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Com orçamento atual, UnB só consegue pagar contas até maio

Estudantes presentes em apresentação pública sobre a situação financeira da instituição se queixam da demissão de terceirizados e temem que haja mais desligamentos, inclusive de estagiários. Decana de Planejamento chama a atenção para a importância de conter gastos, caso contrário, a instituição pode parar de funcionar

Ana Paula Lisboa, Marília Lima*
postado em 29/03/2018 14:52

Alunos lotaram auditório da Face para conferir o que a Reitoria tinha a dizer sobre as contas da universidade

A Universidade de Brasília (UnB) tem um deficit orçamentário estimado em R$ 92,3 milhões e calcula que será necessária uma redução de R$ 39,8 milhões nas contas para sair do vermelho. Para prestar esclarecimentos, a Reitoria promoveu uma apresentação pública sobre a situação orçamentária nesta quinta-feira (29). O evento começou sob fortes gritos de protesto de estudantes contra as demissões de terceirizados e o possível desligamento de estagiários.

Denise Imbroisi, decana de Planejamento e Orçamento; a reitora, Márcia Abrahão Moura; e o vice-reitor, Enrique Huelva

A reitora, Márcia Abrahão Moura, rebateu, dizendo também ser contra as demissões, justificando-as com os problemas financeiros e alegando que alguns cortes serão inevitáveis. Muitos estudantes propuseram em coro entrar em greve-geral. "Eu não posso determinar que categoria fará greve nem posso recriminar greve. Em caso de greve, nós vamos respeitar. O que alguns pediram é que nós determinássemos greve, mas greve se vota em assemblaia e é construída de baixo para cima e não de cima para baixo", respondeu a reitora posteriormente.

Slide apresentado pela decana de Orçamento durante a apresentação mostra que, se continuar nesse ritmo, a UnB só conseguirá pagar todas as contas até maio, entrando em junho no vermelho, mesmo com redução de despesas

Denise Imbroisi, decana de Planejamento e Orçamento, disse que "as despesas com funcionários podem ser solucionadas, pois não são o maior gasto da universidade". Ela reforça, porém, a importância de conter despesas. "No ano passado, em outubro, a gente só tinha autorização para usar 85% do orçamento. Mas suponhamos que não tivéssemos contingenciamento nenhum (da própria universidade, tentando aumentar receitas e diminuir custos), então isso significa que a gente só teria conseguido sobreviver até julho. O que aconteceria em agosto? Não teríamos condições de funcionar", observa. "Agora, a gente consegue sobreviver até maio. Quando chegar junho, não teremos condições de arcar com água, luz, energia, funcionários, nem nada... No momento atual, o que temos é um recurso escasso para despesas que são muito grandes", completou.

A decana Denise Imbroisi

Gráfico mostra evolução do déficit da instituição entre 2017 e 2018

Terceirizados

Mauricio Sabino de Araújo Rocha, da coordenação-geral do SintfubMauricio Sabino de Araújo Rocha, representante do Sintfub (Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores da Fundação Universidade de Brasília), fez um apelo para que a gestão procure maneiras de economizar, mas sem desligar funcionários terceirizados. "É preciso criar uma mesa de negociação e suspender qualquer processo de demissão. O Sintfub acredita que é possível reduzir gastos sem demissão", defendeu.

O porteiro Francisco Targino foi demitido quatro vezes. Em três ocasiões conseguiu voltar ao seu posto por meio de manobras judiciais. Agora, integra a parcela dos últimos demitidos e está bastante indignado. ;Os terceirizados ajudaram na construção de Universidade, trabalham para caramba. Muitos passam anos sem tirar férias por conta das empresas que gerenciam os contratos;, diz.

Francisco Targino trabalhava como porteiro na UnB e foi demitido

A reitora defende que a gestão tem focado mais em economizar e buscar formas de aumentar as verbas, antes de fazer cortes. ;Nossa principal atuação é no sentido de fazer crescer a receita ; estamos trabalhando para reocupar todos os imóveis e garagens que geram aluguel. Também buscamos reduzir contas de água e luz. Todo o mato cortado aqui vira adubo", enumera.

Estagiários

A apresentação pública sobre o orçamento, aberta à comunidade, ocorreu no auditório verde da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Gestão de Políticas Públicas (Face). A gestão presta esclarecimentos após gerar polêmica, ao cortar terceirizados e estabelecer mudanças nos contratos de estagiários (que devem passar a ser geridos por cada unidade específica e não mais pela administração central da universidade), o que gerou manifestações. Denise Imbroisi comentou a questão dos contratos de estágio. "Tem um recurso que a universidade passa para cada unidade acadêmica, que poderá manter seus estagiários, desde que tenha condição e disponibilidade orçamentária para isso", explica. "A UnB também garante a manutenção integral do subsídio para custear bolsas de estudantes em situação de vulnerabilidade", afirma.

Outro gráfico mostra que, enquanto as despesas aumentaram, os recursos só caíram

Outros prejuízos

;Quando temos uma redução de orçamento que o governo passa para a universidade desse montante, é impossível não ter prejuízo. A universidade está sendo muito prejudicada. Mesmo assim, ela tem que tentar sobreviver da melhor forma possível. Vai ter prejuízo para limpeza, para funcionamento de todos os setores. Por isso, temos tentado conscientizar a sociedade e os congressistas para aumentar os recursos destinados às universidades públicas;, comenta a reitora Márcia Abrahão Moura. Outro grupo que deve sair prejudicado é o de alunos pobres. ;Cada vez temos mais estudantes com vulnerabilidade socioeconômica e não temos recurso para atender todos. Estamos pleiteando junto ao governo o aumento dos recursos da assistência estudantil, sem sucesso até o momento;, informa.

Fale, reitora!

Márcia Abrahão Moura culpa a criação de um teto orçamentário, a partir da Emenda Constitucional n; 95/2016, pelo problema orçamentário. ;A emenda do teto fez com que o bolo de recursos permanecesse o mesmo para as despesas discricionários, mas nós ainda estamos sob efeito da expansão. Mesmo assim nada disso é levado em consideração na hora de receber recursos do governo federal, mais especificamente do MEC (Ministério da Educação);, queixa-se. Obras inacabadas e outras que ainda precisam ser construídas nos diversos câmpus são alguns dos efeitos dessa expansão sem verba suficiente.


A reitora Márcia Abrahão Moura


;A universidade precisa crescer e consolidar a expansão, mas sem recursos, o futuro da nossa juventude está sendo comprometido.; O problema orçamentário também se deve ao fato, na visão da reitora, de que a previsão de recurso não significa, de fato, dinheiro na conta. ;O orçamento aprovado não é necessariamente disponível. Ele pode ser liberado até aquela quantia, mas, em geral, tem sido liberado 60% do montante;, aponta. "De um valor de R$ 8 milhões para investimento, no fim das contas, devem chegar menos de R$ 5 milhões até o fim do ano."

Segundo a gestora, representantes da UnB foram diversas vezes ao Ministério da Educação procurar soluções para o problema entre 2017 e 2018, sempre recebendo retorno negativo. ;Estamos indo solicitar o que é direito da universidade. Nas visitas ao MEC, sensibilizados todos dizem que estão, mas infelizmente não tem mudança em relação ao tratamento para com a Universidade de Brasília. A resposta é sempre ;vamos tentar;, mas nada é feito;, diz. ;No ano passado, para não dizer que não conseguimos nada, no fim de dezembro, conseguimos R$ 3 milhões para pagar contas de luz e água e contrato de limpeza.;


Márcia acredita que as sistemáticas negativas têm a ver com o objetivo de sucatear e diminuir a força das instituições de ensino superior mantidas pelo governo. ;A pergunta é: a quem interessa enfraquecer a universidade pública? Estamos passando por essa situação porque existe um projeto que, está explícito para mim, de enfraquecimento das universidades federais;, declarou. Frente às dificuldades, a reitora quer unir a comunidade acadêmica para contornar a questão.

;A UnB tem que resistir mais uma vez. É importante que todos conheçam a história de resistência dessa instituição, que, no fim da década de 1960, ficou quase sem todos os professores por causa da ditadura. A UnB passou por muitas crises e estamos diante de mais um desafio de resistência!”

Opinião de alunos

Yara Martinelli, 19 anos, aluna do segundo semestre de relações internacionais

Estudantes presentes em apresentação pública sobre a situação financeira da instituição se queixam da demissão de terceirizados e temem que haja mais desligamentos, inclusive de estagiários. Decana de Planejamento chama a atenção para a importância de conter gastos, caso contrário, a instituição pode parar de funcionar

"O inimigo real a ser combatido são os cortes feitos pelo MEC a todas as universidades do Brasil, não só à UnB, que representam uma falta de responsabilidade de um governo federal ilegítimo e corrupto que não cumpre algo garantido na Constituição: educação pública de qualidade para todas as pessoas. É uma ausência que tem motivo: por trás desses cortes, existe uma intenção de privatização das universidades porque é mais lucrativo para o mercado. A culpa por trás dos cortes e de tudo isso que está acontecendo é do governo. A Reitoria, ao receber esses cortes, que são reais, tem a possibilidade de fazer uma gestão estratégica, direcionando-os para onde achar melhor. Infelizmente, tem apontado isso para o trabalhador terceirizado que, mesmo depois de trabalhar 20 anos, acordar 4h da manhã todo dia, se é demitido hoje, amanhã não tem mais nada, não tem garantia, porque não tem vínculo com a UnB. É muito mais fácil cortar um terceirizado do que um servidor, que tem direitos garantidos. O peso dos cortes acaba afetando as camadas subalternas. E a universidade lava suas mãos, não vê as vidas, vê os números. Minha opinião é que os cortes deveriam ser direcionados para material de limpeza (daria para economizar produzindo na própria instituição), por exemplo. Também é possível economizar fazendo uma gestão sustentável: consertando vazamentos de água (que aumentam as contas de água), apostando no uso de energia solar, reduzindo o gasto de energia elétrica. A gestão está tomando atitudes erradas, mas é preciso lembrar que os inimigos são o MEC e o governo federal."

Gabriel de Araújo, 21 anos, aluno do 7; semestre de direito

Estudantes presentes em apresentação pública sobre a situação financeira da instituição se queixam da demissão de terceirizados e temem que haja mais desligamentos, inclusive de estagiários. Decana de Planejamento chama a atenção para a importância de conter gastos, caso contrário, a instituição pode parar de funcionar
"Em momento de crise, uma das primeiras partes a ser afetada é a base, ou seja, os terceirizados da limpeza, da segurança e de outros setores. Com as demissões que ocorreram, a universidade foi bastante impactada. Na minha faculdade, por exemplo, a ocorrência de furtos é muito grande ; ainda mais com o número de funcionários da segurança sendo tão reduzido. Na limpeza, 150 tem de fazer o trabalho de 400. A maior parte dessas demissões foi de pessoas negras, porque a gente sabe que quem compõe essa camada de base são os negros. Eu sou da assistência estudantil, tenho acesso a alguns recursos dentro da universidade e sei que somos um elo muito fraco aqui, que a qualquer momento pode ser quebrado e ficar à mercê... Estão discutindo a possibilidade de aumento de mais de 100% no preço do RU (Restaurante Universitário), que hoje é R$ 2,50 e pode se tornar R$ 6,50, por cada refeição. Seria uma mudança muito brusca e nós sentiremos isso de forma direta se realmente virar realidade."

Mobilização

Na terça-feira (3), o Sintfub fará uma assembleia às 9h para discutir o que fazer frente ao crescente número de demissões. Estudantes e membros do Sintfub estão organizando um ato em 10 de abril; na ocasião, integrantes da mobilização marcharão da UnB até o MEC e, depois, até o Congresso Nacional. Um grupo de alunos e de funcionários terceirizados se uniu para formar um movimento contra demissões ; saiba mais na página deles no Facebook. O movimento se queixão não só de desligamentos, mas do fato de que, em caso de paralisações, muitas vezes, os funcionários sofrem sanções, como corte de ponto e até demissão. Alunos que ocuparam a Reitoria da UnB anteriormente também sofreram ameaças de processos administrativos e judiciais, motivo pelo qual os representantes do grupo não se deixam identificar em reportagens.

*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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