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USP pede esclarecimento sobre ação policial no câmpus

Megaoperação contra pedofilia prende um estudante da instituição

Eu, Estudante
postado em 29/03/2019 16:51
O reitor da Universidade de São Paulo (USP), Vahan Agopyan, enviou ofício ao secretário de Segurança Pública de São Paulo, general João Camilo Pires de Campos, pedindo esclarecimentos sobre ação policial na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFLCH) da USP. Para a instituição, a ação foi desproporcional.

A megaoperação contra pedofilia foi deflagrada nesta quinta-feira (28), em todo o país, e prendeu 141 suspeitos. Um deles é estudante da instituição que teria sido retirado sob forte esquema de segurança de sala de aula.

Essa foi a quarta fase da Operação Luz na Infância que teve presos em 23 estados e no DF. A maior parte das prisões ocorreu no estado de São Paulo, onde foram detidos 61 investigados.
Policiais e carro da policia

No ofício, o reitor afirma que em momento algum, durante a operação, foi apresentado mandado de prisão ou de busca e apreensão de materiais ou equipamentos nem foi informado de que estariam em busca de um suspeito.
A direção da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas também emitiu nota em protesto à forma como se deu a ação policial.

;Por que o aluno não foi preso na sua residência, como seria típico de um flagrante? Para que interromper aulas com armas à vista na Universidade de São Paulo? Para que mobilizar duas dezenas de policiais uniformizados e com uso de metralhadora para prender um acusado de pedofilia nos prédios da USP?;, afirma a nota. ;O mais do que necessário combate à criminalidade não pode justificar a agressão às instituições universitárias;, completa.

Veja o ofício e a nota completa:


São Paulo, 28 de março de 2019

Senhor secretário

Venho por meio deste, solicitar a intervenção de Vossa Excelência, no sentido de obter esclarecimentos cabais sobre fatos, que reputo gravíssimos, ocorridos na manhã de hoje (ontem) nas dependências da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas desta Universidade, Câmpus do Butantã.

Um contingente de policiais civis, armados, sem autorização da autoridade universitária competente, realizou diligência que culminou com a condução coercitiva de aluno do Curso de Ciências Sociais, retirado de sala de aula, diante de seus colegas e da Professora, e, posteriormente, conduzido a Delegacia de Polícia para prestar depoimento.
Antes de mais nada, faço questão de enfatizar que a Universidade de São Paulo, enquanto Instituição de Ensino, Pesquisa e Extensão de renome internacional, jamais compactuou com atos de violência ou com práticas delituosas de qualquer espécie, sendo bastante conhecido o seu Núcleo de Estudos da Violência ; NEV, que tanto tem contribuído para a compreensão das causas da criminalidade, bem como para a adoção de medidas efetivas de combate ao crime e de apoio às vítimas. O crime de pedofilia, que foi apresentado como motivação da ação policial, merece toda a repulsa da USP e é estudado pelo NEV e vários outros núcleos na busca de caminhos para combatê-lo.
Entretanto, o combate ao crime, como sabe Vossa Excelência, deve ser feito com a estrita observância das prescrições constitucionais e legais, o que inclui o respeito à autonomia universitária e seus consectários, como é o caso da polícia administrativa da competência das autoridades acadêmicas.
No caso em questão, os policiais envolvidos, identificados como Investigadores/Delegados da Polícia Civil de São Paulo, embora tenham se dirigido ao Vice-Diretor da Unidade em busca de informações, não apresentaram em momento algum mandado judicial (de prisão) ou mesmo da autoridade policial competente (busca e apreensão de materiais ou equipamentos) nem tampouco informaram estar em busca de suposto praticante de crime, em estado de flagrância.
Como alegaram estar no encalço de aluno da USP, suspeito da prática do gravíssimo crime de pedofilia, tipificado no Estatuto da Criança e do Adolescente ; ECA, tendo mencionado que a apuração dos fatos demandaria a realização de perícia em equipamentos de informática, inclusive no computador utilizado pelo aluno na USP, a presunção é a de que não havia flagrante delitivo.
De outra parte, a suposição é a de que tampouco havia mandado de prisão, expedido por autoridade judiciária, pois seria obrigatória a apresentação desse documento ao vice-diretor da FFLCH ou, pelo menos, à autoridade diretamente responsável pelo acesso de terceiros à sala de aula, que é o (a) professor (a).
Mesmo que houvesse tal mandado, teria o seu cumprimento no interior de prédio público que se sujeitar ao poder de polícia da autoridade administrativa competente, no caso o vice-diretor da unidade ou, em relação ao ingresso em sala de aula, ao professor ministrante, ajustando-se os termos do cumprimento da ordem judicial.
No Câmpus do Butantã funciona, vale mencionar, a Superintendência de Prevenção e Proteção Universitária, que, corriqueiramente, atua em apoio à Polícia de São Paulo em situações de práticas delituosas no âmbito da Cidade Universitária.
A sala de aula, no ambiente acadêmico, é o santuário da liberdade de expressão do pensamento, razão pela qual os fatos ora narrados revestem-se de gravidade ímpar, dada a simbologia envolvida.
Tenho a absoluta convicção de que vossa excelência não transige com os postulados do Estado de direito e que, portanto, tomará todas as medidas necessárias para o esclarecimento da ocorrência, dando ciência a esta Reitoria das providências adotadas.
Ao ensejo, apresento protestos de elevada consideração e distinto apreço.
Atenciosamente,
VAHAN AGOPYAN
Reitor da Universidade de São Paulo
Ao Excentíssimo Senhor
General João Camilo Pires de Campos.
DD. Secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo.


Nota da Diretoria da FFLCH/USP

Na manhã desta quinta-feira, 28 de março, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP foi surpreendida por uma ação policial nos prédios de Administração, Letras e Filosofia e Ciências Sociais. Policiais Civis uniformizados e fortemente armados entraram em salas de aula para buscar um aluno acusado de crime potencialmente grave que choca a comunidade. O estudante foi levado para uma delegacia onde responde a acusações.
Esta faculdade é inteiramente a favor do combate a crimes que violam os mais básicos direitos e atingem a humanidade em seu cerne. Temos uma longa tradição de estudos e ações com vistas a combater quaisquer tipos de violência.
Sem entrar no mérito das acusações, que a Justiça irá julgar, resguardados os direitos também do acusado, de acordo com os preceitos do Estado democrático, chocou-nos a desproporcionalidade entre os fins e os meios do procedimento policial. Por que o aluno não foi preso na sua residência, como seria típico de um flagrante? Para que interromper aulas com armas à vista na Universidade de São Paulo? Para que mobilizar duas dezenas de policiais uniformizados e com uso de metralhadora para prender um acusado de pedofilia nos prédios da USP?
A diretoria da Faculdade está acionando a procuradoria da universidade com vistas a esclarecer o episódio. Não vamos aceitar calados que a imagem da FFLCH e a autonomia desta instituição sejam violados por ações injustificáveis. O mais do que necessário combate à criminalidade não pode justificar a agressão às instituições universitárias.

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