O que a cultura do estado de Goiás, o universo LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros) e a Universidade de Bauhaus na Alemanha teriam em comum? A resposta está na atuação de Matheus Opa, 25 anos, formado em artes visuais pela Universidade de Brasília (UnB) e um dos dois brasileiros convocados em meio a 20 projetos este ano pela universidade alemã. Matheus conseguiu a aprovação para um curso de especialização na mais célebre universidade de artes visuais alemã, referência mundial na área.
Matheus nasceu em Formosa (GO), morava com a mãe, os irmãos, cunhadas e sobrinhos. Como o dinheiro nem sempre era suficiente, começou a trabalhar cedo, aos 15, dando aulas de inglês. Homossexual assumido, conta que sofreu preconceito desde cedo pelos colegas de escola. ;Sempre sofri muito bullying. Quando criança, apanhei no colégio. Mas o bullying é isso, ele te faz mais forte. Eu devo muito do que sou à essa resistência, pois, quanto mais eu sofria, mais reação buscava. Dessa forma, quando eu apanhava, devolvia em forma de estudo, de prática, de pesquisa, mostrando para todo mundo que eu sou bom.;
Centro-Oeste é objeto de estudo
Matheus baseou seu projeto na sua própria vivência, usando as experiências pessoais como modelo e, a partir delas, desenvolveu todo o embasamento. O objetivo dele é mostrar que elementos da região onde nasceu, como a fauna e flora típicas do cerrado, a religiosidade, a festa divino e a presença feminina na cultura sertaneja, podem ajudar no combate ao preconceito. O estudante terá dois anos para realizar sua pesquisa em Bauhaus e retornará ao Brasil com o título de Master in Fine Arts (MFA) que, transposto para o português, significa mestre em belas artes.A aceitação do projeto é rara e sintomática. A Universidade de Bauhaus não se notabilizou, ao longo dos anos, pela boa aceitação de elementos artísticos de outro continente. Um trabalho do Brasil ; e, mais que isso, do centro-oeste do país ; normalmente não teria muito espaço. ;Essa pesquisa tem de ser valorizada. Quem imaginaria que a maior escola de artes visuais do mundo aceitaria um projeto de estudo sobre a cultura do interior de um país longe da Europa? É uma conquista muito importante;, acredita Matheus.
A Universidade de Bauhaus, sediada na cidade de Weimar, foi criada em 1919 e ainda tem forte influência na arte contemporânea. Bauhaus teve impacto fundamental no desenvolvimento das artes e da arquitetura do ocidente europeu, e também dos Estados Unidos, Israel e Brasil. A Cidade Branca de Tel Aviv, em Israel, que contém um dos maiores espólios de arquitetura Bauhaus em todo o mundo, foi declarada como Património Mundial em 2003.
A escola também influenciou imensamente a América do Sul, tendo como seu principal representante o arquiteto Oscar Niemeyer. Brasília foi projetada em 1957 sob as tendências modernas e funcionalistas inauguradas pelo bauhasianismo. Todo o plano-piloto, incluindo tanto os edifícios residenciais quanto as construções públicas, são influência e ícones desta arte, em sua excelência.
Matheus participou de projetos de extensão na UnB
Matheus cursou artes visuais e se formou no primeiro semestre de 2017. Ele conta que, durante a vida acadêmica, manteve-se financeiramente na capital federal dando aulas de línguas estrangeiras, inglês, espanhol e francês. Além disso, também recebia bolsa de pesquisa paga pela universidade, uma vez que realizou diversos projetos acadêmicos na área, em temáticas como ;Fotografia e o Vazio;, ;Religião e Consumismo; e ;Espaços culturais do DF;.Com as bolsas e o seu trabalho na escola de línguas, conseguiu juntar algum dinheiro para chegar à Bauhaus e se manter por um tempo até conseguir emprego. O estudante confessa que irá demorar a aprender o alemão perfeitamente e para isso recorreu ao crowdfunding, um meio de financiamento coletivo e colaborativo, alternativa para viabilizar sua permanência no país, economizando dinheiro e tempo para os estudos.
Além de todas essas atividades, Matheus também integrou o grupo Corpos Informáticos. O grupo de performance é coordenado e dirigido pela professora Maria Beatriz de Medeiros, conhecida como Bia Medeiros, formada em artes visuais pela Universidade de Sorbonne, em Paris, e em filosofia pelo Colégio Internacional de Filosofia, também na capital francesa.
Matheus esteve no grupo por mais de dois anos e a professora Maria Beatriz fala como era performar ao seu lado. ;A performance tem uma certa estrutura a ser seguida, mas trabalhamos com o improviso. Para isso funcionar, as pessoas precisavam saber improvisar e ter uma ligação certa com os membros e Matheus tem tudo isso;, diz. A professora também falou dele como seu aluno, ela também lhe deu aulas durante a graduação. ;Uma das capacidades mais importantes de um aluno é a curiosidade porque ela move o saber, e Matheus sempre teve isso, sempre buscou o conhecimento e aprender;, relata.
Bia Medeiros também foi professora de artes visuais da UnB por 25 anos, dando aulas na graduação, mestrado e doutorado. Há 26 anos, ela criou o grupo como projeto de pesquisa, a fim de pensar o corpo humano diante das novas tecnologias. O Corpos Informáticos formou vários doutores e mestres, e teve suas criações experimentais apresentadas em países como Chile, Peru, Berlim e França.
LGBTfobia cresce no Brasil
A violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros vem crescendo no país. Apenas em 2017, 387 pessoas LGBTs foram assassinadas e 58 cometeram suicídio. Esse dado representa um aumento de 30% em relação a 2016, que teve 343 mortes. Essas informações constam no relatório realizado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), entitulado Pessoas LGBT Mortas no Brasil.O documento apresenta também a violência em cada estado brasileiro. São Paulo lidera com 59, logo seguida por Minas Gerais, com 43, e a Bahia, com 35. No Distrito Federal, foram oito pessoas mortas. Em 17 anos, o país teve um aumento de mais de 300 mortes em relação a 2000, onde tiveram 130 casos documentados. Esse contexto mostra bem o perfil do preconceito no país. De acordo com a GGB, 2018 registrou, só até meados de maio, a morte de 153 pessoas LGBTis mortas no Brasil.
*Estagiária sob supervisão de Ana Sá