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UnB aposta em debates de ideias para combater discursos de intolerância

Além de combater o crescimento da polarização, a Universidade de Brasília precisa buscar caminhos para a sobrevivência.

Luiz Calcagno, Pedro Grigori - Especial para o Correio
postado em 20/05/2018 08:00
Os estudantes Rafael Carneiro, Naomi Luna e Lilianne Oliveira: impasse que não favorece a ninguém, por isso, a necessidade de conversa
O cenário de polarização política não é visto com bons olhos pelos estudantes da Universidade de Brasília (UnB) ouvidos na reportagem do Correio. Eles acreditam que a falta de diálogo traz prejuízos para a instituição. Rafael Carneiro, 21 anos, por exemplo, cursa serviço social e afirma que nenhum movimento, seja de direita, seja de esquerda, consegue, no momento, articular uma resposta à crise orçamentária. ;A esquerda propôs uma greve que não foi aceita por todos. E não há interesse em convencer quem não está com eles e acha que paralisação não é algo necessário. Aí fica uma coisa imposta. Quem quer assistir a aula, tem esse direito. Do outro lado, temos a direita, que não participa da greve, mas não mostra interesse em trazer outras soluções para o problema;, afirma.

Ana Luiza Sousa, 19, está no 3; semestre de biotecnologia e não escolheu um lado na disputa ideológica. Para ela, são os estudantes que acabam prejudicados por decisões intempestivas. Com família em São Paulo, teme pela distância prolongada com a greve. ;Quando falam em greve, penso que ficarei mais tempo longe dos meus pais. Nas férias, quando poderia voltar para casa, ficarei aqui, repondo aula. E é muito injusto, porque os movimentos chamam de fascistas e egoístas quem é contra a greve. Mas, diferentemente dos discursos prontos, eu não sou burguesa, minha família rala muito para bancar meus estudos em Brasília;, explica.

Para Naomi Luna, 18, os alunos podem ajudar a resolver as crises políticas e orçamentárias da universidade. ;Quando entrei na UnB, não entendia nada sobre política, mas estar inserida neste ambiente me fez perceber a importância de participar do debate. Não devemos esperar que a Reitoria resolva nossos problemas. É um caso que quem puder e souber o que fazer, deve ajudar. Seremos os maiores prejudicados se a situação piorar. Seja direita ou esquerda, todos vamos ficar sem aula se a universidade fechar as portas no meio do ano;, opina a estudante de letras.

Mobilização
O Diretório Central dos Estudantes (DCE) está em período de eleições. O Correio conversou com o coordenador geral da última gestão, Hélio Barreto, 22, que cursa história da arte e também faz parte do comando de greve. Para ele, o clima de hostilidade e de polarização é ;flutuante;. ;O acirramento da polarização política oscila o tempo todo. Se os centros acadêmicos não estão discutindo e atuando, a polarização ocupa esse vácuo. Mas se o movimento estudantil dialoga, responde os questionamentos, se mobiliza, fecha esse espaço. Apesar do comando de greve, temos reuniões do conselho de base com discussões todos os dias;, explica.

Ainda segundo Hélio, a solução para o acirramento é a atuação dos centros acadêmicos, que podem promover o debate e dar respostas aos mais radicais. ;A polarização é fabricada por uma situação tensa. Vivemos em uma universidade em que as pessoas não sabem se vão se formar. E essa polarização também acaba servindo de esconderijo para orientações políticas mal-intencionadas. Esse tipo de orientação existe à direita e à esquerda e aparece em momentos de tensão, de ;tudo ou nada;;, observa.

Reitor da UnB entre 2008 e 2012, José Geraldo de Sousa Junior, professor da Faculdade de Direito, defende que a solução para o momento atual que vive a instituição passa por um programa baseado em quatro pilares: ampliação da transparência dos atos da gestão; aumento dos espaços de discussão; criação de ambientes para o debate sobre fatores políticos externos que impactam a universidade; e potencialização do apoio aos movimentos culturais. ;É necessário trazer a divergência para a esfera pública, criar espaço para que seja enunciada e, por meio de debates, mediação e programas de apoio, transformar as diferenças em oportunidades de superação;, detalha.

O ex-reitor lembra que, durante sua gestão, lidou com oito ocupações. ;Tínhamos mesas permanentes de negociações para lidar com as questões internas e audiências públicas para discutir as agendas de estudantes;, conta. Para ele, as universidades têm por característica a circulação de diferenças e tensões. ;No momento, a situação está ainda mais complicada. O corte do orçamento cria um potencial maior de insatisfação, acentuado pelo momento político do país;, avalia.

Proposta da gestão
A atual reitoria, Márcia Abrahão, também aposta na promoção do diálogo como forma de apaziguar os ânimos. ;Como gestão da universidade, temos um papel educador. Desde que assumimos, fizemos várias ações para conscientizar a comunidade para sermos mais tolerantes. Criei o Conselho de Direitos Humanos, que está elaborando um plano de atuação da UnB tanto internamente quanto junto ao Governo do Distrito Federal. Também fizemos cursos para orientar os vigilantes sobre como abordar a comunidade respeitando a diversidade;, exemplifica a gestora.

O temor é que a instabilidade política do país aumente ainda mais. ;Se a situação se acirrar do lado de fora, isso virá para cá. Por isso, o Conselho de Direitos Humanos tem realizado debates. Desde que assumimos, temos feito várias ações do tipo, dentre elas, falando sobre a emenda constitucional que limita os gastos públicos. Na semana das mulheres, também promovemos conversas. E procuramos os diretores de institutos, para eles promoverem o diálogo com estudantes e abordarem a convivência pacífica dentro da instituição;, elenca a reitora.



Palavra de especialista

A mudança por meio do debate

A democracia é amiga da paz. Quando ela é fragilizada, temos uma situação que abre margem para discursos de ódio ganharem alguma saliência. A partir do momento em que ocorrem determinados eventos políticos, é como se o jogo político ficasse mais acirrado. Com isso, hoje, discutir política é um ato de guerra, pois as pessoas passaram a defender lados com unhas e dentes. E o macro reflete no micro. Percebemos que as conversas estão mais politizadas, desde o almoço de domingo até o diretório central dos estudantes.

Dentro de universidades, há um polo muito conservador para se fazer política. A educação superior está formatada para questões de natureza profissional, mas não deve ser assim. Precisamos de um celeiro de gente que pensa os problemas do país, e isso passa por uma dimensão política. Devido às cotas, o perfil do universitário mudou. Com um novo perfil socioeconômico e racial, os debates também passaram a se expandir. E isso ocorre em todas as universidades, não só em Brasília.

Antes de discutir, temos de ter consciência de que, se não houver uma transformação de mentalidade, teremos apenas debates políticos precários, insuficientes para trazer a transformação que o país precisa ter. A universidade é um lugar para pensar formas inovadoras de resolver os problemas da sociedade, e precisamos ter condições para isso. Mas precisamos reconhecer outras possibilidades de discutir política, além da atual, que é feita pensando no outro como um adversário político.

Lucas Cunha, doutorando em ciência política e membro do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)




Linha do tempo


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2016

Um ato político na Universidade de Brasília tomou contornos racistas e homofóbicos. Um grupo de cerca de 30 pessoas invadiu o Instituto Central de Ciências (ICC) com gritos contra uma greve de servidores, por volta das 21h de 19 de junho. Eles foram abordados pelos alunos da instituição, que pediam silêncio durante as aulas. As duas partes, então, começaram uma barulhenta discussão. Alguns manifestantes começaram a xingar os alunos de gays, pretos e vagabundos.


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2013

Em janeiro, na semana do retorno às aulas, alunos encontraram mensagens ofensivas pichadas nas paredes do Centro Acadêmico de Direito (Cadir). As frases escritas com tinta guache vermelha eram ;Ñ aos gays;, ;Quem gosta de dar, gosta de apanhar;. O reitor da UnB à época, Ivan Camargo, afirmou que não seriam poupados esforços para localizar e punir os autores das pichações. Não foram encontrados culpados pela ação.

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2012

Professores, alunos e servidores da UnB viveram o medo de um atentado. Marcelo Valle, 26 anos, e Emerson Rodrigues, 32, ameaçaram promover um massacre contra os estudantes de ciências sociais. Em 22 de março daquele ano, a Polícia Federal deflagrou a Operação Intolerância, que colocou na cadeia dois suspeitos de planejar a ação. Estudantes protestaram (foto).

1968

Durante o regime militar, os alunos protestavam contra a morte do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto, assassinado por policiais militares no Rio de Janeiro. Agentes das polícias Militar, Civil, Política (Dops) e do Exército invadiram a UnB e detiveram mais de 500 pessoas, entre elas, Honestino Guimarães, desaparecido há mais de 45 anos. O estudante Waldemar Alves foi baleado na cabeça e passou vários meses internado em estado grave.

Colaborou Ana Viriato.

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