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"Menos intolerância, mais amor" na UnB

Munidas de cartazes e bandeiras, cerca de 500 pessoas tomam o Minhocão para protestar contra grupo que invadiu a Universidade de Brasília na última sexta-feira. Polícia, MP e reitoria investigam o caso. OAB nacional repudia os ataques à diversidade

postado em 21/06/2016 19:08

Munidas de cartazes e bandeiras, cerca de 500 pessoas tomam o Minhocão para protestar contra grupo que invadiu a Universidade de Brasília na última sexta-feira. Polícia, MP e reitoria investigam o caso. OAB nacional repudia os ataques à diversidade

O grupo percorreu os corredores do Instituto Central de Ciências (ICC), realizou uma roda de discussões, e, depois, seguiu para a reitoria: revolta

Vídeos flagraram as atitudes preconceituosas no câmpus da Asa Norte

Os ataques homofóbicos promovidos por um grupo de cerca de 30 pessoas na Universidade de Brasília (UnB), na última sexta-feira, provocou reação de setores da sociedade e do Poder Público. Dois dias depois, a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin) instaurou inquérito. Durante o fim de semana, a delegada responsável pelo caso ouviu testemunhas e envolvidos. O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) também deve acompanhar os desdobramentos da confusão. Ontem, alunos, professores e funcionários fizeram ato ;contra o discurso de ódio, o fascismo e a violência na universidade;.

Na noite da última sexta-feira, pessoas vestidas de preto e com camisas da Seleção Brasileira de futebol invadiram o Instituto Central de Ciências (ICC), o Minhocão, por volta das 20h. Eles se manifestavam contra a ;doutrinação esquerdista; nas universidades federais e criticavam o indicativo de greve aprovado por professores da UnB contra as alterações promovidas pelo novo governo nas áreas da educação e da ciência. A eventual paralisação de estudantes de alguns cursos contrários ao presidente em exercício, Michel Temer, também foi alvo do grupo.

Vídeos feitos no momento da discussão mostram uma mulher proferindo ofensas a estudantes. ;Eu sou empresária, pago imposto caríssimo para manter esse parasita. Gay, safado, parasita, maconheiro;, grita a mulher. ;Vai estudar, bando de vagabundo;, diz um homem, com o dedo em riste. Os manifestantes, que até o momento não foram identificados como alunos da UnB, também usavam camisetas com o rosto do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e bandeiras do Brasil. Testemunhas relataram que alguns invasores empunhavam cassetetes e armas de choque, apesar de as imagens não mostrarem os objetos.

[SAIBAMAIS]A UnB emitiu nota de repúdio ao ato da última semana. ;A reitoria da Universidade de Brasília reitera a postura de respeito ao direito à diversidade nos seus quatro câmpus e repudia qualquer ato de intolerância e de agressão;, informou. ;As ocorrências de natureza agressiva e intolerantes são devidamente apuradas e, quando se trata de ações que extrapolam a alçada administrativa da universidade, os órgãos competentes são acionados;, continua o texto.

Ex-aluno da UnB, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) se posicionou por meio das redes sociais. Em um post publicado no sábado em sua página oficial, o chefe do Executivo local afirmou que determinou à Polícia Civil atenção especial sobre o fato. ;Nosso governo está em sintonia com a sociedade de Brasília, que não aceita atos de intolerância e ódio;, escreveu.

;Menos intolerância;


No início da tarde de ontem, cerca de 500 pessoas se reuniram no Ceubinho, no Minhocão, em resposta ao ocorrido na sexta-feira. O protesto, convocado por 34 Centros Acadêmicos (CAs) pela internet, contou com o apoio de professores de diversos cursos, além do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Universidade de Brasília (Sintfub). Durante mais de uma hora, estudantes se revezaram no microfone, condenando o que chamaram de ;ataque fascista da direita conservadora;.

Carregando cartazes com frases como ;Aqui não tem espaço pra fascista;, ;Abaixo o autoritarismo; e ;Menos intolerância, mais amor;, o grupo seguiu para a reitoria, onde cobrou um posicionamento firme da administração do câmpus, além de medidas efetivas para impedir ;atos de violência e de ódio contra os estudantes, os LGBTs, as negras e os negros e os estudantes pobres da universidade;.

Para a vice-presidente regional da União Nacional dos Estudantes (UNE), Luiza Calvette, o ocorrido na última sexta é resultado do cenário político nacional e deve ser combatido para que não extrapole e haja agressões físicas. ;A gente tem assistido nos últimos períodos um avanço do conservadorismo, e isso se manifestou na UnB na última sexta. Mas nós não vamos aceitar o fascismo dentro da UnB;, defendeu.

A decana de Assuntos Comunitários da UnB, professora Thér;se Hofmann, acompanhou o ato de ontem. Ela lembrou que, durante a ditadura militar, a UnB se tornou símbolo da luta pela liberdade de escolha e ressaltou que a comunidade acadêmica repudia ações de violência dentro e fora do câmpus. ;A UnB, como universidade da capital do país, já foi e é exemplo de uma série de ações, que viraram vitrine para outras instituições de ensino superior. A gente não pode ser exemplo de ações homofóbicas, de ações que privam a liberdade de pensar;, argumentou.

A presidente da Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Maria Berenice Dias, afirmou que o acontecimento atinge não só os estudantes ou os homossexuais, mas toda a sociedade, por se tratar de um ataque aos direitos individuais. ;Eu fiquei estarrecida quando vi as imagens. É inominável. É uma afronta a todos os princípios, inclusive aos constitucionais;, considerou.

Para Berenice, o protesto se torna mais grave por ter sido promovido dentro de uma universidade federal. ;As pessoas, independentemente do que pesam, do que acreditam, não podem invadir uma universidade federal e se insurgir contra a instituição, contra os alunos e de uma maneira ofensiva à liberdade sexual;, opina. A OAB-DF preferiu não se pronunciar sobre o caso.

Encontro de professores
Está prevista para amanhã uma Assembleia Geral Universitária, organizada por professores, estudantes e técnicos da Universidade de Brasília (UnB). O grupo se reunirá para discutir a educação na conjuntura atual. No encontro também será abordado o episódio ocorrido no câmpus na sexta-feira. A iniciativa faz parte do movimento promovido pelos três segmentos contra o governo interino de Michel Temer (PMDB). Desde que o Senado Federal afastou Dilma Rousseff (PT) do cargo, parte do corpo docente da UnB tem se posicionado contra o novo governo, principalmente em relação à decisão de extinguir o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A reunião ocorrerá às 15h no Teatro de Arena do Câmpus Darcy Ribeiro, no fim da Asa Norte.

Para saber mais

Unidade especializada

Após ataques a terreiros de candomblé no Distrito Federal e no Entorno no fim do ano passado, o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), publicou, em janeiro, o decreto que criou a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência. A unidade é a quarta do país a ser criada especialmente para combater os crimes de discriminação e intolerância religiosa. O objetivo é proporcionar às vítimas de tais ataques um local específico ao qual se dirigir a fim de apurar os fatos com tratamento especializado.

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