A longa jornada da evolução humana tem sido contada, até agora, por coleções de ossos. Desde o século 19, com base na comparação morfológica de fósseis e, mais tarde, na datação por carbono, arqueólogos tentam reconstruir a história dos ancestrais. Essa é uma página prestes a ser virada. A partir de uma sofisticada tecnologia de sequenciamento, um grupo internacional de cientistas conseguiu extrair informações genéticas extremamente avançadas de um hominídeo com idade entre 50 mil e 80 mil anos, tendo à disposição apenas dois dentes e um fragmento de dedo bem menor que uma moeda de US$ 0,01.
A equipe de Svante P;;bo, diretor do Departamento de Genética do Instituto de Antropologia Evolutiva Max Planck, na Alemanha, anunciou na edição de hoje da revista Science o mais completo sequenciamento genético de um grupo humano extinto. ;O grau de precisão equivale aos resultados que seriam obtidos em um sequenciamento do meu genoma hoje;, explicou P;;bo, em uma teleconferência de imprensa. Desde a década de 1980, quando começou a investigar o DNA de múmias egípcias, o cientista ficou obcecado com a ideia de que o passado poderia ser reconstituído pela genética. Foi ele quem, há dois anos, sequenciou o material genético do neandertal, revelando fortes evidências de que essa espécie procriou com os humanos modernos.
Agora, um refinamento na técnica que investiga as informações hereditárias contidas no DNA permitiu conhecer melhor um outro grupo de homens ; P;;bo prefere não identificá-los como uma espécie ; cujos resquícios foram encontrados em 2008 na Caverna de Denisova, na Sibéria. No verão daquele ano, pesquisadores escavaram uma pequena falange cuja análise do DNA mitocondrial (ácido desoxirribonucleico que fica nas mitocôndrias, e não no núcleo da célula) revelou não ser nem de um neandertal nem de um homem moderno. No local, também existiam dois dentes de indivíduos do mesmo grupo. Morfologicamente, eles não se encaixavam em qualquer espécie humana conhecida.
O problema é que havia muito pouco material para estudar ; o DNA arcaico é fragmentário e se perde rapidamente depois de extraído das amostras. ;As técnicas atuais de sequenciamento não conseguem ler uma molécula simples, então o que você tem de fazer é amplificar seu leque de moléculas, produzindo muitas cópias para conseguir decifrá-las;, disse Matthias Meyer, geneticista do Max Planck, que chegou a pensar em abandonar a ideia por achar que a tarefa poderia ser impossível. ;Para isso, você precisa manipular seus fragmentos antigos, acrescentando pequenas moléculas artificiais na parte final. O DNA é, então, copiado;, contou. Assim que testaram o sucesso do método, os cientistas voltaram ao laboratório e extraíram uma pequena amostra de DNA da falange denisovana, que pertencia a uma jovem mulher. Dessa pequenina sobra, conseguimos sequenciar cada parte do genoma mais de 30 vezes.;
Confirmação
O quadro mais completo confirmou o que a equipe de Svante P;;bo já desconfiava em 2010, quando anunciou na revista Nature a existência dos ossos. Os denisovanos, como foram classificados pelo cientista, eram humanos que tinham um ancestral comum com os neandertais e os homens modernos, sendo que se diversificaram desses últimos em algum momento entre 700 mil e 170 mil anos atrás ; uma ampla margem de erro, conforme admitiram os pesquisadores. Como não se sabe ao certo a taxa média de mutações humanas, é difícil calcular com maior precisão a época em que espécies de um mesmo tronco se diferenciaram.
A comparação genética mostrou, contudo, que o denisovano é mais próximo do neandertal do que do homem moderno. ;Os dados suportam fortemente a conclusão inicial de que os neandertais e os denisovanos são grupos-irmãos que se separaram de um ancestral comum depois da separação dos homens modernos. Essa população ancestral talvez seja a dos heidelbergenses;, afirmou David Reich, geneticista da Faculdade de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, coautor do artigo. Acredita-se que o Homo heidelbergensis evoluiu na África, mas antes de 500 mil anos atrás migrou para a Eurásia, a porção de terra que se estende da Ásia até a Europa. Já foram encontrados fósseis da espécie tanto no continente europeu quanto no africano.
Controvérsia
O conceito de espécie é altamente controverso, sendo o mais aceito aquele que a define como o conjunto de seres que, ao cruzarem, são capazes de reproduzir. Svante P;;blo pertence a uma corrente de cientistas que acredita no cruzamento do Homo sapiens com os neandertais. Por isso, não aceita que os ;primos; do homem moderno, incluindo os denisovanos, sejam considerados espécies à parte.