Jornal Correio Braziliense

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Autonomia assegura oferta de disciplina que trata impeachment como golpe

Para especialistas, tentativa do MEC de impedir a oferta da matéria "O golpe de 2016 e o futuro da democracia do Brasil", pela UnB, não deve surtir efeito


A oferta pela Universidade de Brasília (UnB) da disciplina optativa "O golpe de 2016 e o futuro da democracia do Brasil", aberta a estudantes de todos os cursos de graduação, provocou polêmica dentro da instituição de ensino e nos círculos de educação do país. A ser ministrada pelo professor Luis Felipe Miguel, do Instituto de Ciência Política, a matéria desagradou o Ministério da Educação (MEC), que anunciou a intenção de contestar a oferta na Justiça.

Por meio de nota, o ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM/PE), afirmou que encaminhará solicitação à Advocacia-Geral da União (AGU), ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Ministério Público Federal (MPF) para a apuração de improbidade administrativa por parte dos responsáveis pela criação da disciplina "por fazer proselitismo político e ideológico de uma corrente política usando uma instituição pública de ensino".

O Correio perguntou a especialistas quais as chances de o governo formado após o impeachment de Dilma Rousseff, o processo tratado como golpe no título da disciplina, ser bem-sucedido na tentativa de impedir a realização do curso. João Braida, coordenador do Colégio de Pró-reitores de Graduação da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), não acredita que as ações protocoladas pelo MEC sejam efetivas. ;As unidades federais de ensino superior têm autonomia definida por prerrogativa constitucional para definir os cursos e programas. No entanto, a questão é complexa e o caso específico deve ser avaliado mais profundamente;, ponderou.

Jamil Cury, professor de direito, educação e políticas públicas da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), por sua vez, elenca três elementos principais a serem avaliados na situação. O primeiro é a liberdade de expressão. ;Isso é uma premissa da qual não se pode abrir mão. Não está havendo nenhum tipo de transmissão de conhecimento que conduza ao racismo, à homofobia, ao desrespeito dos direitos humanos;, observa.

Na visão dele, é importante ainda que a bibliografia apresente ao estudante o contraditório. ;Eu acho que é legítimo esse posicionamento da parte dele (professor), mas seria mais legítimo se, ao mesmo tempo, ele contrastasse com opiniões divergentes, que é o que faz da universidade um lugar de circulação de pontos de vista que permitam ao estudante tomar, ele próprio, a sua posição;, detalha.

O terceiro ponto, conforme Cury, é esperar que os estudantes tenham uma postura reflexiva, questionadora, crítica, e que possam dialogar com o professor de forma cidadã a respeito da temática. ;No mais, a universidade é autônoma e a autonomia precisa ser respeitada;, conclui.


Fragilidade do sistema político


A disciplina, de quatro créditos, não exige pré-requisitos e é aberta a todos os graduandos da instituição, com 50 vagas disponíveis. De acordo com a ementa, o objetivo é abordar três temas relacionados ao impeachment de Dilma Rousseff: os elementos de fragilidade do sistema político que permitiram a ruptura; a análise do governo Temer e a investigação do ;que sua agenda de retrocesso nos direitos e restrição às liberdades diz sobre a relação entre as desigualdades sociais e o sistema político no Brasil;; e os desdobramentos da crise política.

O professor Luis Felipe Miguel é doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor titular da UnB desde 1996, segundo informações publicadas na Plataforma Lattes. Na apresentação do currículo, o professor segue o mesmo tom usado no programa da disciplina e diz que ;defende a universidade pública, laica, gratuita e de qualidade e o retorno do Brasil à normalidade democrática;. As aulas vão ocorrer todas as segundas e quartas-feiras e as matrículas seguem abertas até esta sexta-feira (23/2). As aulas têm início em 5 de março.