dar subsídios para que os participantes possam prestar concursos de nível médio e o vestibular. Além das matérias jurídicas, a carga horária prevê cursos de matemática, redação e língua portuguesa. Os professores, todos voluntários, são profissionais de direito, diplomatas e magistrados, como o juiz Fábio Esteves, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).

Enquanto ensinam, os docentes contam com o auxílio do intérprete, que traduz a aula para a Libras, e também de um assistente, que toma nota de todo o conteúdo para, então, repassá-lo aos estudantes. Embora os alunos tenham a opção de fazer suas próprias anotações, o método facilita a concentração na aula. Além disso, todas as sessões são filmadas e é possível revisar o conteúdo quando necessário.

Em vez de voltarem os olhares para o professor, alunos prestam atenção à intérprete, que fica no canto da salaInserção no mercado
Segundo o diretor da Escola de Assistência Jurídica (Easjur) do órgão, Evenin Ávila, a socialização do ensino jurídico é o maior objetivo do programa, que conta com 50 alunos. As aulas dessa primeira turma começaram na segunda quinzena de agosto e a seleção dos estudantes foi feita por ordem de chegada. A lista de espera de interessados ultrapassa os 30 candidatos. ;Bastou nos mobilizarmos para que os grupos e associações de deficientes auditivos soubessem das aulas;, conta Ávila.

No terceiro dia de inscrições, as vagas estavam esgotadas. Ávila afirma que a intenção é expandir a oferta do projeto para duas turmas anuais. ;Desejamos estabelecer novas parcerias para que o acesso à informação de qualidade chegue também a pessoas com outros tipos de deficiência;, finaliza.

O entusiasmo de Gustavo Richter, 35 anos, durante as aulas de direito é contagiante. Uniformizado, caderno nas mãos e lápis nos dedos, ele explica como esse conteúdo será útil. ;Sempre quis prestar um concurso público, me preparar, mas nunca tive acesso a esse tipo de formação.; Ele tem graduação em sistemas da informação e lembra como foi difícil acompanhar as aulas. ;Eu precisava fazer leitura labial do que os professores falavam, pois não havia intérprete;, diz. Gustavo ficou dois anos e meio em seu último emprego, em uma empresa de desenvolvimento de programas para celular, e, agora, busca carreira mais estável.

Helenne Sanderson, 25 anos, é outra aluna em busca de conhecimento em áreas diferentes. Ela é formada em design gráfico, está fazendo o curso de letras, atua como fotógrafa e editora de vídeo, e, ainda assim, consegue se dedicar às aulas de direito. Para ela, o mais importante é poder aprender. ;Sempre tive vontade de fazer cursos, de me preparar mais, mas era preciso pagar um intérprete.; Ou seja, além de todos os desafios que existem para uma deficiente auditiva, os cursos acabam saindo caro.

Falta formação
Em um universo de cerca de 80 mil surdos somente em Brasília, a turma do projeto Conhecer Direito Acessível ainda é exceção. Coordenador de cursos de intérpretes da Apada e professor da Secretaria de Educação do DF, Marcos Brito trabalha há 23 anos com deficientes auditivos. Ele afirma que, em geral, os caminhos para o estudo ; e para o mercado de trabalho ; se tornam difíceis pela falta de estrutura para recebê-los. ;O deficiente auditivo é contratado, mas acaba não se mantendo no emprego porque a comunicação com os outros funcionários é falha,; conta. Brito explica que, no Distrito Federal, os surdos podem se matricular em qualquer escola da rede pública e a designação de um intérprete fica a cargo da instituição. ;O problema é que a quantidade desses profissionais é insuficiente para atender à demanda e a pessoa acaba por ter o aprendizado prejudicado.;

O coordenador vê na falta de formação de intérpretes um dos entraves para o surgimento de mais turmas inclusivas. Ele é um dos tradutores voluntários nas aulas de conhecimento jurídico da Defensoria. ;Não é uma tarefa simples, há momentos em que precisamos parar e perguntar para o professor o que ele quis dizer, rever alguns conceitos;, explica. Mesmo assim, Brito garante que presenciar o envolvimento dos alunos com o conhecimento jurídico facilita o trabalho.

Legislação
A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é reconhecida como meio legal para comunicação pela Lei n; 10.436 de 2002. Ela foi criada com base na Língua de Sinais Francesa e, desde 2005, foi incluída nos sistemas educacionais do Brasil. Embora haja a crença de que as línguas de sinais sejam universais, cada país possui o seu próprio idioma, carregado de influências da cultura nacional.

Direito para todos
Desenvolvido pela Defensoria desde 2011, o projeto Conhecer Direito é um curso de conhecimento básico de direito, inteiramente gratuito, oferecido aos alunos da rede pública de ensino. A cada semestre, 50 alunos são convocados pela direção das escolas que obtiveram melhor desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).


Para saber mais
Projeto Conhecer Direito Acessível
Aulas: segundas e quartas-feiras,
das 19h às 21h30.
SCS Quadra 08 Edifício Venâncio 2000, Bloco B60, 2; andar, sala 240.

Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos do DF (Apada)

SDS Edifício Venâncio Junior, Bloco M, cobertura.
Telefone: 3346-8025

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação