A iniciativa desenvolvida por um grupo de professores vai além da tentativa de promover a inclusão, como explica a diretora da unidade de ensino, Elvane Morato. ;Trata-se de um trabalho de sensibilização e de socialização. Nossa ideia é que os alunos percebam e entendam o outro. Afinal, temos que transformar a sociedade e fazemos isso formando a base, por meio da educação;, comenta. A instituição atende 1,1 mil alunos, sendo 83 com algum tipo de deficiência. Trinta e um estudantes enquadrados nesse segundo grupo possuem comprometimento da visão e se revezam como guias no espaço, aberto à participação dos demais.
Seiti Kleffer de Freitas Ono, 22 anos, cursa o sétimo semestre de serviço social na Universidade Católica de Brasília (UCB), mas também frequenta o CEF 4, onde recebe apoio pedagógico em pesquisas e na transcrição de material em braille. O jovem ficou cego aos 4 anos, depois de um tumor no cérebro comprometer o ouvido direito e o nervo ótico. Ele foi um dos guias da equipe de reportagem do Correio pela trilha das sensações, onde tato, olfato e audição são estimulados para compensar a ausência de visão. Para ele, a experiência tem o mérito de proporcionar, por um momento, a vivência de uma realidade diferente.
;Todo mundo sai da sala com a impressão de que o lugar era maior ou que o tempo passava devagar quando estava ali. A partir daí, as pessoas não só passam a nos entender como começam a facilitar a nossa vida;, argumenta Seiti. ;Temos um bom retorno também porque todos reconhecem o nosso esforço. Um dos visitantes chegou a me chamar de guerreiro;, orgulha-se.
A dona de casa Cristiane Cruz da Silva, 38 anos, é mãe de um aluno com deficiência visual. Quando Pedro Henrique Araújo, 17 anos, não está auxiliando quem passeia pelo lugar, ela assume o percurso com os participantes. É a única mãe voluntária da sala das sensações. ;É importante fazer isso não somente aqui, mas em outros lugares de Brasília. As pessoas começam a tratar os deficientes melhor quando passam por essa experiência. O meu filho reclamava muito quando o chamam de ceguinho. Mas, hoje, isso não acontece mais;, comenta. ;Depois que ele começou a ter acompanhamento no Guará, muita coisa mudou. Pedro sofria de depressão, mas começou a perceber a importância da vida;, analisa.
Cristiane emociona-se ao falar das dificuldades enfrentadas pelo filho. Segundo ela, o maior problema é depender da boa vontade dos outros. ;Eu o deixo na parada de ônibus às 16h, mas nunca sei se ele chegará bem em casa. Às vezes, ele retorna às 18h, em outros dias às 21h. Isso porque ele precisa pedir informação para tomar a condução. Quando chega tarde é porque ninguém ajudou;, revela. A mãe conta que, certa vez, Pedro quase foi atropelado. O rapaz chegou a pedir auxílio, mas, depois de muito tempo sem conseguir, desistiu e encarou a pista. ;Ele tentou fazer a travessia sozinho e contou ter sentido o vento dos carros passando pelo seu corpo.;
A professora e especialista em deficiência visual Idalene Apararecida André, 48 anos, afirma que a atividade da sala das sensações ajuda a transformar o comportamento dos alunos. ;Já notamos que os alunos sem deficiência estão dando mais apoio aos outros;, explica. Mas, de uma forma geral, nossos estudantes com alguma limitação são pessoas bem resolvidas que comungam do mesmo espaço dos demais;, completa.
Insegurança ;O mais difícil é a escada. Dá muito medo de cair ao subir os degraus;, contou à reportagem do Correio a aluna do 9; ano Milena Furtado, 14 anos, depois de passar pelos obstáculos. A colega da mesma idade, Emily Nunes, disse mais: ;Você precisa pegar em várias coisas. O mais estranho foram umas bolinhas gelatinosas. Como não sabemos o que é, ficamos sem segurança de apalpar;. Depois de deixarem o espaço, as duas tiraram as vendas e voltaram até a sala a fim de visualizar o percurso. Ambas tiveram a mesma impressão. Imaginaram que o espaço percorrido e a escada que subiram eram maiores.
Para Juliana Rocha, 15 anos, estudante do 9; ano, a experiência foi marcante. ;Eu tenho deficiência física e, muitas vezes, quando falo do meu problema, percebo que as pessoas não entendem. Hoje, ao caminhar com os olhos vendados, entendi o que um cego passa no dia a dia;, comentou. ;Muitas vezes, falta solidariedade, por isso, experiências como essa são importantes;, arrematou. A colega dela, Corina Santiago, 16, ficou assustada durante o trajeto. A jovem contou que faltou coragem para caminhar sobre a plataforma suspensa. ;Subi a escada, mas estava muito apavorada, então, resolvi engatinhar até o outro lado;, relatou.
A seleção de alguns objetos ; folhas secas, espumas, raquetes de pingue-pongue, brinquedos de plástico e pedras ; foi sugestão dos alunos com deficiência visual. Até sexta-feira, quando se comemora o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, o espaço criado no CEF 4 do Guará, localizado na QE 12, estará aberto aos alunos e à comunidade em geral. As atividades na sala de sensações ocorrem das 7h às 12h e das 13h às 18h.
Reflexão A data foi instituída por meio da Lei n; 11.133/2005, por meio de ação do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade). Segundo os idealizadores da iniciativa, o dia representa a possibilidade de reflexão de todos os setores da sociedade sobre o assunto.