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Os rumos da educação profissional: Pouca procura

Apenas um em cada quatro brasileiros já frequentou ou frequenta algum curso profissionalizante. A baixa formação da mão de obra é um dos gargalos que impede o crescimento do país

postado em 17/03/2014 10:20

Caroline Dias e Érica Rodrigues só descobriram o valor da formação depois de entrarem no curso

Para Fábio Renato, que pretende ainda fazer uma graduação, o ensino técnico trará estabilidade

competitividade e o desenvolvimento econômico nos próximos anos, o Brasil precisa dar um grande passo na formação de mão de obra de qualidade, de maneira a suprir a demanda das empresas. Mesmo num quadro de pleno emprego, elas reclamam da dificuldade de encontrar trabalhadores preparados nas áreas que precisam. E mais do que atender à urgência do setor empresarial, a educação profissional proporciona também uma formação completa do cidadão, como o Correio mostrará na série de reportagens sobre o tema.
A falta de mão de obra ficou evidenciada em pesquisa recente divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Segundo o estudo, 75% dos trabalhadores nunca frequentaram um curso profissionalizante. O percentual entre as nações que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 46%. A taxa é ainda mais baixa entre os jovens brasileiros, de apenas 6%, contra 35% na média da OCDE.

A alta rotatividade do trabalhador brasileiro, de 64%, de acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) 2012, também reflete o problema. O ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, garantiu que o grande desafio do país este ano é a qualificação profissional, uma vez que já se atingiu o pleno emprego. Ele presidiu, na semana passada, a abertura de um seminário sobre o tema, em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, afirma que a capacitação da mão de obra tem impacto na rotatividade. ;Ela não reduz a rotatividade de forma direta, mas uma qualificação maior do trabalhador tende a melhorar a qualidade do posto de trabalho e leva a empresa a ter uma política de retenção;, explica.

Em meio aos dados negativos, a pesquisa da CNI mostra, no entanto, que 90% dos brasileiros acreditam que a educação profissional oferece boas oportunidades a quem quer ingressar no mercado de trabalho (veja o quadro). Além disso, 74% dos entrevistados reconhecem que os alunos de cursos profissionalizantes são bem ou razoavelmente bem preparados para o mercado. O diretor de Educação e Tecnologia da confederação, Rafael Lucchesi, percebe que essa mudança de percepção do brasileiro a respeito da modalidade de ensino e a participação da classe média tendem a mudar o quadro da pouca procura pelo ensino técnico. ;No milagre econômico, a clara porta de saída da mobilidade social era a formação superior, porque estávamos formando a classe média brasileira e porque havia um arrocho salarial. Vivíamos em um regime de exceção, uma ditadura;, detalha.
Com o aumento do poder aquisitivo da classe C nos últimos anos, Lucchesi acredita que está crescendo também o investimento em educação profissional. ;Existe um lado brilhante nessa nova classe média, que não é só o de comprar uma televisão: ela está buscando qualificação e isso está incentivando mudanças de percepção cultural;, afirma.

[SAIBAMAIS]Para o especialista, o atual esforço de capacitação da mão de obra brasileira por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e de diversas iniciativas estaduais é uma resposta a esse novo projeto de vida dos brasileiros. Logo que assumiu o cargo, o ministro da Educação, Henrique Paim, anunciou que a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica ; que integra os institutos federais de educação, ciência e tecnologia ; receberá investimento de R$ 1,8 bilhão este ano. O total investido entre 2005 e 2013 foi de R$ 6,7 bilhões. De acordo com o último Censo Escolar da Educação Básica, o número de matrículas na educação profissional nas redes públicas e particular foi de 1.441.051 em 2013, aumento de 85% em relação a 2007.

Mudança

A disseminação da educação profissional ainda é um objetivo a ser alcançado. As alunas do curso técnico de segurança do trabalho Caroline Dias e Érica Rodrigues, ambas de 18 anos, só conheceram essa possibilidade depois de ingressarem em empresas públicas como menores aprendizes e terem a oportunidade de fazerem o curso no Senai. ;É um meio para você entrar no mercado de trabalho e adquirir bastante conhecimento. Entrei no curso sem conhecer, mas gostei da área e quero seguir nela;, afirma Érica. As duas observam que os jovens só percebem a importância do ensino técnico depois de ingressarem no curso, pois no ensino médio o conteúdo é mais direcionado a quem pretende fazer graduação. ;Não tem muita divulgação do curso técnico e de seus benefícios;, avalia Caroline.

Lucchesi, da CNI, lembra que a formação superior também é uma lacuna a ser preenchida no país, mas que as duas modalidades podem ser complementares. ;Nós temos que aumentar tanto nossa formação de nível superior como a de nível técnico, são dois esforços importantes. E não há uma oposição entre uma coisa e outra;, afirma. Fábio Renato, 21 anos, aluno do curso de mecânico de automóvel do Senai, já recebeu propostas de emprego em concessionárias e acredita que o curso trará retorno financeiro mais rápido para que ele consiga estruturar os próximos passos da carreira. ;Essa formação me dará estabilidade e tempo para pensar em qual área quero fazer o curso superior.;

Preparação para a vida

Edson Caetano, professor do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), defende que a formação não privilegie apenas o lado profissional, mas também uma preparação para a vida. ;É o que chamamos de formação integral. O ensino profissionalizante deixa a desejar nesse ponto;, explica Caetano, que é líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação da universidade. Por isso, ele sugere a vinculação com o ensino médio, para que a democratização dessa etapa do ensino seja efetiva e não apenas baseada na ampliação do número de vagas. ;É essa a visão que um número considerável de pesquisadores e de professores defendem: um ensino que dê condições para que esses adolescentes e futuros adultos tenham instrumentos que possibilitem entender as mudanças que ocorrem no mundo do trabalho.;
Em última instância, o direito à educação e ao trabalho remetem a garantias constitucionais, como lembra a consultora educacional Marilza Regattieri. ;Na prática, a concepção da educação profissional é aquela que deve prover ao estudante, seja jovem ou adulto, ao longo de toda a sua vida, aprendizagens que dão a ele conhecimento e competência para acessar um trabalho digno;, explica. Marilza destaca que a capacidade de aprender e de se desenvolver ao longo da vida é essencial, porque o mercado é muito dinâmico e exige mudanças constantes. ;Existem algumas indicações de que, quando os alunos que estão hoje em cursos de educação profissional ou de graduação se formarem, vamos ter outros vários perfis demandados;, explica.

Início
A percepção cultural sobre o ensino profissionalizante tem raízes históricas que contribuíram para disseminar a formação técnica como exclusiva das classes mais baixas. O decreto n; 7.566, de 1909, assinado pelo então presidente da república, Nilo Peçanha, criou 19 escolas de aprendizes artífices. As vagas eram destinadas a habilitar os filhos dos ;desfavorecidos da fortuna; e ;fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade ignorante, escola do vício e do crime;.

Mais de 291 mil vagas
A partir de amanhã, o Sistema de Seleção Unificada da Educação Profissional e Tecnológica (Sisutec) recebe inscrições para 291.338 vagas em cursos técnicos. No Distrito Federal, são ofertadas 8.725 oportunidades. O cadastro pode ser feito até 21 de março, pelo site sisutec.mec.gov.br. A consulta de vagas já está disponível. Podem participar dessa primeira etapa apenas candidatos que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A primeira chamada ocorrerá em 25 de março.

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