postado em 03/09/2012 12:44
Transformar uma área verde em um retângulo de concreto é uma ideia que pode dar arrepios a qualquer ambientalista. Se esse espaço for utilizado para abrigar dezenas de automóveis poluentes então, o estrago está feito. Por esses motivos, é difícil encarar estacionamentos como algo além do símbolo do crescimento urbano desenfreado, inimigo das iniciativas a favor do transporte público. Alguns projetos, porém, têm mudado esse conceito. Com o apoio da tecnologia, é possível tornar esses pátios construções menos agressivas ao ambiente.Em Brasília, a prática de dar uma cara mais verde aos estacionamentos surgiu acompanhando o desenho de um prédio igualmente inovador: o novo endereço do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), na 604 Sul. Baseado no conceito de sustentabilidade, seu projeto inclui poço artesiano próprio e uma cobertura verde sobre parte do edifício para reaproveitar a água das chuvas. Os frequentadores do local não tinham do que reclamar, a não ser na hora de procurar uma vaga para estacionar o carro quando visitavam o local. A direção do Sebrae resolveu então transformar um canteiro no meio da via L2 Sul em estacionamento.
A Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) alertou: as árvores nativas deveriam ser preservadas. Ao todo, os projetistas poderiam retirar 16 plantas, sem derrubar os ipês. A solução foi cortar as vagas. O desenho, antes quadrado, passou a fluir entre a vegetação, encaixando um espaço para veículo aqui e criando outro para motos ali. No meio do terreno, ilhas de árvores foram mantidas, além dos espécimes que circulavam a área demarcada. O remanejamento manteve quatro árvores a mais do que o exigido, e ainda permitiu a construção de 112 vagas para carros e 25 para motos.
;Já que a regra da sustentabilidade é essa, fizemos o estacionamento de acordo. Alguns motoristas reclamaram por terem de manobrar em volta das ilhas, mas não é assim. Do ponto de vista ecológico, eles é que estão incomodando a árvore;, resume o engenheiro do Sebrae Newton de Castro. A medida garantiu melhor qualidade de ar para o espaço, além de sombra. No espaço verde que sobrou em volta do estacionamento, novos espécimes ainda devem ser plantados.
Pavimentação
Depois de demarcar o espaço, o próximo passo era a pavimentação, mas, na iniciativa sustentável, o piso não poderia ser semelhante ao de outros estacionamentos. Foram escolhidos blocos de concreto pré-moldados que são combinados como um quebra-cabeça. O encaixe seria perfeito, não fosse um pequeno espaço deixado entre as peças e preenchido por pedriscos. ;A água da chuva entra por esse revestimento, que funciona como em uma peneira. Isso evita que a água vá toda de uma vez para a galeria pluvial, causando uma enchente;, explica Mariana Marchioni, engenheira de inovações e sustentabilidade da Associação Brasileira de Cimento Portland.
A especialista explica que, sob esses blocos de concreto, há uma estrutura tubular que escoa a água para o local correto. ;A terra nem sempre consegue absorver a água na mesma velocidade em que chove. Dependendo do solo, o engenheiro pode colocar uma caixa com pedras e espaços vazios sob o pavimento, ou fazer um tubo de drenagem lá embaixo;, enumera Marchioni. Além do modelo intertravado, alguns estacionamentos também optam pela opção porosa. Esse concreto não usa areia, o que o deixa parecido a uma esponja.
Além do piso desenhado e da abundância de árvores, o estacionamento-parque também ganhou nos últimos meses um par de postes singulares. Sobre cada um, está uma estrutura metálica que lembra uma flor. No meio das pétalas retangulares, um núcleo gira. O objeto espiralado é, na verdade, uma turbina eólica, que transforma o vento em energia elétrica. Durante o dia, ela ganha ajuda das seis placas inclinadas que se intercalam para colher a luz solar. Eles colhem a luz por meio de uma espécie de filme escuro coberto por ranhuras.
Quando os postes forem ligados a um conjunto de baterias e conversor, eles poderão alimentar as 38 luminárias super-LED que já foram instaladas no local. Elas consomem cinco vezes menos que uma lâmpada normal e também têm um sensor que aciona a iluminação assim que escurece. O desempenho dos geradores ainda não foi medido, mas Newton de Castro acredita que os bons resultados devem inspirar a Companhia Energética de Brasília (CEB), que participou do projeto, a multiplicar a iniciativa. ;O trabalho que vamos ter agora é de medição, mas eu nunca vi essa turbina parar de rodar. Se fizerem isso em Brasília, o consumo de energia deve diminuir muito;, anima-se o engenheiro.
Novas medidas
Para especialistas no assunto, projetos como esse tendem a se tornar regra. Com espaços cada vez menores para a realização de obras e rígidas leis ambientais, os construtores têm usado a criatividade para diminuir o impacto dos estacionamentos nas cidades. ;O mercado está passando por um processo de educação ambiental. Muitas empresas buscam certificações ambientais, e os ocupantes também têm exigido obras sustentáveis; avalia Bruna Canela, gerente de Consultoria de Projetos Sustentáveis do Centro de Tecnologia de Edificações (CTE).
Entre as práticas já adotadas no Brasil, estão a preferência pela iluminação fluorescente, o uso de materiais reciclados e a gestão de resíduos da obra. Em alguns países, no entanto, o cenário avança mais rápido. Enquanto construtoras brasileiras ainda torcem o nariz para o preço de luminárias mais econômicas como a LED, já existem vagas que oferecem recarga para carros elétricos no exterior. ;Estratégias de menor impacto por vezes são mais caras, mas, ao longo do tempo, elas vão consumir menos energia e pagar o investimento;, diz a gerente.
Logo o motorista brasileiro também deve conhecer medidas menos caras, como a criação de vagas preferenciais para veículos híbridos ou o desconto no estacionamento para carros com dois passageiros ou mais. O dono de um modelo muito poluente, por exemplo, também pode ser barrado nos lugares mais disputados ; e isso deve acontecer mais cedo do que se espera. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos Naturais (Ibama) já trabalha na classificação dos automóveis novos em relação aos seus níveis de emissão de poluentes, por meio do programa Nota Verde, e o Inmetro também vai adicionar até o fim do ano informações sobre a produção de dióxidos nas etiquetas que informam a eficiência de cada modelo.