Patrícia Nadir - Especial para o Correio
postado em 16/03/2019 07:00
Relatos contam que em 1962, em um galpão de madeira, Oscar Niemeyer desenhava a Universidade de Brasília dos seus sonhos. O mestre dos principais monumentos da capital federal não gostava de lembrar da época em que foi professor da UnB, nos anos 1960. Talvez pela forma como a estadia dele pelo câmpus terminou. Em 1965, em um ato contra o regime militar, ao lado de 222 docentes, ele pediu demissão.
Hoje, o Centro de Planejamento Oscar Niemeyer (Ceplan), instalado na instituição, guarda dezenas de croquis do mestre. Em sua maioria, nunca chegaram a ser concretizados. ;Depois que ele foi embora, muitos trabalhos idealizados se perderam, infelizmente. Inúmeras coisas que nunca teremos noção;, constata Cláudio Arantes, arquiteto do Ceplan.
O centro é responsável pelo planejamento físico e ambiental de todos os câmpus da UnB. Localizado no Pavilhão de Serviços Gerais 10, o próprio edifício foi projetado por Niemeyer. ;É uma construção com a marca do arquiteto, com espaços inteligentes que se articulam;, aponta Arantes. O local é aberto para visitação, mas os desenhos ficam guardados em mapotecas ; armários onde os materiais são catalogados, guardados e preservados.
Já as paredes do Ceplan são agraciadas com esboços de algumas obras-primas do arquiteto. O desenho da Praça Maior, por exemplo, é um dos projetos que estão expostos no prédio. Os traços do croqui mostram o que, na cabeça do mestre, seria a essência da universidade. A ideia consistia em quatro prédios fundamentais: Biblioteca Central, Reitoria, Museu da Civilização Brasileira e Aula Magna ; um anfiteatro para congressos, seminários e aulas temáticas.
;Niemeyer tinha o que chamávamos de mão livre, que significa desenhar como a mão antes de pegar o grafite. Era de uma generalidade imensurável, cada lugar onde imaginava cada coisa era específico;, aponta Cláudio Queiroz, amigo do arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Ele trabalhou como assistente de Niemeyer na Argélia por nove anos, de 1973 a 1984.
Outro projeto que também está exposto em paredes contíguas ao jardim do Ceplan é a ideia inicial de um dos principais prédios acadêmicos da UnB, o Instituto Central de Ciências (ICC), popularmente conhecido como Minhocão. Considerado a espinha dorsal do câmpus, o ICC tem 120 mil metros quadrados de área e 720 metros de extensão. ;É fruto de uma concepção audaciosa e, apesar de suas dimensões imensas, surpreende pela discrição de sua presença na paisagem. Ainda hoje não está totalmente acabado, se considerarmos o que o Niemeyer imaginou;, esclarece o amigo Cláudio Queiroz.
Na parede em frente a um dos acessos, há outro desenho de autoria de Niemeyer, uma pomba com os dizeres: paz, paix, peace, mir, pax, frieden. Apesar de serem traços muito iniciais dos projetos, os desenhos expostos no Ceplan instigam servidores e alunos. Bruno Lopes Vasconcelos, 22, decidiu cursar arquitetura depois de uma visita escolar ao centro. ;Lembro que não entendi muito o que representavam na época, mas não conseguia parar de olhar. São desenhos de obras de um gênio;, comenta o morador de Taguatinga, que cursa o quinto período do curso na UnB.
Legado
;O Oscar era uma máquina de fazer projetos. Tinha uma imaginação que pouquíssimos têm a sorte de ter;, comenta o professor José Carlos Coutinho, docente aposentado da FAU. No Ceplan, há um auditório numa área semienterrada que conta com uma parede com o croqui da Praça dos Três Poderes. Coutinho lembra de um episódio, ocorrido em 1974, em que Lucio Costa foi palestrar no local na primeira vez que voltou a Brasília depois da inauguração da capital federal. ;Lembro que tinha um jovem na plateia que fez alguma crítica a capital e o Costa rebateu. Depois, o estudante comentou algo do tipo: ;É difícil falar da obra com o criador vivo;. Daí, tomado com uma espiritualidade invejável, ele respondeu: ;Não por muito tempo;. Ele já tinha mais de 70 anos na época. O auditório todo explodiu em risadas depois disso;, relembra.
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À época em que surgiu, em 1962, o Ceplan era o Centro de Estudos e Planejamento Arquitetônico e Urbanístico. Depois, em 1979, virou Laboratório Experimental de Arquitetura e Urbanismo (LEAU), vinculado ao Instituto de Arquitetura e Urbanismo. As atividades, porém, permaneceram basicamente as mesmas. No ano de 1986, é retomada a sigla Ceplan, com a denominação de Centro de Planejamento Oscar Niemeyer.
Maria Eduarda Pereira, 24, é uma das estudantes de arquitetura admiradoras dos desenhos expostos nas paredes do prédio. Ela ingressou na universidade há três anos e, sempre que sobra um tempinho, gosta de contemplar os croquis expostos. ;É estimulante passar por um espaço que tem tanto do Oscar Niemeyer. Ao lado de outras mentes fomentáveis, nasceu a nossa universidade. É uma pena mesmo muitos projetos não terem se concretizado;, constata.
Visite
Interessados em realizar uma visita ao Ceplan para conferir os projetos idealizados pelo arquiteto e que estão expostos nas paredes precisam agendar uma visita com antecedência. O local fica aberto das 7h30 às 19h30. Telefone: (61) 3107-1118.
"Arquitetura não constitui uma simples questão de engenharia, mas uma manifestação do espírito, da imaginação e da poesia;
Oscar Niemeyer, arquiteto
"Pena que a mediocridade e a inveja tenham privado Brasília da maior parte do que Oscar projetou para a universidade. Penso, principalmente, na Praça Maior, que hoje poderia estar atraindo tanta atenção quanto a Praça dos Três Poderes;
Darcy Ribeiro, antropólogo e primeiro reitor da UnB