A dinâmica do mercado de trabalho, com a complexidade de especialidades e processos, faz da terceirização de serviços o único caminho para o crescimento da indústria brasileira, embora o modelo sofra duras críticas dos defensores dos direitos trabalhistas. ;Ela, a terceirização, busca melhorar a gerência de pessoal, prevendo um ganho de produtividade. Não corresponde obrigatoriamente a precarização;, avalia o economista José Márcio Camargo.
Para o setor industrial, é impossível congregar todos os serviços necessários em uma única empresa. ;Na construção civil, por exemplo, envolvem equipamentos caríssimos, mão de obra especializada e depois fica um equipamento ocioso por anos. As terceirizadas existem exatamente para suprir essa deficiência;, ressalta Paulo Safady Simão, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
O ex-ministro do Trabalho Almir Pazzianotto concorda que as empresas não podem se dar ao luxo de, num mercado de trabalho moderno, gerar este tipo de ;capital inútil;. ;O empresário é obrigado a tomar medidas que na metade do século passado ninguém cogitava;, avalia.
O debate sobre terceirização é o foco principal do seminário Novas relações de trabalho para o Brasil do século 21, que os Diários Associados realizam em 7 de novembro, em Brasília, entre as 8h30 e as 18h, no auditório do jornal Correio Braziliense. A intenção será debater uma nova regulamentação para a contratação de prestadores de serviços, com vistas ao aumento da competitividade da indústria nacional a partir de investimento em inovação, melhoria da produtividade e geração de novos empregos, sem que se fira os direitos dos trabalhadores.
O economista Rodrigo Leandro de Moura entende que esta é uma solução para aumentar a produtividade, com redução de custo e empregando trabalhadores mais qualificados. ;De forma geral é importante, pois o aumento da terceirização estimulou a busca por mão de obra especializada. E ela procura nada mais do que uma forma de se fugir da rigidez do mercado de trabalho;, pontua o professor da FGV.
Mas a pesquisadora Tânia Franco, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), critica essa postura de flexibilização das leis trabalhistas apontada pela classe empresarial. ;Os trabalhores que movem as grandes empresas, em geral, são terceirizados;, diz, citando números perto dos 75% do total. ;Então, há um núcleo muito enxuto de funcionários e cria-se uma cascata de terceirização, cujas condições laborais resultam em degradação do trabalho, chegando à quarteirização etc. A terceirização fragiliza o tecido social como um todo e as representações sindicais.;
Ela aponta ainda a rotatividade como fator que colabora para a precarização do trabalho e perdas salariais. Segundo estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a taxa de alternância entre trabalhadores terceirizados chegava a 72% em 2010, na faixa dos 18 aos 29 anos. As maiores taxas de rotatividade encontram-se entre empregados com contrato temporário, atingindo 87,1%, contra 55,6% entre funcionários sob regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Todos divididos
Entre os trabalhadores, há a mesma dissensão. A secretária Renata Oliveira, 27 anos, diz ter se encontrado na profissão após ser contratada como terceirizada. ;As condições de trabalho são boas e tenho segurança com relação aos meus direitos. É uma atividade que vai continuar crescendo e tem muito a acrescentar na geração de emprego.; Renata diz que, em alguns casos, o teto salarial do trabalhador terceirizado chega a ser maior do que o de um contratado. ;Muitas empresas pagam apenas o salário comercial, que é menor que o piso imposto pelo sindicato.;
Paulo Ricardo, 19 anos, carregador também terceirizado, diz que muitos funcionários são malvistos no ambiente de trabalho. ;Dependendo da área, o terceirizado sofre preconceitos, principalmente no serviço público, pelo fato de não ser concursado. Mas é preciso mais respeito, porque ele faz os serviços que nenhum concursado quer fazer;, argumenta.
Já o funcionário público Wellington Sampaio, 39 anos, critica o sistema que, para ele, cresceu devido à burocracia. ;A terceirização é ruim porque quem realmente ganha são as empresas.;
Leandro Oliveira, 22 anos, auxiliar-administrativo, conta que a facilidade de se contratar terceiros aumenta a quantidade de serviçais da área, mas para ele não é o mais justo. ;A terceirização é boa para suprir a falta de empregados, mas acredito que seja uma solução emergencial porque o mais justo é a abertura de concursos, que não avaliam currículo, fisionomia ou a contratação de parentes e amigos.;
A secretária de Relações de Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Maria das Graças Costa, entende que a terceirização não conseguiu cumprir seu propósito original, de especializar a empresa para competir no mercado externo. ;É feito com o objetivo de diminuir custo e aumentar lucratividade. A terceirização empurra a contratada a precarizar a mão de obra. Precisamos regulamentar e proibir a terceirização na atividade fim;, sugere.
Estudo da Confederação Nacional da Indústria reforça que a terceirização é uma solução para o desenvolvimento industrial desde que se respeitem condições fundamentais. Entre elas: não confundir e não contratar serviços de terceirização como simples cessão de mão de obra, o que poderá ser interpretado como contratação por empresa interposta, e configurar o vínculo de emprego dos empregados da contratada diretamente com a contratante. Também sugere fiscalizar intensamente o cumprimento, pela contratada, das obrigações para com seus empregados, para evitar possíveis passivos, e assegurar a adequação do ambiente às normas de saúde e segurança no trabalho.
Colaborou Carlos Júnior Garcia, especial para o Correio
O que os trabalhadores acham
A favor
Carlos Frazão, 36, auxiliar-administrativo concursado
;É um avanço para as empresas e para o próprio país. Quando se contrata um terceirizado ele precisa mostrar bons serviços, caso contrário a empresa tem autonomia para demiti-lo, e isso abre postos de trabalho e gera competitividade, o que é bom para a produção. Além disso, um funcionário concursado, por exemplo, custa muito para o país e impacta na questão da previdência. Muitos não rendem o necessário e, para fazer uma troca desse trabalhador, é muito burocrático;
Contra
Adriano Régis, 36, motorista, terceirizado há 17 anos
;Há uma desvalorização na questão salarial. Deveria ser melhor porque a responsabilidade do terceirizado é grande. Muitos que estão nesse setor acabam tendo que prestar outros tipos de serviço por fora para complementar a renda. Precisa ter uma discussão de novas leis. Acho que falta definir um salário-base para cada categoria. Também temos um grande problema, pois não podemos nos defender em casos de faltas ou de algum erro cometido durante o serviço. Qualquer falha a empresa demite;
O que pensam os estudiosos
A favor
Marcus Vinícius Mugnani, advogado trabalhista e consultor da CNI
Ela não tem reflexo na precarização da mão de obra trabalhista no Brasil. É uma forma de contratação de empresas, com mais especialização e mais tecnologia e, muitas vezes, com funcionários que recebem salários melhores que os funcionários da empresa contratante. Hoje as organizações não conseguem mais centralizar a integralidade de suas atividades. Portanto, a terceirização é uma prática absolutamente necessária, que traz toda a força de uma rede produtiva para dentro da empresa, aumentando a competitividade e, consequentemente, resulta em um ganho para elas, para o trabalhador e para o país.
Contra
Ângela Borges, cientista social e pesquisadora
O desafio maior da industria brasileira na disputa do mercado não é o trabalho e seus custos, pois este é o insumo mais barato e mais flexível neste país ; vide a facilidade com que se demite e se achata o leque salarial. O desafio principal remete aos grandes e históricos desafios da sociedade brasileira, dos quais a nossa elite foge há décadas. Ganhos de produtividade do trabalho são mais facilmente e consistentemente alcançados com melhorias quantitativas e qualitativas na educação. Apostar na terceirização para ganhar competitividade, quase 30 anos depois da sua introdução como novidade no Brasil, é querer fugir do enfrentamento dos principais desafios do país hoje, dentre os quais está o efetivo fortalecimento do mercado interno através da contínua elevação dos salários dos trabalhadores, e não o seu contrário.
Duas perguntas para
Antônio Rocha, presidente da Federação das Indústrias do Distrito Federal
O quanto a terceirização impacta
no crescimento da indústria brasileira?
Não sei se reflete no crescimento do setor industrial. Acho que é um modelo extremamente necessário para a economia brasileira. O que tira a competitividade de fato da indústria é uma legislação ultrapassada e tão complexa que o grande grupo econômico do país não consegue compreender sua eficiência. Imagine as micro e pequenas empresas? Daí as relações trabalhistas acabam desaguando no Judiciário. O que se deve fazer é tornar mais fácil as negociações coletivas.
Como a terceirização pode ser utilizada para
a geração de empregos qualificados e não o contrário?
Não há como, hoje, uma empresa ter todas as estruturas, toda uma escala de processos especializados. Mas alguém que terceiriza é alguém que contrata e que vai, então, contribuir para a garantia de trabalho. A não ser que haja uma deformação da prática de contratação, que saia do escopo corporativista do trabalho. Mas aí é outra história.