postado em 19/09/2013 15:35
Até hoje não se tinha nenhuma informação sobre o efeito da vacina contra febre amarela em pessoas diagnosticadas com doenças reumáticas. Foi então que as pesquisadoras Ana Cristina Oliveira, Licia Maria Mota e Vanessa Pascoal, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Medicina (FM) da UnB, resolveram se debruçar sobre o assunto. A proposta de pesquisa é parte de um estudo que vem sendo desenvolvido há dois anos e acaba de ser reconhecido pela Liga Pan-Americana de Associações de Reumatologia (PANLAR, na sigla em inglês).
O prêmio PANLAR em Reumatologia 2013, no valor de 7,5 mil dólares, será entregue às pesquisadoras da UnB pela proposta de estudo na categoria pesquisa em ciência básica. O evento será em outubro, nos Estados Unidos, durante a Reunião Anual do Colégio Americano de Reumatologia (ACR), em San Diego, Califórnia. ;A PANLAR concede esse prêmio anualmente para o melhor projeto em Reumatologia da América Latina. O estímulo financeiro é, justamente, um fomento à pesquisa;, diz a docente e orientadora do projeto, a médica reumatologista Licia Maria Henrique Mota, da FM.
Ela conta que o estudo em andamento, que analisa células e anticorpos de pacientes reumáticos vacinados contra febre amarela, é inédito. ;Não há nenhum outro grupo no mundo nessa linha de pesquisa. As duas pesquisas que existem sobre esse assunto são nossos;, diz a reumatologista. De acordo com a médica, é incomum um portador de doença reumática ser vacinado contra febre amarela porque a imunização é proibida nesse grupo de pacientes. ;Isso não acontece de forma programda. Lidamos com pessoas imunossuprimidas, o sistema imunológico é alterado; explica Licia.
A pesquisadora esclarece que a vacina é elaborada com o vírus vivo atenuado. O objetivo é fazer com que a pessoa sem doença imunológica, quando receba a dose, desenvolva anticorpos (células de defesa), para combatê-lo. Já pacientes com reumatismo do tipo autoimune, sobretudo aqueles em uso de medicações que suprimem o sistema imune, não conseguem desenvolver a mesma resposta. ;Para essa população, algumas vacinas são essenciais para protegê-los de infecções, mas existem algumas que são contraindicadas, como é o caso da vacina contra a febre amarela, feita com vírus vivo atenuado;, relata a especialista.
ORIGEM
Foi um episódio ocorrido no final de 2007 que motivou a realização do estudo. Onze macacos com suspeita de febre amarela morreram no Parque Nacional de Brasília. O animal é o principal hospedeiro do vírus amarílico em áreas silvestres. Nas cidades, a transmissão da febre amarela é feita pelo mosquito Aedes aegypti.
Mas foi após a morte do administrador de empresas Graco Abubakir, em janeiro de 2008, confirmada por febre amarela silvestre, além de relatos de casos com suspeita de contaminação pelo país, que o Ministério da Saúde iniciou um Plano de Prevenção e Controle, com uma campanha nacional de imunização contra a doença. ;Embora não ocorram casos da febre amarela urbana há muitos anos, a recomendação atual é vacinar toda a população que mora ou se desloca para áreas endêmicas, a cada 10 anos, como forma de prevenir a febre amarela, que pode ser uma doença extremamente grave;, explica a docente da UnB.
A vacinação contra a febre amarela levou, então, inúmeras pessoas aos postos de saúde. ;Foi amplamente divulgado pela mídia que todo mundo precisava se vacinar contra a febre amarela. Muitos dos nossos pacientes que são imunossuprimidos, e que não deveriam receber a vacina, foram aos postos e centros de saúde se vacinar, sem saber que não podiam", explica Licia. ;Chamamos isso de vacinação inadvertida, que configura um grande risco de efeito colateral grave;, completa a médica.
De 2007 a 2009, as pesquisadoras coletaram dados de 70 pacientes que se vacinaram inadvertidamente contra febre amarela. Observaram que 22% deles tiveram algum efeito colateral leve, como manchas no corpo, dores de cabeça, febre, ou alteração das enzimas do fígado. ;A porcentagem das pessoas que apresentaram efeito colateral foi igual ao da população em geral;, conta a pesquisadora da UnB. Felizmente, não foi constatado nenhum efeito colateral grave no grupo estudado.
Agora, as pesquisadoras tentam descobrir se a vacina fez efeito nos pacientes com doença reumática. ;É possível que nos pacientes que receberam a vacina, com o sistema imune baixo, a resposta não tenha sido a esperada, de produção de anticorpos em quantidades protetoras. Estamos verificando isso em nosso trabalho;, conta Licia Mota. Uma parte desse estudo compõe o trabalho inédito que será premiado em outubro. A bonificação que será recebida deve impulsionar a pesquisa. ;Nós vamos usar o prêmio na realização da pesquisa;, explica.
O novo trabalho está sendo desenvolvido pelo Hospital Universitário da UnB e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). ;Vamos estudar vários perfis de resposta imunológica em pessoas que têm doenças autoimunes. É a avaliação das respostas das células inflamatórias a produção de uma substância chamada citocina;, completa a reumatologista.