Rodrigo Craveiro
postado em 10/10/2013 16:44
Alguns milissegundos após o big bang ; a explosão que deu origem ao cosmos, cerca de 13,7 bilhões de anos atrás ;, o universo resfriou, a simetria perfeita rompeu-se e uma nova partícula deu massa a todas as outras. A misteriosa estrutura foi descrita, em estudos separados, pelos cientistas Peter W. Higgs e François Englert em 1964. Foram necessários 48 anos para que o Grande Colisor de Hádrons (LHC, pela sigla em inglês), um superacelerador de partículas (veja arte) do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), comprovasse a existência dos bósons de Higgs, a última peça do quebra-cabeça do modelo padrão da física de partículas e um mecanismo que ajuda a explicar a construção do mundo. A Academia Real das Ciências da Suécia confirmou os prognósticos e concedeu a Higgs e a Englert o Prêmio Nobel de Física. O anúncio dos laureados ocorreu com mais de uma hora de atraso, às 8h de ontem (hora de Brasília), e levantou suspeitas de que o Comitê Nobel teve dúvidas em relação aos nomes dos escolhidos.[SAIBAMAIS]
;Ele (o bóson de Higgs) está conectado a um campo invisível, que preenche todo o espaço. Mesmo quando o nosso universo parece vazio, esse campo está lá. (;) Se não estivesse, nada do que conhecemos, nem mesmo nós, existiríamos;, afirma um comunicado da academia. Essa característica rendeu-lhe a alcunha, refutada pelos cientistas, de ;a partícula de Deus;. Considerado favorito absoluto ao Nobel de Física, o britânico Higgs, 84 anos, preferiu a reclusão. Por meio da Universidade de Edimburgo, se disse ;impressionado; com o prêmio. ;Eu gostaria de parabenizar a todos aqueles que contribuíram para a descoberta dessa nova partícula e agradecer à minha família, a meus amigos e a meus colegas;, declarou. ;Espero que esse reconhecimento da ciência fundamental ajude a aumentar a consciência sobre a importância da pesquisa imaginativa;, completou. Professor da Universidade Livre de Bruxelas, o belga Englert, 81 anos, afirmou que se sente ;muito feliz;. ;É certo que demos um grande passo adiante para resolver o modelo padrão da física, mas ele ainda não está solucionado;, comentou.
O físico brasileiro Alberto Santoro, líder do grupo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) que trabalha no instrumento Detector Solenoide de Múon Compacto (CMS) do LHC, considera o prêmio ;mais do que merecido;. ;Há quase meio século, nós tínhamos esse desafio de encontrar o objeto responsável pela origem das massas. Com o LHC, resolvemos o enigma, um dos principais da física. Agora, queremos encontrar todos os estados e as interações ligados aos bósons de Higgs;, afirmou ao Correio, por telefone. A próxima rodada de experimentos com o LHC deve acontecer em 2015. ;Nós estamos melhorando os detectores e o acelerador para aumentarmos a energia e a luminosidade, além do número de partículas que vão interagir entre si;, acrescentou.
Assim como Santoro, o italiano Sergio Bertolucci, diretor para Pesquisa e Computação do Cern, não tem dúvidas de que o LHC detectou o bóson de Higgs em 4 de julho de 2012. ;Nós sabíamos que, ao determinarmos a massa da partícula, todas as outras propriedades dela seriam decifradas. Descobrimos a sua interação com outros elementos, como fótons e quarks. Conseguimos determinar que a nossa partícula possui todas as propriedades que se supõe ter no bóson de Higgs;, disse ao Correio, por telefone, a partir das instalações do Cern, na fronteira entre a Suíça e França.
;O bóson de Higgs foi a última peça que faltava no quebra-cabeça do modelo padrão da física de partículas. Os resultados do Cern nos dão confiança em nossas ideias teóricas e nas ferramentas usadas para entender a natureza em escalas ínfimas;, comemorou Arjun Berera, professor de física teórica da Universidade de Edimburgo e colega de Higgs. Por e-mail, ele reconheceu que os cientistas ainda têm muito a responder. ;Todas as partículas do modelo padrão respondem por apenas 4% da massa total do universo. Outros 20% da massa são o que chamamos de ;matéria escura;;, disse. De acordo com ele, é possível que o LHC ainda revele a existência de partículas até então desconhecidas. ;O sucesso do trabalho de Higgs e de Englert nos incentiva a seguir aplicando a lógica e conceitos similares na busca em resolver segredos das partículas elementares que formavam os blocos de construção do universo;, conclui.
Mensageiros invisíveis
No modelo padrão, a teoria da estrutura fundamental da matéria elaborada na década de 1960 para descrever todas as partículas e forças do universo, o bóson de Higgs é a partícula que proporciona sua massa a todas as demais. Ao tentar isolar os menores componentes da matéria, os físicos descobriram várias partículas elementares. Seis tipos de quarks ; chamados up (para cima, em inglês), down (para baixo), charm (encanto), strange (estranho), top (em cima) e bottom (embaixo) ; integram os ;tijolos elementares; da matéria, como o elétron e seus irmãos, o múon e o tau, e três tipos de neutrinos. As 12 partículas interagem entre si por meio de mensageiros, os bósons ; entre eles, o fóton, que porta a radiação eletromagnética, e o glúon, que confere coesão aos núcleos atômicos.
Perfis
François Englert
Eterno curioso
;O Nobel? Já pensei, mas nunca foi uma motivação ou uma fonte de ansiedade. Meu prazer encontrei na pesquisa;, afirmou, em 2012, o belga François Englert. Nascido em Bruxelas em 6 de novembro de 1932, ele se formou em engenharia civil e depois seguiu o caminho da física. ;Percebi que o que interessava era compreender as leis que regem os fenômenos, e menos como utilizá-las tecnicamente;, contou, ano passado, à revista da Universidade Livre de Bruxelas (ULB), onde desenvolveu a maior parte da carreira. Depois de obter o doutorado em física, Englert se mudou em 1959 para a Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, onde conheceu o professor americano Robert Brout, seu futuro ;cúmplice; em um dos maiores avanços da física moderna.
Brout decidiu acompanhar Englert no retorno à ULB, na década de 1960. Na universidade, os dois se inspiraram nas teorias do japonês Yoichiro Nambu (Nobel de Física de 2008) para compreender os fenômenos que interferem na escala do átomo. ;Em 1964, estávamos seguros da coerência lógica de nossa teoria e publicamos nosso artigo na Physical Review Letters;, contou. O texto foi publicado duas semanas antes que o de Peter Higgs. Brout morreu em 2011, sem ver o Cern confirmar suas pesquisas. Em julho, Englert recebeu do rei Albert II da Bégica o título de barão. ;A física é um pouco como uma droga. Continuo interessado em alguns problemas;, disse o fã de música, que considera a criação científica ;uma forma de estetismo;.
Peter W. Higgs
À moda antiga
O físico britânico Peter Higgs, vencedor do Nobel de Física de 2013, não é adepto das novas tecnologias e é descrito de maneira unânime como uma pessoa extremamente modesta. O homem de grande modéstia, atualmente com 84 anos, afirmou ;Ah, já sei como fazer!” quando intuiu a existência de um ;campo; que se assemelharia a uma espécie de cola, na qual as partículas estariam mais ou menos presas, relatou o colega Alan Walker. Higgs publicou um documento sobre sua teoria e virou o símbolo de uma tese científica para a qual muitos cientistas contribuíram ao longo dos anos.
Tímido e discreto, Higgs vive em Edimburgo, na Escócia, onde foi professor, sem telefone celular e sem televisão. Inclusive, resistiu por muito tempo a comprar um computador, segundo o jornal Sunday Times. De acordo com a publicação, ele sofreu problemas de saúde recentemente. Considerado uma pessoa muito inteligente por todos que trabalharam com ele, Higgs teve o primeiro artigo sobre o bóson rejeitado pela revista Physics Letters, editada na época pelo Cern, a mesma organização europeia que acabaria por confirmar a existência da partícula. Uma segunda versão mais elaborada do documento foi finalmente publicada nos Estados Unidos. Nascido em 29 de maio de 1929 em Newcastle, norte da Grã-Bretanha, Higgs tem doutorado no King;s College de Londres e vários diplomas honorários e recompensas (Royal Society, Institute of Physics, etc). Por sua modéstia, Higgs fica irritado com o termo ;bóson de Higgs;. Por ser ateu, não aprecia o termo ;partícula de Deus;.
Eu acho...
;A intuição de Higgs e de Englert tem mais de meio século e representou a base da criação da teoria da física de partículas. Ela também se mostrou correta, sob os pontos de vista da relatividade e da mecânica quântica. Essa teoria foi provada por meio do campo emitido pela partícula, ao interagir com ela. O postulado foi concebido em 1964. O fato de podermos imaginar sobre a natureza e fazer experimentações é algo bonito, no cerne da ciência.;
Sergio Bertolucci, diretor para Pesquisa e Computação do Cern
;Cientistas brasileiros fizeram parte da detecção do bóson de Higgs. Essas descobertas não são de um único homem, mas de um experimento e, portanto, de uma coletividade, de uma colaboração. É fundamental que o Brasil, ao assinar a autoria dessa descoberta, por intermédio de seus cientistas, procure financiar essas pesquisas o mais cedo possível. O prêmio foi justo.;
Alberto Santoro, líder do grupo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) do Detector Solenoide de Múon Compacto (CMS), no Cern