Depois de 17 anos de implementada a política de cotas na graduação, a Universidade de Brasília (UnB) aprovou, nesta quinta-feira (4/6), a criação de uma política de ação afirmativa para negros, indígenas e quilombolas na pós-graduação. Em decisão unânime, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) volta a inserir a universidade entre as primeiras instituições de ensino superior federal a implementar tais sistemas.
O vice-reitor da instituição, Enrique Huelva, reconhece a decisão histórica que a UnB, mais uma vez, toma com relação a políticas de ação afirmativa. “Não é uma questão puramente acadêmica, mas de repercussão social, de tornar acessível um conjunto de posições e cargos da sociedade que, sem essa política, seriam muito difíceis. É uma política estruturada internamente e na sociedade”, afirma Huelva.
A partir de agora, cada seleção dos programas de pós-graduação - mestrado e doutorado - da UnB deverá oferecer 20% das vagas para candidatos negros. Para indígenas e quilombolas, será criada ao menos uma vaga adicional em cada programa de pós-graduação. Ao todo, a instituição oferece mais de 90 programas.
Para concorrer, os candidatos terão de preencher uma autodeclaração no momento da inscrição. Depois, durante a seleção, serão entrevistados por uma comissão de heteroidentificação. A comissão será institucional, formada a partir do Decanato de Pós-Graduação.
Além de reservar as vagas, a resolução aprovada nesta quinta prevê estratégias para garantir a permanência dos candidatos, como a priorização da concessão de bolsas para indígenas, quilombolas e negros. O texto encoraja ainda os programas de pós-graduação a estabelecer regras internas a partir dessa política geral.
“É um sinal que a gente dá muito forte de política de inclusão. Tínhamos, até agora, ações afirmativas que atendiam apenas a graduação, então os formandos não tinham uma continuidade natural. Isso é muito importante para construir o caminho e dar a possibilidade que os estudantes que precisam dessa política tenham acesso ao nível máximo de formação que a universidade oferece. Isso repercute também no acesso à própria universidade através dos concursos para professores, para termos mais professores negros, indígenas e quilombolas, e também em outras áreas de atuação na sociedade nas quais essa formação é exigida”, avalia o vice-reitor.
Para Huelva, é feliz a coincidência da resolução ter sido aprovada em um momento no qual o mundo está mobilizado nas discussões de questões raciais. “Marcamos que precisamos de uma política inclusiva também nesse nível superior de excelência fornecido nos cursos de mestrado e doutorado. Mais que reafirmar o momento, estamos reafirmando o DNA da universidade com essa decisão”, conclui.
“Esse resultado é uma vitória não só para os jovens que vão ingressar na pós-graduação e receber conhecimento, mas para toda a sociedade brasileira e internacional”, comemora a professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) e membro do Conselho, Dione Moura. “Quando um jovem indígena estuda sua língua, uma solução tecnológica ou um fármaco, por exemplo, quem recebe o resultado desse conhecimento ganha muito mais do que o próprio estudante”, acrescenta.
De acordo com Dione, a aprovação das cotas para a pós-graduação tem um significado diferente do que foi há 17 anos, quando o sistema foi aprovado para os cursos de graduação. “Naquela época, nós passamos um bom período tentando trazer o debate de racismo. Hoje, não se discute mais se há racismo. Nós discutimos formas de combatê-lo.”
Denúncias apuradas
Antes do anúncio da decisão sobre a política de cotas para os programas de pós-graduação, usuários usaram as redes sociais para denunciar supostas fraudes no sistema de cotas de graduação da UnB. O movimento teve início após uma mobilização semelhante ocorrer em Juiz de Fora.
Em nota, a instituição informou que uma comissão de sindicância, formada por especialistas no tema, acompanha as denúncias. Até o momento, o grupo investigou 102 casos e abriu processo administrativo disciplinar discente em 28 deles. Das outras denúncias de suposta ocupação indevida de vaga reservada para estudantes negros, 14 não eram estudantes da UnB, 23 não eram cotistas raciais e 37 atendiam ao critério fenotípico.
"Neste momento, a investigação foi concluída, e o processo está sob análise da Procuradoria Federal/UnB, que subsidiará decisão da Administração Superior quanto a eventual desligamento de estudantes. Enquanto o processo não chegar ao fim, as informações devem ser mantidas em sigilo para preservar o direito à ampla defesa de todos os envolvidos", esclareceu.
As denúncias mais recentes estão sendo analisada por uma comissão do Decanato de Ensino de Graduação e alerta que a instituição só pode apurar denúncias formais, feitas por meio da Ouvidoria (ouvidoria@unb.br).
* Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer
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