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Lindas e raras

Depois de observar o comportamento da arara-azul-de-lear em reserva na Bahia, pesquisadores brasileiros percebem que o clima seco atrapalha a reprodução da espécie. Dados serão usados para ajudar na preservação da ave, ameaçada de extinção

postado em 27/08/2012 13:12

Três espécimes da arara-azul: cena que, felizmente, se tornou mais comum na região de Canudos nas últimas décadasBelo Horizonte ; Quando especialistas da Fundação Biodiversitas chegaram à Estação Biológica de Canudos, na Bahia, para iniciar os estudos sobre preservação da arara-azul-de-lear, havia apenas 50 espécimes soltos na natureza. Hoje, segundo cálculos da equipe liderada pela bióloga Érica Pacífico, esse número ultrapassa mil, apesar da seca que atinge a região constantemente e prejudica a reprodução dos animais da espécie Anodorhynchus leari. ;A principal ameaça à arara, no entanto, é o tráfico;, lamenta Gláucia Drummond, superintendente-geral da ONG ambientalista, sediada em Minas Gerais, lembrando que a beleza da ave acabou atraindo o interesse do mercado ilegal de animais silvestres.

Sob orientação de Luiz Fábio Silveira, doutor em ciências biológicas pela Universidade de São Paulo (USP), Érica Pacífico e sua equipe, formada por dois biólogos assistentes, dois guias de campo e um guarda-parque, acompanharam a reprodução da espécie por cerca de quatro anos, descobrindo que, em período de chuvas abundantes, as araras têm sucesso reprodutivo grande. O objetivo é usar o resultado da pesquisa para a reprodução em cativeiro.

Na natureza, normalmente sobrevive um filhote por ninho, segundo o relato de Érica, que atribui à competição da própria espécie uma das causas da ameaça de extinção da arara-azul-de-lear, uma ave cada dia mais rara no mundo. Como na fase adulta ela também é uma ameaça aos milharais da região, a própria população vem recebendo educação ambiental para pôr fim à ;raiva; da qual as aves costumam ser vítimas.

De acordo com a bióloga, entre 2008 e 2011, o grupo estudou 42 ninhadas do pássaro, que faz seu ninho em local característico da paisagem da Estação de Canudos: os paredões de arenito, cujo acesso dos pesquisaores só é possível graças à técnica do rapel. ;Os ninhos foram descritos por dentro e verificam-se os possíveis critérios utilizados por elas para selecionar a melhor cavidade para a reprodução;, explica Érica. A bióloga e sua equipe verificaram ainda, em cada casal estudado, as proporções dos ovos, os números de filhotes gerados e de filhotes criados até o voo.

Reprodução afetada

Conforme conta Érica, tais ninhos têm, em média, 18m de profundidade, e costumam ficar a cerca de 53m do chão, uma estratégia para proteger as crias. A bióloga e sua equipe constataram também que as araras não modificam o local para a nidificação, com uma média de 14 semanas para o desenvolvimento dos filhotes. ;A taxa de predação é bem baixa, se comparada com a de outras espécies;, afirma a pesquisadora, atribuindo à seca uma das maiores ameaças à sobrevivência das araras na região. ;A seca com certeza afetou a espécie no período em que desenvolvemos os estudos, mas é preciso coletar mais dados sobre a influência da falta de chuva;, pondera Érica Pacífico.

Este ano, de acordo com ela, somente cerca da metade das araras conseguiu reproduzir, sem deixar de gerar, no entanto, um deficit grande na presença da espécie na região. O levantamento foi feito pelo Centro Nacional de Pesquisa para Conservação de Aves Silvestres em Sistema Nacional de Anilhamento (Cemave), que marca com um microchip cada filhote capturado. ;Os dados do último relato que temos, de 2010, é de 1.120 indivíduos;, contabiliza a bióloga, ressaltando que a população da arara-azul-de-lear cresceu nos últimos 30 anos.

De acordo com a cientista, os primeiros registros da espécie na região da Estação Biológica de Canudos datam de 1978. O local é hoje considerado o lar da espécie, constantemente ameaçada de extinção. ;É um animal carismático, de fácil trabalho público;, comemora Pacífico, em busca da fórmula para aumentar a taxa reprodutiva da espécie. ;Não sabemos nada ainda a respeito do assunto. Temos de trabalhar mais para poder usar a informação em favor de sua conservação;, acrescenta a bióloga.

Influência

A Fundação Biodiversitas ; organização não governamental de caráter técnico, cujo objetivo principal é influir na política brasileira do meio ambiente por meio de estudos ; atua em Canudos desde a década de 1980. ;Nosso foco é voltado para a promoção de espécies ameaçadas de extinção;, diz a superintendente-geral Gláucia Drummond.

Além da Estação Biológica de Canudos, voltada para a preservação da arara-azul-de-lear, a Biodiversitas trabalha também na Mata do Sossego, localizada na Zona da Mata mineira, na proteção ao muriqui, primata também ameaçado de extinção. A ONG adquiriu recentemente a Reserva da Mata do Passarinho, na divisa entre Minas Gerais e Bahia, com o objetivo de preservar o entufado baiano. ;Atualmente, tem-se conhecimento de apenas cinco pássaros da espécie na natureza;, relata, muito preocupada, Gláucia Drummond, admitindo que o novo trabalho é um verdadeiro desafio para a entidade.

Achado

O grande achado da pesquisa feita por Érica Pacífico e sua equipe foi descobrir a profundidade (18m, em média) dos ninhos da arara-azul-de-lear. Segundo a bióloga, ao contrário de outras espécies, que abrem buracos em árvores para botar os ovos, a Anodorhynchus leari encontra cavidades naturais nos paredões de arenito, que usam para reproduzir. ;Trata-se de uma estratégia de proteção da prole;, explica Érica.

1.120

Número aproximado de espécimes da arara-azul-de-lear na região de Canudos (BA)

Visitação será ampliada

Com uma equipe fixa de cinco funcionários (quatro guardas e uma gerente), que trabalha a valorização da espécie na própria região de origem, a Fundação Biodiversitas anuncia para o ano que vem o início do programa de visitação à Estação Biológica de Canudos.


Graças a uma parceria firmada entre a ONG e a American Bird Conservancy (ABC), está sendo construída no local uma estrutura com 12 leitos para receber os interessados em assistir ao verdadeiro espetáculo em que se transformou a presença das araras na área. Até então, o público que mais procurava o espaço era o europeu, deslumbrado com a oportunidade de ver de perto uma espécie ameaçada de extinção.


A intenção é ampliar a visitação em 2013, recebendo um público maior do Brasil e do exterior. (AM)

A bióloga Érica Pacífico e o guarda-parque Dorivaldo Alves: o acesso aos ninhos nos paredões só é possível por meio do rapel

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