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Com nota do Enem, cresce número de brasileiros que vão estudar em Portugal

No ano letivo de 2016/2017, último dado disponível, foram 4.901 ingressantes brasileiros em instituições de ensino superior portuguesas para licenciaturas ou mestrados integrados

Agência Estado
postado em 10/05/2018 13:47
29 instituições portuguesas consideram a nota do Enem em pelo menos parte do processo seletivo
Quando pôs os pés em Portugal, Ludmilla Blaschikoff, de 26 anos, tropeçou na língua. Mas não demorou para que a jovem, de Manaus, se acostumasse ao chiado do sotaque lusitano. Quatro anos após cruzar o Atlântico, a estudante, uma das primeiras brasileiras a entrar em um curso superior no país com a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), comemora o fim da graduação em Biologia e já engatou um mestrado.

Ludmilla viu os corredores da Universidade de Coimbra, onde fez a licenciatura, se encherem de conterrâneos. "No início, os portugueses tinham mais curiosidade de conversar comigo porque não era comum ter brasileiros na universidade. No último ano, já não via muito esse interesse."

A percepção da jovem pode ser traduzida em estatísticas. Em três anos, o total de brasileiros em graduações em Portugal cresceu 31%, segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, órgão do governo português. No ano letivo de 2016/2017, último dado disponível, foram 4.901 ingressantes brasileiros em instituições de ensino superior portuguesas para licenciaturas (como são chamadas os bacharelados) ou mestrados integrados (cursos de 5 anos, como os de Engenharia e Arquitetura).

A quantidade só não é maior do que a registrada no ano letivo de 2012/2013, quando o Brasil ainda não vivia crise econômica e exportava centenas de universitários ao país pelo Ciência sem Fronteiras, programa de intercâmbios do governo federal. Em 2013, Portugal foi excluído do programa, o que fez com que o número caísse (veja mais acima). Hoje, brasileiros são maioria entre os estrangeiros em Portugal - mais até do que os vizinhos espanhóis.

A facilidade de ingresso - com a nota do Enem - ajuda a explicar o fenômeno. Em 2014, um decreto português passou a regulamentar a entrada de estrangeiros para cursos completos de graduação no país. E, depois disso, o Brasil fez parcerias com universidades de Portugal para que o desempenho no exame seja usado como critério de seleção.

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), 29 instituições portuguesas consideram a nota do Enem em pelo menos parte do processo seletivo - algumas também adotam entrevista ou testes específicos - e outras nove pleiteiam o acordo. Desde 2014, mais de 1,8 mil usaram o Enem para ingressaram no ensino superior português.

A tradicional Universidade de Coimbra é a portuguesa com mais brasileiros. Joaquim Ramos de Carvalho, vice-reitor para relações internacionais, diz que a presença de estrangeiros enriquece a vivência universitária. "É estratégico ter uma população estudantil internacional residente. (Quem estudou na) universidade nos últimos quatro anos teve oportunidade de encontrar estudantes de 126 países, 9% deles brasileiros."

Oportunidade

Aluno do 3.; ano do Colégio Etapa, na zona sul de São Paulo, Lucca Pagnan, de 17 anos, quer estudar Engenharia no exterior e coloca Portugal no topo da lista de preferências. "Lá, consigo usar uma prova de fácil acesso, que é o Enem, para ter qualidade de vida e de ensino." Antes mesmo de fazer o exame, ele estuda os sites das instituições e participa de feiras organizadas pelo colégio. "Quero entrar na Universidade do Porto", conta.

O idioma, a menor duração dos cursos - alguns levam só três anos - e a porta de entrada para o mercado de trabalho na Europa também motivam brasileiros a migrar. E, apesar de haver cobrança de anuidades mesmo nas universidades públicas em Portugal, o curso pode sair mais em conta do que uma faculdade particular brasileira.

Um ano de Engenharia no Brasil, por exemplo, custa, em média, R$ 13,3 mil, segundo o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior de São Paulo. Em faculdades de ponta, o valor sobe para R$ 30 mil. Já na Universidade do Porto (U. Porto), onde Lucca quer estudar, a anuidade é de 3 mil euros (R$ 12,7 mil). A U. Porto oferece 50% de desconto para brasileiros, mas há instituições que cobram até o triplo para quem não é da União Europeia. Ter cidadania de um país do bloco dá direito a valores mais baixos.

Elogios e ;panelas;

Habituada às greves na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a estudante Brenda Brito, de 25 anos, tinha pelo menos uma certeza quando começou a cursar Comunicação na Universidade do Algarve (UAlg), no sul de Portugal, em 2016: a de que o curso terminaria no tempo certo. Brenda voltou a fazer o Enem após desistir da graduação em Arquitetura na UFPB e, com a nota, conseguiu uma vaga na instituição portuguesa.

"Em estrutura, a universidade é muito boa. Tem restaurante universitário, cadeiras em dia." Mas Brenda vê diferenças na metodologia das aulas - com menos debates - e dificuldade de integração entre brasileiros e portugueses. "Fazemos trabalhos de grupos com brasileiros. Os portugueses são fechados", diz.

Fillipe Maya, de 19 anos, estudante do 1.; ano de Bioengenharia na Universidade do Porto, no norte do país, tem percepção parecida. Na turma de 80 alunos, é um dos cinco brasileiros e se relaciona mais com os conterrâneos e estrangeiros não portugueses.

Também sente o distanciamento na relação entre professores e alunos. No início do curso, estranhou a cobrança de cálculo, que não aprendeu no ensino médio. "Ofereceram curso de nivelamento nas primeiras semanas para conseguirmos acompanhar", lembra.

Apesar dos desafios, o estudante, do Tocantins, elogia a universidade e destaca a segurança na cidade. Embora tivesse nota suficiente para cursar Engenharia de Petróleo na Universidade Federal Fluminense (UFF), ele escolheu a experiência internacional e não se arrepende. "Minha mãe até falou: ;Mesmo mais longe, fico mais tranquila que você esteja em Portugal do que no Rio."

Reitor da UAlg, o professor Paulo Águas destaca a oportunidade de contato multicultural na instituição. "Todos os anos, a UAlg organiza uma semana de acolhimento para os estudantes internacionais."

Vice-reitora da Universidade do Porto para as Relações Externas e Cultura, Fátima Marinho define os estudantes brasileiros como empenhados e diz que a instituição "tenta integrá-los, fazendo-os sentir em casa."

Critérios

A escolha de uma universidade no exterior deve ser precedida de muita pesquisa. É o que defende Andrea Tissenbaum, especialista em educação internacional e autora do Blog da Tissen, no site do jornal O Estado de S. Paulo. "(Os alunos) têm de entender quem está dando aula no lugar para onde querem ir e o que esse lugar traz de inovação."

Para ela, Portugal tem áreas fortes como Direito, Engenharia, Arquitetura, Economia, Business, Literatura e Sociologia. E outras nem tanto, como Design, Publicidade e Propaganda e Marketing. "Não é por ser estrangeiro que é melhor do que o nosso. Temos excelentes graduações no Brasil." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.Portugal atrai 31% mais alunos do Brasil
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Por Júlia Marques
Quando pôs os pés em Portugal, Ludmilla Blaschikoff, de 26 anos, tropeçou na língua. Mas não demorou para que a jovem, de Manaus, se acostumasse ao chiado do sotaque lusitano. Quatro anos após cruzar o Atlântico, a estudante, uma das primeiras brasileiras a entrar em um curso superior no país com a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), comemora o fim da graduação em Biologia e já engatou um mestrado.

Ludmilla viu os corredores da Universidade de Coimbra, onde fez a licenciatura, se encherem de conterrâneos. "No início, os portugueses tinham mais curiosidade de conversar comigo porque não era comum ter brasileiros na universidade. No último ano, já não via muito esse interesse."

A percepção da jovem pode ser traduzida em estatísticas. Em três anos, o total de brasileiros em graduações em Portugal cresceu 31%, segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, órgão do governo português. No ano letivo de 2016/2017, último dado disponível, foram 4.901 ingressantes brasileiros em instituições de ensino superior portuguesas para licenciaturas (como são chamadas os bacharelados) ou mestrados integrados (cursos de 5 anos, como os de Engenharia e Arquitetura).

A quantidade só não é maior do que a registrada no ano letivo de 2012/2013, quando o Brasil ainda não vivia crise econômica e exportava centenas de universitários ao país pelo Ciência sem Fronteiras, programa de intercâmbios do governo federal. Em 2013, Portugal foi excluído do programa, o que fez com que o número caísse (veja mais acima). Hoje, brasileiros são maioria entre os estrangeiros em Portugal - mais até do que os vizinhos espanhóis.

A facilidade de ingresso - com a nota do Enem - ajuda a explicar o fenômeno. Em 2014, um decreto português passou a regulamentar a entrada de estrangeiros para cursos completos de graduação no país. E, depois disso, o Brasil fez parcerias com universidades de Portugal para que o desempenho no exame seja usado como critério de seleção.

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), 29 instituições portuguesas consideram a nota do Enem em pelo menos parte do processo seletivo - algumas também adotam entrevista ou testes específicos - e outras nove pleiteiam o acordo. Desde 2014, mais de 1,8 mil usaram o Enem para ingressaram no ensino superior português.

A tradicional Universidade de Coimbra é a portuguesa com mais brasileiros. Joaquim Ramos de Carvalho, vice-reitor para relações internacionais, diz que a presença de estrangeiros enriquece a vivência universitária. "É estratégico ter uma população estudantil internacional residente. (Quem estudou na) universidade nos últimos quatro anos teve oportunidade de encontrar estudantes de 126 países, 9% deles brasileiros."

Oportunidade

Aluno do 3.; ano do Colégio Etapa, na zona sul de São Paulo, Lucca Pagnan, de 17 anos, quer estudar Engenharia no exterior e coloca Portugal no topo da lista de preferências. "Lá, consigo usar uma prova de fácil acesso, que é o Enem, para ter qualidade de vida e de ensino." Antes mesmo de fazer o exame, ele estuda os sites das instituições e participa de feiras organizadas pelo colégio. "Quero entrar na Universidade do Porto", conta.

O idioma, a menor duração dos cursos - alguns levam só três anos - e a porta de entrada para o mercado de trabalho na Europa também motivam brasileiros a migrar. E, apesar de haver cobrança de anuidades mesmo nas universidades públicas em Portugal, o curso pode sair mais em conta do que uma faculdade particular brasileira.

Um ano de Engenharia no Brasil, por exemplo, custa, em média, R$ 13,3 mil, segundo o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior de São Paulo. Em faculdades de ponta, o valor sobe para R$ 30 mil. Já na Universidade do Porto (U. Porto), onde Lucca quer estudar, a anuidade é de 3 mil euros (R$ 12,7 mil). A U. Porto oferece 50% de desconto para brasileiros, mas há instituições que cobram até o triplo para quem não é da União Europeia. Ter cidadania de um país do bloco dá direito a valores mais baixos.

Elogios e ;panelas;

Habituada às greves na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a estudante Brenda Brito, de 25 anos, tinha pelo menos uma certeza quando começou a cursar Comunicação na Universidade do Algarve (UAlg), no sul de Portugal, em 2016: a de que o curso terminaria no tempo certo. Brenda voltou a fazer o Enem após desistir da graduação em Arquitetura na UFPB e, com a nota, conseguiu uma vaga na instituição portuguesa.

"Em estrutura, a universidade é muito boa. Tem restaurante universitário, cadeiras em dia." Mas Brenda vê diferenças na metodologia das aulas - com menos debates - e dificuldade de integração entre brasileiros e portugueses. "Fazemos trabalhos de grupos com brasileiros. Os portugueses são fechados", diz.

Fillipe Maya, de 19 anos, estudante do 1.; ano de Bioengenharia na Universidade do Porto, no norte do país, tem percepção parecida. Na turma de 80 alunos, é um dos cinco brasileiros e se relaciona mais com os conterrâneos e estrangeiros não portugueses.

Também sente o distanciamento na relação entre professores e alunos. No início do curso, estranhou a cobrança de cálculo, que não aprendeu no ensino médio. "Ofereceram curso de nivelamento nas primeiras semanas para conseguirmos acompanhar", lembra.

Apesar dos desafios, o estudante, do Tocantins, elogia a universidade e destaca a segurança na cidade. Embora tivesse nota suficiente para cursar Engenharia de Petróleo na Universidade Federal Fluminense (UFF), ele escolheu a experiência internacional e não se arrepende. "Minha mãe até falou: ;Mesmo mais longe, fico mais tranquila que você esteja em Portugal do que no Rio."

Reitor da UAlg, o professor Paulo Águas destaca a oportunidade de contato multicultural na instituição. "Todos os anos, a UAlg organiza uma semana de acolhimento para os estudantes internacionais."

Vice-reitora da Universidade do Porto para as Relações Externas e Cultura, Fátima Marinho define os estudantes brasileiros como empenhados e diz que a instituição "tenta integrá-los, fazendo-os sentir em casa."

Critérios

A escolha de uma universidade no exterior deve ser precedida de muita pesquisa. É o que defende Andrea Tissenbaum, especialista em educação internacional e autora do Blog da Tissen, no site do jornal O Estado de S. Paulo. "(Os alunos) têm de entender quem está dando aula no lugar para onde querem ir e o que esse lugar traz de inovação."

Para ela, Portugal tem áreas fortes como Direito, Engenharia, Arquitetura, Economia, Business, Literatura e Sociologia. E outras nem tanto, como Design, Publicidade e Propaganda e Marketing. "Não é por ser estrangeiro que é melhor do que o nosso. Temos excelentes graduações no Brasil." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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