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"1968 foi de medo"

Ex-reitor da UnB e ex-aluno participam de audiência pública e narram histórias de perseguição e tortura no regime militar

postado em 22/05/2013 18:00
Antonio Ibañez (C) e Romário Schettino (D): vítimas da ditaduraA preservação da memória e a discussão dos atos praticados durante o regime militar foram fortemente defendidas pelas duas testemunhas ouvidas ontem na primeira audiência pública da Comissão de Memória e Verdade Anísio Teixeira da Universidade de Brasília (UnB). O ex-reitor da instituição Antonio Ibañez e o Secretário de Educação Superior do Ministério da Educação e ex-estudante da UnB, Romário Schettino, narraram as experiências na época e lembraram dos tempos de perseguição.

Ibañez e Schettino representam momentos diferentes da repressão nos corredores e nas salas de aula da universidade. O primeiro sofreu a invasão de 5 de agosto de 1968 à UnB, período em que atuava como professor do Departamento de Engenharia Mecânica. Ele havia se mudado para Brasília no ano anterior a fim de ajudar a estruturar o curso. Apesar de envolvido na atividade acadêmica, ele conviveu diretamente com alunos e professores que organizavam a resistência. ;Eram todos conectadíssimos. Os estudantes protestavam tomando o restaurante e batendo nas bandejas;, lembrou.

Os protestos tiveram graves consequências, segundo Ibañez. ;O ano de 1968 foi de muito medo. A gente vivia apavorado na hora de vir para a universidade. Às vezes, a polícia fechava as entradas, tínhamos que nos identificar e havia sempre um clima de provocação muito grande por parte dos policiais. O fato de ser professor não significava nada. Também sofri muito deboche dos militares;, contou, emocionado.

Em 5 de agosto de 1968, os temores se concretizaram. As forças de repressão tomaram o câmpus sob forte esquema de segurança. O ex-reitor estava na sala dele, na Faculdade de Tecnologia, onde hoje funciona a psicologia. ;Eu recebi uma ligação da Marilu (mulher dele, então decana de Assuntos Comunitários) me avisando: ;Paco, os militares estão aqui;. Na mesma hora, ouvi gritos e tiros;, disse.

Quando o professor chegou aos corredores, deparou-se com o aluno Waldemar Alves ensanguentado. Ele havia sido atingido com um tiro na cabeça e alguns colegas tentavam retirá-lo do meio da confusão. ;O gás lacrimogêneo prejudicava a visão;, detalhou Ibañez. Naquele dia, o educador acabou algemado e preso, sem qualquer explicação. ;Um tempo depois apareceu um representante da Reitoria, que fez a triagem de professores e alunos. Fui solto, mas muitos alunos ficaram detidos;, continuou. Em 1972, ele deixou o Brasil e se dedicou ao mestrado e ao doutorado na Inglaterra. ;Eu saí porque queria ter tranquilidade, não ser constantemente vigiado e, principalmente, poder me dedicar aos estudos.;

Romário Schettino, então aluno de história da UnB, sofreu com a ditadura a partir de 1973, quando o mineiro de Caratinga se mudou para Brasília. As atividades políticas dele começaram no ensino médio e se intensificaram na UnB. ;Eu frequentava repúblicas e lutava contra a repressão, mas não participava da guerrilha. Um dia, os militares esperaram eu sair do trabalho, jogaram-me no meu carro e me vestiram um capuz. Não sei para onde fui levado, mas passei 25 dias preso. Sofri todo tipo de privação e de tortura. Depois, me soltaram em um matagal, na L2 Norte;, detalhou.

Os dois relatos são os primeiros de uma série de 10 depoimentos que reconstruirão parte da história da universidade no regime militar. Para isso, serão ouvidos, até junho, ex-funcionários, professores, estudantes, familiares de vítimas, advogados dos perseguidos políticos e suspeitos de colaboração com a tortura.

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