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Estudantes de medicina do DF antecipam formatura para ajudar na pandemia

Autorizados pelo Ministério da Educação, estudantes de medicina do Distrito Federal que cursam o último semestre anteciparam a formatura para fazer parte do time de profissionais da saúde que lutam diariamente contra a covid-19

Ser aprovado para o curso mais concorrido na maioria das universidades é o sonho de quem quer ser médico. Com ele, vêm as muitas horas de estudo e internato, mas também o baile de formatura e a colação de grau. Os médicos que se formam em 2020, no entanto, estão deixando de lado as grandes celebrações para entrar na linha de frente do combate à pandemia causada pelo coronavírus. Alguns, dispostos e prontos para a luta, decidiram não esperar a conclusão do semestre e, autorizados pelo Ministério da Educação (MEC), anteciparam a formatura para reforçar o time de profissionais da saúde do Distrito Federal.

 

Para eles, adiantar a colação de grau significa alguns meses a mais ajudando quem mais precisa. Segundo a Secretaria de Saúde, o DF tem 5.241 médicos de diversas especialidades atuando na rede, desde a atenção primária até a especializada. Destes, 512 estão lotados no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), que é referência para o enfrentamento da covid-19.

 

Ao menos 100 novos profissionais juntaram-se à linha de frente da batalha contra o novo coronavírus. A Universidade de Brasília (UnB) realizou, na última segunda-feira, a outorga antecipada de diplomas para 10 graduandos. A Universidade Católica de Brasília (UCB) fez, em abril, a colação de grau on-line de 46 estudantes, e o Centro Universitário de Brasília (UniCeub) liberou 50 novos médicos, que atenderam aos pré-requisitos do MEC (leia Medida Provisória).

 

O Correio conversou com alguns profissionais da nova geração de médicos do DF, para saber as expectativas e desafios que estão encarando na profissão. 

 

Por mais compaixão

 

De posse do diploma desde segunda-feira, o médico Andrey Paiva, 24 anos, aguarda apenas o registro formal junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM), para começar a trabalhar. Ele quer também estudar e concluir um curso que o permita trabalhar em emergências de hospitais. “Estou indo atrás e quero abraçar alguma oportunidade para trabalhar com o que possa me acrescentar e contribuir”, declara.

 

Ex-aluno da UnB, ele cumpriu o internato, espécie de estágio feito por todos os estudantes de medicina, no Hospital Universitário de Brasília (HUB), onde teve a oportunidade de atuar em diversas especialidades. A preferida foi ginecologia e obstetrícia, nas quais pensa em fazer residência no futuro. “Mas, também tive uma vivência maior na atenção primária”, conta. Na ocasião, ele trabalhou com diabéticos, hipertensos e outros pacientes considerados do grupo de risco para o coronavírus. “Se existir um controle bom da situação, podemos evitar que essas pessoas desenvolvam quadros graves da covid-19.”

 

Embora sinta-se preparado para atuar, ele admite que existe o receio, dadas as atuais circunstâncias, com a pandemia. “Meu maior medo é, eventualmente, trazer algum tipo de infecção para dentro de casa. Não é porque não sou grupo de risco, que não corro risco. Mas esse é um ônus da profissão”, pondera. Além disso, é preciso lidar com a ansiedade. “É uma situação nova, e está todo mundo aprendendo a lidar. Acho que, no fim das contas, apesar de todo o sofrimento, será um crescimento muito grande, e amadurecimento profissional”, acredita.

 

Para os futuros pacientes, ele pede, sobretudo, empatia. “Todos devem procurar se cuidar, e ser solidários. Estamos em uma situação única e, infelizmente, se não for assim, a coisa vai desandar. É muito importante olhar pelo outro, porque, mesmo que você não seja afetado, caso contraia o vírus, terceiros podem sofrer muito”, alerta. “Uma coisa é alguém com a vida bacana e que pode ficar em casa. Outra é o trabalhador que sai de casa às 5h porque precisa. As pessoas humildes vão sofrer mais se a gente não se cuidar. Falta compaixão”.

 

Olho no futuro

 

O fim de um ciclo é, ao mesmo tempo, um começo de outro. Portanto, é preciso pensar no futuro. É o que está fazendo o médico recém-formado Sérgio Zuazo, 23. Assim, como Andrey, ele faz parte dos 10 alunos que participaram da cerimônia de outorga antecipada de diploma dos alunos de medicina. Os estudantes não eram obrigados a fazer a antecipação, mas alguns, como Sérgio, fizeram essa escolha. “Eu sentia que conseguia contribuir mais para a sociedade, e acho que esse é o nosso papel. Quando entra-se em uma universidade pública, tem de dar esse retorno”, avalia.

 

Ele aguarda as tramitações burocráticas para obtenção do registro profissional enquanto estuda para prestar a prova de residência no fim do ano: quer se especializar em anestesiologia. Embora tenha doença autoimune, comorbidade que o coloca no grupo de risco, ele fez internato no HUB e passou por todas as áreas de especialidades. “São vários setores. Tem a área destinada à covid-19, pediatria, ginecologia, entre outras. Avaliando, não existe mais cenário livre. Em todo lugar, em um hospital, é possível estar exposto ao vírus”, afirma.

 

Embora ele lamente não ter podido comemorar, com o restante dos colegas, a colação de grau e o baile de formatura, Sérgio sabe que ainda existe muito pela frente. “Era um ano de despedidas, para saborear cada momento. São muitas saudades, mas, no fundo, a gente vê que é só uma pausa. Não é o fim da linha, e vamos focar no futuro.”

 

A coordenadora do curso de medicina da UnB, professora Selma Kückelhaus, explica que, até meados de junho, mais 41 jovens estarão formados, prontos para atuar na rede básica de saúde. “Nossos alunos são muito comprometidos, e estão sensíveis ao momento”, elogia. “A UnB está bastante sensível à situação atual e, nesse contexto da pandemia, o internato não foi suspenso exatamente porque compreendemos que é necessário contribuir com a formação médica e colocar esses profissionais na linha de frente.”

 

Voz da experiência

 

O desafio de começar na profissão que escolheu, agora sem a tutela dos professores, pode ser mais fácil com os conselhos de quem tem mais experiência. Essa é a dica da infectologista do Hospital Santa Lúcia Marli Sartori. Em 14 anos como médica, ela afirma que nunca viu uma situação parecida com a que se vive hoje, na pandemia. “Os mais antigos passaram a era do HIV, que também foi muito tensa, mas essa da covid-19 tem sido um grande aprendizado”, destaca.

 

Ela reforça a importância de a nova geração buscar ter humildade. “Nesse começo de carreira, geralmente, o profissional fica inseguro com relação à conduta. Meu conselho é: consulte professores, médicos de confiança, por quem tenha respeito. Dúvida todo mundo tem”, alerta. Outra virtude é a paciência, especialmente no relacionamento com o paciente. “Coloque-se no lugar daquela pessoa. A gente não conhece nada da vida pessoal deles, então, com calma, explique o que deve ser feito, mesmo que várias vezes”.

 

Marli refuta a crença de que médicos são profissionais frios e acostumados a lidar com situações graves. “A gente sofre também. Você está lá, fazendo de tudo, tentando salvar uma vida, mas, às vezes, acontece o óbito. É um pai, uma avó, uma mãe. Às vezes, acham que o médico não sente, mas, ao contrário, pode ter certeza de que vai ficar o pensamento na vida que se perdeu”, garante. 

 

Mão na massa

 

Embora exista a tristeza e a preocupação pela situação atual, em que os casos de coronavírus continuam crescendo no DF, quem tem a vocação para salvar vidas sente-se completo em ajudar. A médica Danielle Veldman, 25 anos, é uma dessas pessoas. A jovem, que só teria o diploma em mãos em junho, antecipou a formatura para abril e, dias depois, fazia parte de profissionais que combatem a covid-19. 

 

Diariamente, ela bate o ponto no pronto-socorro de um hospital particular da Asa Norte. “Lá, temos duas áreas, o covidário, ou gripário, e o geral. Só na semana passada, atendi a cinco pacientes suspeitos de coronavírus. Eu estou amando e fico ansiosa para ir trabalhar”, declara. Formada pela UCB, ela atuou, durante o internato, no serviço de teleatendimento do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), onde orientava pessoas que ligavam com sintomas da doença. “Foi muito bom, porque me preparou para lidar com esses pacientes”, ressalta.

 

Ela acredita que a experiência contribuirá com o crescimento da carreira. “Por mais que fique triste de ver o que está acontecendo, e os números não caírem, fico animada de saber que estou ajudando alguém a ter uma vida melhor.” Para o futuro, ela espera iniciar residência em ginecologia e obstetrícia, mas, por enquanto, concentra-se em cuidar de quem mais está precisando. 

 

Rotina intensa

 

Da vontade de ser peão, na infância, à correria da vida adulta entre emergências de hospitais e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) no DF e no Entorno. O médico Guilherme Pagani, 26 anos, decidiu, durante o cursinho pré-vestibular, que queria seguir essa profissão. Assim como Danielle, ele também se formou pela UCB em abril, e está em uma rotina intensa de trabalho. “Para mim, não fazia diferença antecipar a formatura, mas, como a situação pedia, eu estava disposto a entrar para jogo”, declara.

 

Mesmo com o dia a dia agitado, ele não se arrepende de estar trabalhando. “A experiência está sendo boa, só que um pouco assustadora por conta da transmissividade do vírus e do descaso de alguns”. Guilherme sabe da gravidade da situação e pede que a população leve a sério a doença. “Há pessoas que não acreditam que o vírus é real e que mata. A gente tenta colocar na cabeça do pessoal que tem que tomar cuidado”, relata.

 

Apesar de jovem, acompanhou casos de pacientes com covid-19 que terminaram em óbitos. “A gente fica marcado, mas fica ainda mais alarmado com a situação, que mata de verdade. Se a pessoa não tiver uma imunidade decente, ou se tiver alguma comorbidade, o óbito vem.” Com tudo que tem vivido, ele afirma que quer aprofundar os conhecimentos em vírus e infecções, nos próximos anos. “O médico que estiver atuando em emergência tem que aprender”, acredita.

 

Coordenador do curso de medicina da UCB, Osvaldo Sampaio Netto garante que a diplomação antecipada não interfere na qualidade dos profissionais formados. “Nesse momento, não há prejuízo acadêmico. São seis anos de formação, e é uma maneira de a gente estar na ativa no combate à pandemia”.

 

Medida provisória

» O Ministério da Educação autorizou a antecipação da colação de grau para os alunos dos cursos de medicina, enfermagem, farmácia e fisioterapia, exclusivamente para atuação nas ações de combate à pandemia do novo coronavírus. A decisão foi publicada em 6 de abril, no Diário Oficial da União, e faz parte da portaria nº 374. Veja os critérios exigidos para formar-se antecipadamente.

 

Mínimo de 75% do internato concluído

» A Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde deverá emitir certificado da participação do profissional no esforço de contenção da pandemia da covid-19, com a respectiva carga horária.

 

Sérgio Zuazo
Ana Rayssa/CB/D.A Press - Sérgio Zuazo
Ana Rayssa/CB/D.A Press - infectologista Marli Sartori
Minervino Júnior/CB/D.A Press - médica Danielle Veldman
Arquivo Pessoal - Guilherme Pagani