Por quase 2 mil anos, os maias foram os soberanos da América Central. O grupo ocupou regiões do sul do México, da Guatemala, de El Salvador, de Honduras e de Belize desde o ano 1000 a.C., desenvolvendo uma complexa cultura composta por modernas técnicas de agricultura, uma rica arquitetura que incluía pirâmides, além da única forma de escrita desenvolvida na América pré-colombiana. Uma das contribuições para a cultura atual foi um calendário que iniciou a lenda de que o mundo acabará em dezembro deste ano. Pois, para os maias, o fim da linha foi bem mais precoce. A civilização sucumbiu no século 16, primeiro, parcialmente dominada pelo império asteca, que se expandia na região; depois, dizimada pelos espanhóis.
Mas o que teria levado o grupo, dono de tecnologias tão modernas como o sistema de esgoto ; desenvolvido amplamente pela Europa no século 18 ;, a sucumbir frente a outra civilização ainda em fase de expansão? Pesquisadores de vários países acreditam ter encontrado a principal causa: as mudanças climáticas. O artigo de capa da edição de hoje da revista Science mostra que foram alterações na temperatura e no ciclo de chuvas que levaram os maias à crise e ao enfraquecimento, abrindo caminho para a dominação asteca e espanhola.
Como desenvolveram um complexo sistema de escrita, dados históricos sobre a civilização já estavam disponíveis para os cientistas que, com base neles, suspeitavam de que a questão climática pudesse ter tido alguma relação com o declínio maia. Contudo, faltavam indícios físicos. Esses vestígios foram encontrados pelos cientistas na caverna de Yok Balum, na fronteira de Belize com a Guatemala, ao sul da antiga cidade maia de Caracol. Lá, um conjunto de estalagmites guarda registros climáticos desde a pré-história. A velocidade de crescimento e a composição das estalagmites dependem da frequência e da intensidade das chuvas.
De posse desses dados, os cientistas analisaram diversas inscrições nas rochas em todas as cidades maias, dando um olhar especial àquelas relacionadas a guerras e batalhas, criando, assim, um ;índice da guerra;. ;Os textos históricos esculpidos em monumentos de pedra fornecem um rico acervo de guerras, de casamentos, de adesões de reis e rainhas, da captura e do assassinato de guerreiros de grupos concorrentes. Os eventos são incrivelmente bem datados com o calendário maia;, explica Douglas Kennett, da Pennsylvania State University, nos Estados Unidos. ;O fim de uma tradição de escultura em pedra entre os anos 800 e 1000 marca o colapso generalizado da tradição maia clássica;, completa. A atenção especial às informações sobre guerras deve-se ao fato de esses eventos representarem momentos de desestabilização social.
Explosão demográfica
Com as informações climáticas conseguidas na caverna de Yok Balum e do histórico social decifrado nas paredes das construções que ainda resistem aos dias de hoje, os pesquisadores começaram a cruzar os dados e chegaram à conclusão de que dois eventos opostos foram decisivos para o fim da civilização. ;As quantidades anormalmente elevadas de chuvas favoreceram um aumento na produção de alimentos e uma explosão na população entre os anos 450 e 660;, conta o pesquisador norte-americano.
Esse período foi acompanhado por uma quantidade menor de guerras e outros conflitos regionais, demonstrando que, com a ampliação da população, houve um fortalecimento da unidade central do grupo. ;Isso levou à proliferação de cidades como Tikal, Copan e Caracol pelas planícies maias;, completa o pesquisador Douglas Kennett. Apesar de ter possibilitado o auge da civilização, o período de bonança tornou catastrófica a fase que se seguiu.
Os dados climáticos extraídos das pedras da caverna mostram que um seca extremamente severa substituiu o período ;das vacas gordas;. ;A tendência duradoura de quatro séculos foi pontuada por uma série de grandes secas que provocaram um declínio da produtividade agrícola e contribuíram para a fragmentação social e o colapso;, completa o arqueólogo. ;A mais severa estiagem (entre 1020 e 1100) ocorreu após o colapso generalizado do império e pode estar associada ao fato de a população ter diminuído amplamente na região;, completa.
Após a perda do poder central ocasionada por guerras por comida e água, a civilização sofreu com epidemias de fome e de doenças, diminuindo ainda mais a quantidade de habitantes. ;Depois de anos de dificuldades, uma seca quase secular iniciada por volta do ano 1020 selou o destino maia no período clássico;, afirma o especialista James Baldini, outro autor da pesquisa e integrante do Departamento de Ciências da Terra, da Universidade de Durham, no Reino Unido.
Desastre repetido
Os pesquisadores comparam o evento a outra seca ocorrida na região cerca de 500 anos depois. ;Ao longo dos séculos, as cidades sofreram um declínio em suas populações e os reis maias perderam poder e influência;, afirma Douglas Kennett . ;A ligação entre a longa seca do século 16 com as más colheitas, a morte, a fome e a migração para o México fornece um análogo histórico, apoiado pelas amostras de estalagmites da caverna, para a tragédia sociopolítico e para o sofrimento humano experimentado periodicamente pelos maias do período clássico.;
Os especialistas lembram, contudo, que não foi a seca por si só a causadora do colapso da famosa civilização. ;A ascensão e a queda dos maias são um exemplo de como uma civilização sofisticada pode decair quando não tem sucesso ao se adaptar a uma mudança climática;, explica o britânico James Baldini. Assim, a seca só conseguiu eliminar o complexo grupo porque foi antecedida por um período de bonança aliado à despreocupação com questões ambientais. ;Períodos de elevada precipitação aumentaram a produtividade dos sistemas agrícolas, levando a um crescimento da população e a sobrexploração de recursos. O clima progressivamente mais seco, então, levou à desestabilização política e a guerras quando os recursos se esgotaram;, completa.
Pré-colombianos
Os astecas foram uma civilização mesoamericana, pré-colombiana, que floresceu principalmente entre os séculos 14 e 16, onde hoje é o México e o norte da América Central. Donos de uma rica cultura que inclui um grande número de pirâmides que resiste até os dias de hoje, os astecas só foram derrotados e a civilização destruída com a chegada dos conquistadores espanhóis, comandados por Fernando Cortez.
Há descendentes
Os maias nunca desapareceram completamente, mesmo com a sobreposição dos astecas e a chegada dos espanhóis. Atualmente, seus descendentes formam populações consideráveis em toda a área antiga maia e mantêm um conjunto distinto de tradições e crenças que são o resultado da fusão das ideologias pré-colombianas e pós-conquista. Muitas línguas maias continuam a ser faladas como primárias na região.