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Robótica adaptada ao corpo humano

Pesquisadores da USP avançam na criação de eletrodos feitos de material compatível com o organismo do homem e acionados por sinais de rádio. Os equipamentos podem ajudar no desenvolvimento de próteses movidas pelo pensamento

postado em 11/10/2012 08:00
Pesquisadores da USP avançam na criação de eletrodos feitos de material compatível com o organismo do homem e acionados por sinais de rádio. Os equipamentos podem ajudar no desenvolvimento de próteses movidas pelo pensamentoBelo Horizonte ; Na letra da música Índios, feita na década de 1980, o cantor e compositor Renato Russo, da banda Legião Urbana, tascou a frase: ;E o futuro não é mais como era antigamente;. Passadas mais de duas décadas, o verso continua em pleno uso e o futuro cumpre, fielmente, seu papel, ou seja, ser incerto. No entanto, a força brutal da tecnologia, que se impõe cada vez mais no presente, demonstra que o amanhã se torna, a cada dia, muito mais imprevisível. Bem mais do que imaginou (ou desconstruiu) o cantor. No campo da tecnologia, não é mais possível fazer previsões aproximadas. Para ficar com um exemplo simples, basta lembrar que nos últimos tempos surgiram telefones celulares, smartphones e iPads, equipamentos absolutamente impensáveis poucos anos atrás. Na época em que Russo gravou sua canção, esses aparelhos estavam muito mais para a ficção científica e o desenho animado Os Jetsons do que para a realidade palpável.

Nessa seara, é preciso incluir as pesquisas que aliam a medicina à tecnologia, que a cada dia criam pequenas máquinas a serem acopladas ao corpo humano e, assim, melhorar seu funcionamento. Nos últimos tempos, esses estudos fizeram surgir, por exemplo, inventos como os aparelhos para combater a surdez e o bom e velho marca-passo, ambos já com anos de estrada. No entanto, o desafio atual são os chamados impulsos cerebrais aliados a chips, vistos como possíveis armas no combate a males físicos e de mobilidade. Essa linha de investigação pode dar origem a aparelhos que ajudem, por exemplo, um tetraplégico a mover os braços ou a até mesmo caminhar, a partir da combinação de funções entre neurônios, chips e próteses robóticas.

Não é possível dizer que essa espécie de tecnologia será realidade num futuro próximo. Como também é impossível afirmar que não será. Nesse caminho, pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, buscam desenvolver chips implantáveis (com cerca de 1cm;), que permitam a substituição (ou interação) de partes do corpo por equipamentos eletrônicos com o uso de carbeto de silício (3C-SiC), material que não provoca reações adversas no organismo.

O estudo Projeto e fabricação de chips implantáveis utilizando materiais biocompatíveis para interfaces cibernéticas avançadas é desenvolvido em parceria com a Universidade do Sul da Flórida (USF), nos Estados Unidos, visando ao intercâmbio de cientistas e alunos de graduação na área de biocibernética. Ele é aprovado pelo programa Ciência sem Fronteiras, do governo federal, na categoria visitante especial. As interfaces cérebro-máquina já auxiliam a vida de milhares de deficientes físicos em todo o mundo. Segundo um dos autores do projeto, o professor do ICMC Mario Gazziro, ;na prática, implantes cocleares (auditivos) são usados por cerca de 120 mil pessoas no mundo, além de 80 mil usuários dos implantes conhecidos como ;estimulação profunda do cérebro;, para auxiliar no tratamento do mal de Parkinson e dores crônicas;.

Solução de problemas
Mas o que é mesmo essa tecnologia e como ela funciona no corpo humano? De acordo com Gazziro, embora interfaces cérebro-máquina já sejam utilizadas em diversas áreas da medicina de reabilitação e tratamento, não existe uma solução prática para a interação delas com o córtex-motor. ;Mesmo que diversos cientistas no mundo tenham provado que isso é possível ; incluindo o cientista brasileiro Miguel Nicolelis, professor titular do Departamento de Neurobiologia e codiretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke (EUA) ;, todos enfrentam o problema de biocompatibilidade a longo prazo dos eletrodos, que são os dispositivos que entram em contato com os neurônios;, diz Gazziro. Outro desafio é abrir mão do uso de fios nos projetos e fazer com que eles funcionem por mais tempo dentro do corpo humano. Segundo ele, a proposta desenvolvida na USP São Carlos busca justamente resolver esses três problemas, desenvolvendo uma nova classe de eletrodos.

Gazziro conta que a questão da biocompatibilidade foi solucionada pelo professor Stephen Saddow, da USF, que participa do projeto como visitante. A equipe do norte-americano estudou diversos materiais semicondutores para descobrir que o carbeto de silício tem as propriedades necessárias para o desenvolvimento de uma interface cerebral. Depois de 30 dias de implantação, o 3C-SiC não causou grandes problemas ao tecido neural das cobaias. O material também confere mais tempo de duração ao chips. Já a utilização dos fios está sendo contornada com o desenvolvimento de um sistema que faça os eletrodos funcionarem por meio de sinais de rádio.

O professor Dilvan de Abreu Moreira, do Departamento de Ciências de Computação do ICMC, é o coordenador técnico do projeto. Participam também Carlos Alberto dos Reis Filho, da Universidade Federal do ABC, e Claudius Feger, do Centro de Pesquisas da IBM de São Paulo. A IBM, gigante americana na área de tecnologia, se interessou pelo projeto, pois, se o experimento for um sucesso, será preciso industrializar o processo de fabricação de chips com carbeto de silício. Para Gazziro, a solução do biochip poderá ser usada em esqueletos artificiais feitos de metais resistentes que ampliam a capacidade física de portadores de deficiência. ;Bastará o leitor dos sinais do chip enviar os comandos captados no cérebro para que eles substituam o papel do membro não funcional;, diz.

Com a força da mente

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade de Duke, é autor de alguns dos mais avançados estudos sobre as chamadas interfaces cérebro-máquina. Em junho do ano passado, ele e sua equipe publicaram um artigo na revista Nature no qual comprovaram que macacos que tiveram chips implantados no córtex conseguiram, apenas com a força do pensamento, comandar avatares que apareciam na tela de uma tevê, como num videogame em que o joystick era a mente. Além disso, se o boneco comandado pelas cobaias passasse a mão em algum alvo específico na tela, a máquina enviava impulsos elétricos de volta ao cérebro do animal, que experimentava uma sensação. Nicolelis chamou esse sistema de cérebro-máquina-cérebro. Na ocasião, ele afirmou que planeja usar a tecnologia para construir um exoesqueleto (espécie de armadura) que seria vestido por uma criança paraplégica. Ao comandar esse equipamento com seu cérebro, a criança poderá mover as pernas e dar o pontapé inicial da Copa do Mundo de 2014. E ao tocar a bola, a armadura enviará um sinal para o cérebro da criança, fazendo com que ela sinta o chute.

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