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Candidato de Ceilândia tira nota máxima em ciências humanas no Enem 2018

Em todo o país, apenas 15 pessoas obtiveram a proficiência máxima no caderno de Ciências Humanas do Enem 2018. Um deles foi o ceilandense George Caetano, que agora vai buscar uma vaga para cursar medicina na UnB

Mariana Machado
postado em 25/01/2019 06:00
George conta que o incentivo da mãe, Zulma Neris, foi fundamental durante os dois anos de estudo
Acordar todos os dias às 6h, pegar ônibus cheio e estudar até as 21h. Abdicar de encontros com os amigos e vida social. Passar horas debruçado sobre os livros. Por dois anos, essa foi a rotina de George Caetano, de 26, que se preparava para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O esforço valeu a pena. Ele é uma das 15 pessoas em todo o país a obter a proficiência máxima no caderno de Ciências Humanas e suas Tecnologias. A média nacional foi de 569,2. Diferentemente da nota da redação, cuja máxima é sempre de mil pontos, os cadernos de questões, por trazer perguntas de múltipla escolha e respostas dissertativas, têm máxima variável, a depender do desempenho dos estudantes. George tirou 850,4.

Nascido e criado em Ceilândia, George já é formado pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) em pedagogia desde 2017. Contudo, insatisfeito com o mercado de trabalho na área, veio a vontade de se tornar médico. Com os resultados obtidos, a expectativa é de que ele alcance uma das primeiras colocações em medicina na UnB. Até ontem, era o primeiro colocado na seleção. ;Optei por um desafio maior, além de ser um sonho, claro. Estudei a vida inteira em escola pública e a gente sempre escuta que não vai dar conta. Eu já era a primeira pessoa da família a ter uma graduação de ensino superior. Agora, também vou ser o primeiro médico;, comemora.

Morador do setor P Norte, ele conta que, além da família, os vizinhos celebraram a conquista. ;Aqui em Ceilândia não tem só marginal. Ao contrário, tem muita gente guerreira, que acorda cedo para trabalhar, e acho legal ver essas narrativas dentro da universidade pública, lugar onde deveria haver mais gente da periferia;, avalia. ;Raramente se vê diversidade entre quem estuda medicina. Espero que, agora, eu consiga colorir um pouco mais essa realidade.;

Os estudos precisaram ser balanceados com o trabalho de professor particular. George dá aulas de reforço para estudantes do ensino fundamental, mas, por alguns meses, precisou abrir mão da renda para ter tempo de se concentrar nas apostilas. Agora, o ceilandense já doou os materiais e se prepara para a próxima etapa. As inscrições para o Sisu foram prorrogadas e seguem abertas até domingo e ele nem cogita estudar em outra federal. ;A qualidade do ensino lá é ímpar. A UnB é uma paixão para mim.;

Apoio em casa

Na casa de paredes laranjas onde mora, George tem a companhia da mãe, Zulma Neris, 48; da irmã caçula, Geovana Caetano, 14; e do cachorro, o carinhoso Tufo. Ele lembra que muitas vezes cogitou desistir do sonho, mas o apoio incondicional da matriarca a ajudou a manter o foco. Ela lembra que o filho passava horas e horas mergulhado nos livros. ;Esquecia até de comer. Ele falava que fazia fotossíntese;, ri Zulma, que acabava levando os lanchinhos para o estudante.

Agora, ela está cheia de orgulho, mas sabe que o suporte ainda está longe de terminar. Serão pelo menos seis anos até a graduação, além da residência que pode chegar a três anos. O estudante pensa em se especializar como infectologista. ;Sei que ele nem sempre vai ter tempo para resolver problemas, mas eu vou ajudar como puder;, garante a mãe coruja.

Emocionado, ele admite que, sem o apoio da família, não teria conseguido. ;São a minha base e devo tudo a eles, principalmente à minha mãe. Ela foi o principal incentivo;, elogia. George conta que a irmã, que atualmente cursa o 9; ano no ensino fundamental, também fala em se tornar médica. ;Já contagiei todo mundo;, comenta o rapaz.

Foco nas fraquezas

Filho de costureira e um marceneiro, George sempre foi aluno de baixa renda, mas nunca deixou que isso impedisse a busca pelo conhecimento. O caderno de ciências humanas não foi o único em que ele se saiu bem. Em Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, fez 779,7 pontos. O máximo no país foi de 816,9. Já em Ciências da Natureza, conseguiu 809,1, que registrou máxima de 869,6 no Brasil. A nota no caderno de Matemáticas foi uma surpresa. Ele somou 955,9 pontos, enquanto a máxima foi de 996,1. Esta é a área em que ele tinha mais dificuldades. Por isso, dedicou-se bastante aos cálculos. Os 700 pontos obtidos na redação foram outra alegria. ;Minha caneta estourou, então eu sequer consegui terminar meu texto. Conseguir essa nota é algo incrível;, celebrou George.

Esforçado, ele conseguiu uma bolsa de estudos integral pelo cursinho pré-vestibular Reciclagem Educacional, localizado na Asa Sul. ;Eles ajudam muito alunos de baixa renda. Às vezes, eu não tinha dinheiro nem para a passagem, mas eles davam uma força;, agradece George, que agora quer dar aulas como professor voluntário para outros estudantes da periferia.

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