Correio Braziliense
postado em 23/04/2020 21:46
Faleceu, na última quarta-feira (22/4), o professor da Universidade de Brasília (UnB) Terrie Groth, de isquemia cardíaca. O educador compunha o corpo acadêmico da UnB desde 1996, ministrando aulas no Instituto de Ciência Política. Suas áreas de interesse de pesquisa e ensino incluíam teorias da democracia, teorias do estado contemporâneo, autoritarismo e democratização, além de educação política e engajamento cívico.
Estadunidense, Terrie nasceu em 1952 em Davenport, Iowa. Era graduado em história pela Universidade de Las Américas, no México, e doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia. No Brasil, antes de atuar na UnB, foi professor visitante na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) entre 1987 e 1989. Na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), atuou de 1992 a 1996.
Na UnB, foi o idealizador e coordenador do projeto de extensão Política na Escola, criado em 2005, que leva educação política para as crianças de escolas públicas das regiões administrativas. Ele é lembrado pelos estudantes como uma pessoa gentil, educada e muito dedicada ao trabalho e à Universidade de Brasília.
Ainda não há informações sobre velório. A família ainda está analisando o que fazer já que o professor morreu durante uma pandemia, e aglomerações de pessoas não são recomendadas. Ele era casado com a também professora da UnB Loussia Félix, da Faculdade de Direito (FD/UnB), que via em Terrie “um exemplo fantástico de acadêmico e professor”. Terrie deixa uma filha de 24 anos.
Deixará saudades
“Tinha um coração muito bom. Inclusive, eu conversei com ele semana passada. Para mim, foi um choque muito grande quando eu fiquei sabendo da morte dele. Fiquei bastante abalado”, conta José Maurício Neto, 20 anos. O estudante foi coordenador-administrativo do Política na Escola entre julho de 2018 e julho de 2019.
“O Terrie era muito dedicado a esse projeto. Eu não tive oportunidade de ter aulas com ele, mas, por relatos que ouvi, sei que foi um excelente professor e uma pessoa que contribuiu bastante para a ciência política”, diz. Para Jamile Sarchis, 23, Terrie era mais que um professor. Era amigo. A estudante, que veio sozinha de São Paulo para cursar ciência política na UnB, conta que foi acolhida por ele.
“A gente tinha uma relação muito próxima. Ele me mandava mensagens perguntando sobre meu futuro acadêmico. Pelo menos uma vez por semestre, fazia questão de jantar comigo para me aconselhar, porque ele sabia que eu queria ter uma carreira internacional”, relembra.
“Este ano, ele estava me ajudando no processo de conseguir uma bolsa para passar um tempo em Washington”, acrescenta. Além de ter sido aluna de Terrie na disciplina American Politics, inaugurada por ele na UnB, Jamile também foi coordenadora-administrativa do projeto Política na Escola por um ano. Ela conta que o professor estava sentindo falta das aulas, suspensas por causa do coronavírus.
“Ele falou comigo no último domingo, dizendo o quanto estava sentindo falta da sala de aula e da rotina. O isolamento estava deixando ele muito triste, tanto pela situação do Brasil e dos Estados Unidos, país onde ele nasceu, quanto por estar longe dos alunos”, relata. Ela lembra que o educador era sempre atencioso e preocupado com os estudantes. “Ele ligava para a gente quando não íamos às aulas, para saber o que estava acontecendo e se, de alguma forma, ele poderia nos ajudar.”
A despedida de um grande amor
Por Loussia Felix, professora da FD/UnB e viúva de Terrie Groth, com quem teve uma filha de 24 anos
“Terrie atuou no Instituto de Ciência Política e na Faculdade de Direito. Orientou dissertações e teses de doutorado na Faculdade de Direito. Uma marca registrada era seu comprometimento com a democracia, tendo formado gerações de estudantes na graduação e na pós-graduação. Tinha uma capacidade de análise notável e um humor refinado, que conquistava colegas e estudantes. Era um exemplo de professor, comprometido com os melhores valores acadêmicos.
A tolerância com a diversidade de opiniões, respeito aos colegas e ética acadêmica irrepreensível eram marcas registradas. Em suas aulas e atividades acadêmicas, contribuía para combater o sexismo e o racismo, ainda infelizmente presentes como práticas sociais intoleráveis. Nem tenho palavras para descrever uma pessoa tão incrível. Era um excelente palestrante. Participou de inúmeros eventos internacionais apresentando reflexões sobre o Brasil, seu sistema político e os desafios para a consolidação democrática de fato.
Recebia, a cada fim de semestre, muitas mensagens de reconhecimento a sua dedicação e capacidade intelectuais. Era muito respeitoso com todos os estudantes. Foi o homem mais feminista que conheci na vida. Apoiava todos os meus projetos acadêmicos. Estimulou muito minhas atividades profissionais. Educou a própria filha naquilo que acreditava: para que soubesse que a educação é o maior valor que se pode amealhar.
Não media esforços para educar a própria filha e todos os estudantes que cruzaram seu caminho. Era uma pessoa que acreditava sinceramente na igualdade entre todas as pessoas. Nunca o vi, nos 38 anos de nossa convivência, destratar qualquer pessoa. Era um amigo leal.”
Testemunho: um colega dedicado à extensão
Por Lúcio Rennó, diretor do Instituto de Ciência Política da UnB
“Quando o Terrie entrou na UnB, eu estava terminando o mestrado. Eu o conheci como professor e, depois, virei colega dele. Ele era um ótimo colega e alguém muito preocupado com o fortalecimento da UnB e do Instituto de Ciência Política, que assumiu vários cargos administrativos. Ultimamente, ele se dedicava muito a projetos de extensão voltados à sociedade, como o Política na Escola. Passou também a ocupar a posição de coordenador de extensão do instituto. Ele tinha a preocupação de fazer a universidade prestar serviços práticos e tangíveis para a sociedade e entendia que o ensino não se encerra na sala de aula, pois o aluno deve viver esse aprendizado aplicado na prática. Eu acho que esses são elementos que o diferenciam da maior parte dos colegas que acabam se preocupando mais com a pesquisa e o ensino e menos com a extensão, esse aspecto tão importante da universidade em que ele sempre investiu. Era uma pessoa muito cordial, de fácil trato, leve, colaborativa e que fazia a diferença. Então, é realmente uma perda. Ele se preocupava muito com os outros; era um traço muito bonito nele. A morte foi um choque para todos nós. Estamos todos muito distantes por causa do isolamento social, mas tínhamos nossas interações por WhatsApp, telefone...”
Um professor inesquecível
Por Gustavo Rabay, advogado, sócio do Rabay, Palitot & Cunha Lima Advogados; doutor em direito, estado e constituição pela UnB; mestre em direito pela UFPE; professor da UFPB, UNIPE e Legal Mind; fundador da Compliance Academy; morador de João Pessoa
“Ele tinha uma reflexão muito autêntica de que a democracia não era um conceito explorado adequadamente pelo direito, era apenas um princípio, sem práxis. A pesquisa em direito deve muito a ele, pois permitiu uma abertura interdisciplinar sem deslocamento do eixo próprio da ciência política, território que o professor Terrie conhecia como poucos. No meu caso, cheguei da Paraíba sem conhecer praticamente ninguém em Brasília e ele olhou meu projeto de pesquisa e disse: parabéns, você está tentando superar um atraso de 60 a 70 anos da academia jurídica brasileira em relação ao estudo do comportamento político do Poder Judiciário. Ele foi sempre muito firme e rigoroso. Lembro que, na minha banca de qualificação, na condição de orientador, trouxe um extenso parecer escrito e me arguiu com muito mais rigor que os outros membros da banca. Na banca final do doutorado, que versou sobre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os demais membros praticamente o reverenciaram: se professor Terrie aceitou orientar um tema tão espinhoso como esse, pode ter certeza que estamos diante de uma tese verdadeira. Após a defesa, ele me convidou ainda para outras bancas de doutorado na UnB, inclusive com a participação de professores ilustres, como Gilmar Mendes e Marcelo Neves. E aceitou meu convite para vir duas vezes ministrar palestras na Paraíba. Ele sempre me incentiva à carreira docente, mesmo diante das incertezas. Graças à sua persistência, concluí meu doutorado e adquiri habilidades que me levaram à criação de novos formato de educação jurídica, como a Legal Mind e a Compliance Academy, além do podcast Time Thinkers.: Tudo isso tem o DNA de Terrie. Ainda estou desolado. O convívio com ele foi uma das mais marcantes lembranças de minha passagem por Brasília ao longo de cinco anos.”
Inteligência admirável
por Rodrigo Kaufmann, advogado e ex-aluno do professor Terrie
"Convivi mais proximamente com o professor Terrie durante meu período de estudos de mestrado e doutorado na UnB, entre 2002 e 2010 na faculdade de direito. Após isso, embora tenha havido o natural distanciamento, sempre mantive contatos constantes com os professores Terrie e Loussia. A professora Loussia foi minha orientadora no doutorado, e o professor Terrie foi meu professor nos cursos de pós-graduação, especialmente no módulo “pesquisa jurídica”.
Era de uma inteligência sofisticada, estudioso, de humor sutil e elegante e muitíssimo perspicaz na análise política do Brasil e de suas repercussões para o direito.
Apesar de seu vastíssimo conhecimento, era de conversa leve e espontânea, sempre foi um professor acessível, daqueles que respeita o aluno porque, acima de tudo, reconhecia a sua enorme responsabilidade no magistério universitário. Era, sem dúvida, uma verdadeira referência como professor, tanto no conhecimento profundo, quanto na postura séria e reverente à atribuição de ensinar em uma universidade.
Era uma figura incomparável, desses professores que, quando fala, impõe, pela integridade, uma espécie de autoridade intelectual e moral.
Além disso, o fato de não ser brasileiro de nascença, mas residir no Brasil há bastante tempo, dava ao professor Terrie uma sensibilidade especial para interpretar as questões políticas e jurídica do país. Acho que por ter essa dupla nacionalidade, ele conseguia encontrar a distância adequada dos acontecimentos o que lhe permitia uma visão sempre rica e criativa dessas questões que analisávamos e estudávamos.
Sua passagem será muito sentida pela universidade, que certamente tinha nele um inestimável modelo de professor e pesquisador."
Homenagem póstuma
Alunos e colegas de Terrie Groth planejam uma homenagem ao professor. O grupo deseja publicar um livro com ensaios em honra do docente. Cada autor escreverá sobre algum tema relevante para Terrie.
*Estagiárias sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.