Ensino_EnsinoSuperior

Professores tentam entregar troféu irônico a ministro

Docentes de sete universidades federais manifestam indignação com a gestão de Abraham Weintraub criando um prêmio em forma de tesoura, como maneira de reclamar dos cortes que o ministro deseja fazer na pasta

Thaís Moura*
postado em 02/07/2019 19:22
Em um ato simbólico de protesto, professores universitários de cinco associações diferentes do país se reuniram em frente ao Ministério da Educação (MEC), na manhã desta terça-feira (2/7), para, ironicamente, premiar o ministro da Educação, Abraham Weintraub, com o troféu Cortando o Futuro 2019. O grupo é formado por sete representantes das seguintes instituições: Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O irônico troféu
Os docentes compõem o Observatório do Conhecimento, rede independente e suprapartidária formada por 14 associações de docentes de universidades federais de várias regiões do país. Durante cerca de duas horas, sete professores aguardaram ao lado de fora do MEC para protocolar uma carta que se posiciona contra as recentes ações do ministro da pasta. No entanto, as portas do ministério foram trancadas, e a associação não conseguiu deixar seu recado.

Sarcarmos em forma de prêmio


O troféu que os professores gostariam de entregar a Weintraub é sarcástico e foi pensado em protesto aos cortes de 30% no orçamento de custeio das universidades e institutos federais, redução das bolsas de pesquisa e outras medidas que ;violam os princípios da autonomia universitária;, segundo o Observatório do Conhecimento. ;Confeccionado especialmente para premiar o ministro Weintraub, o troféu em forma de tesoura dourada simboliza a triste ironia de o Brasil ter um ministro da Educação que trabalha contra a própria pasta;, esclarece o grupo.
[FOTO1412610]
Em carta, eles pedem ao ministro que revogue imediatamente os cortes no orçamento de universidades e institutos federais, respeite a autonomia e a liberdade acadêmica ao nomear reitores escolhidos pela comunidade universitária, garanta a continuidade de todas as bolsas de pesquisa do sistema Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), mantenha programas de assistência estudantil para formação e permanência, e preserve integralmente as políticas de cotas sociais e raciais.

A professora da UFRJ Lígia Bahia, 64 anos, reclama do descaso com o qual foi recebida pelo Ministério da Educação nesta manhã. "Chegamos aqui às 11h, e a primeira medida que fizeram foi fechar a porta do MEC. Nós mal conseguimos expor os motivos que nos trouxeram até aqui. Nós somos professores da universidade, não é possível que o MEC se sinta ameaçado pelos próprios professores. Se não podemos entrar aqui, quem entra? O MEC existe para o quê, afinal?", contesta a professora. ;Somos professores comprometidos com o ensino de qualidade, estamos aqui para dialogar com o ministro, mas nos deparamos com essa situação;.
;Pensamos que é preciso reverter esses cortes para 2019, e estamos muito preocupados com a lei orçamentária de 2020. Nossas universidades tiveram uma expansão de acesso, hoje temos mais alunos no ensino superior do que tínhamos antes, e com um orçamento menor ainda;, ressalta Lígia. Para ela, Weintraub merece o troféu por causa de atitudes agressivas em relação às universidades públicas. ;Ele (o ministro) vem se expondo publicamente num sentido de muita agressividade às instituições, com suas manifestações debochadas em relação ao trabalho sério que fazemos, e a construção do futuro que a universidade pública representa;, defende a professora.

Lígia relatou que, após aguardar das 11h às 12h50 por algum representante de Weintraub que pudesse acolher as reivindicações, foi recebida por uma funcionária que realizou o protocolo da carta de maneira informal. No entanto, o prêmio não foi entregue ao ministro. "Caso não seja possível protocolar a carta e o prêmio, sairemos daqui e esperaremos por alguma ocasião ou cerimônia pública em que o ministro apareça para fazer essa entrega", informa. No entanto, ultimamente, a participação do ministro em eventos tem sido divulgada somente na data do acontecimento, justamente a fim de evitar manifestações de estudantes e profissionais da educação.

Professor relata frustração


Wagner Romão, 43, professor e presidente da associação de docentes da Unicamp, tinha expectativas de que o ministro os recebesse. ;Ele é um ministro bastante midiático, gosta desse tipo de ação, de imagem. Eu achei que ele nos entenderia e nos receberia, ou pelo menos algum assessor;, conta. Para ele, Weintraub merece a tesoura dourada por mostrar um descaso a própria pasta.

;Ele disse que algumas áreas da educação não precisam existir, que o Brasil forma doutores demais, e diz que pretende investir em educação básica, mas os cortes também estão na educação básica. É um equívoco muito grande você não relacionar o incremento da educação básica sem investimento na educação superior;, critica o professor. Procurada pelo Correio, a assessoria de imprensa do Ministro da Educação não se posicionou sobre o assunto até a última atualização da reportagem.

Educação é maior fator de insatisfação com governo, segundo Ibope


A insatisfação com o governo do presidente Jair Bolsonaro chegou a 32% em junho. Segundo pesquisa do Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) divulgada na última quinta-feira (27/6), a taxa subiu 5% desde abril, quando marcava 27%. Encomendado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o levantamento trimestral tem margem de erro de 2 pontos percentuais (para cima e para baixo) e mostra que, para 32% dos brasileiros, o governo Bolsonaro é ótimo ou bom. Em abril, esse percentual era de 35%.

A área de educação se mostrou como o maior fator de insatisfação dos brasileiros. Conforme o levantamento, o percentual dos que desaprovam a atuação do governo nesse setor saiu de 44% para 54%, com um avanço de 10 pontos percentuais. Já a taxa dos que aprovam caiu 9%, saindo de 51% para 42%.
Renato da Fonseca, gerente de pesquisas da CNI (Confederação Nacional da Indústria), explica o crescimento da desaprovação na educação a partir das recentes medidas do governo no setor, como o contingenciamento. "Quando vemos as notícias mais lembradas no último trimestre, destacam-se as manifestações da educação, reforma da previdência e porte de armas, mas as manifestações são as que mais aparecem. As pessoas percebem isso mais rápido do que outras notícias", afirma. "Embora possa não explicar tudo, todo esse debate em torno dos cortes e contingenciamentos dos recursos de educação acabou afetando negativamente a popularidade do governo", esclarece.


*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação