O Correio esteve nesta semana na casa da família da estudante, em Formosa (GO). Depois de ter acordado antes das 5h para trabalhar, ele finalizou o serviço e falou sobre a falta que a filha caçula faz. ;Já está fazendo um ano, infelizmente (silêncio). Sinto muita saudade dela. Ela era a minha alegria. Um pai quer ter um dedo esbagaçado, mas não quer ver um filho ser picado por um mosquito;, desabafa.
Sinval sofre de pressão alta. Desde o assassinato da filha, não dorme ou se alimenta direito. ;A Suênia era uma pessoa muito boa. Ele (Rendrik ) foi covarde demais. Homem que é homem não encosta a mão em um fio de cabelo de uma mulher;, diz. Em poucas palavras, o homem abatido pelo sofrimento e desiludido com a vida faz um apelo às autoridades. ;A nossa lei precisa mudar. Não é porque uma pessoa tem nível superior que tem o direito de assumir a pena com regalias. A lei tinha que ser igual para todos. Ele (Rendrik) precisa pagar pelo que fez, sem privilégios;, defende.
Rendrik aguarda julgamento em uma Ala Especial do Centro de Internamento e Reeducação (CIR), no Complexo Penitenciário da Papuda, em São Sebastião. Ele não divide cela com outros presos e conta com espaço destinado a pessoas com nível superior. O ambiente conta com televisão, rádio, vaso sanitário e banheiro com chuveiro de água quente, uma regalia se comparado aos demais detentos. Durante audiência de instrução do caso, o réu pediu perdão à família de Suênia, mas usou o direito constitucional de ficar calado em relação aos detalhes do assassinato.
Para despistar a tristeza, a família fez dois vídeos com fotos de Suênia de pequena, em momentos de descontração com os irmãos e amigos, viagens à praia e confraternizações. Em uma das imagens, a jovem, então com 13 anos, aparece cortando um bolo de aniversário. Já adulta, Suênia e Cilene aparecem beijando as bochechas de Sinval. ;Meu pai era muito apegado com a Suênia. Ele não era de abraçar as pessoas, mas com a Suênia era diferente. Sempre que chegava uma visita, ele tinha orgulho de mostrar primeiro as fotos dela;, conta Cilene.
Nascida no interior da Paraíba, em Pombal, Suênia veio com os irmãos para Brasília ainda pequena. Deixou a cidade natal para tentar uma vida melhor aos arredores da capital federal. A infância na Paraíba não foi fácil. ;Minha mãe (já falecida em razão de um câncer) vendia geladinho para a gente não passar dificuldade. Meu pai tocava boiada e vendia vassouras. As coisas que meus pais construíram, ele (Rendrik) destruiu em um segundo;, revolta-se Sinval Monteiro de Farias Júnior, 36 anos, que tem o mesmo nome do pai. Hoje, o sustento da casa é fruto do plantio de verduras, vendidas na Central de Abastecimento (Ceasa) às segundas e quintas-feiras. É preciso dormir no caminhão para, às 5h, fazer a comercialização.
Apesar da luta, as lembranças são de uma infância feliz, de uma família unida. ;Jamais poderia imaginar que iríamos perder a Suênia dessa forma. Minha irmã era uma menina linda e deixou uma saudade que não tem fim. Quando ela chegava, me abraçava e chamava de zoião. Ela adorava brincar e foi tirada da gente na flor da idade;, emociona-se Sinval Júnior.
Para ele, Rendrik deve ser julgado e receber uma pena proporcional ao crime que cometeu. ;Ele agiu de maneira premeditada, cruel e covarde. Minha irmã não teve chance de se defender. Quando uma pessoa tira a vida de outra, ela tem que pegar a pena máxima prevista na legislação, porque só assim pensariam duas vezes na hora de fazer uma besteira dessas. Ninguém tem o direito de tirar a vida de uma pessoa. Nós a perdemos por toda a vida, e ele tem a família dele;, critica.
Suênia sempre ajudou nos afazeres na roça, mas tinha o sonho de construir um futuro melhor. Queria ser delegada e cursava o 7; período de direito em uma faculdade na Asa Norte. ;Ela não gostava de injustiças. Quando a Eloá morreu (jovem assassinada pelo ex-namorado em São Paulo), a Suênia ligou para mim dizendo que tinha sentido uma tristeza muito grande e ainda comentou que as mulheres tinham que ter muito cuidado com os homens de hoje. Minha irmã incentivava as mulheres a saírem fora do relacionamento para não serem vítimas de violência;, conta a irmão Sineide. Suênia ainda sonhava em um dia ter condições de levar as sobrinhas Emilly, 10, e Lara, 2, para a Disney, na Flórida.
Estratégias jurídicas para reduzir a pena
Em maio deste ano, a Justiça determinou que Rendrik vá a júri popular por homicídio qualificado, com pena prevista de 12 a 30 anos de prisão. À época, o juiz Sandoval Gomes de Oliveira concluiu haver materialidade suficiente para a pronúncia do réu, pela impossibilidade de defesa da vítima e motivo torpe. Conforme denúncia do Ministério Público do DF, o réu mantinha um sentimento de posse sobre a vítima e agiu ;imbuído de ciúme doentio e egoísta;, inconformado com o término do relacionamento.
Os advogados de Rendrik não concordaram com os termos da pronúncia e recorreram da decisão. Eles querem ainda que seja reaberta a audiência de instrução para oitiva de uma testemunha. Segundo um dos defensores de Rendrik, Ticiano Figueiredo, a ideia não é adiar o julgamento. ;O que a gente quer é que haja um processo justo. O Rendrik quer pagar pelo que fez, mas na medida da sua culpabilidade;, diz.
Segundo Ticiano, o ex-professor de direito não premeditou o crime para se livrar da prisão, como sustenta o MPDFT. ;A conduta de ele entregar o corpo na delegacia mostra que ele se arrependeu. Se ele respondesse ao processo em liberdade, quando a decisão estivesse transitada e julgada ele perderia o benefício do curso superior e teria de cumprir pena no PDF (penitenciária onde ficam os demais presos do DF);, sustenta.
Para o promotor do Tribunal do Júri, Maurício Miranda, a defesa tem interesse em adiar o julgamento. ;Eles vão entrar com vários recursos de agora em diante. Ele (Rendrik) está em uma situação confortável. E quanto mais tempo ficar assim, mais vai abater na pena quando o processo estiver transitado e julgado. Podem falar o que quiser, mas ele tem regalias que não deveriam ser dadas a juízes, promotores, advogados ou nenhuma pessoa;, critica. ;Colocar em sala separada, tudo bem, porque é uma questão de resguardar a vida, mas cumprir um regime diferente eu acho injustificável. Se o Rendrik estivesse preso em outra situação, com certeza os advogados iriam querer acelerar o processo. Esse sistema só favorece quem tem condições financeiras;, destaca Miranda. (MP)