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Equilíbrio desfeito pelo clima

Estudo mostra que o aquecimento global altera as relações entre as espécies animais. Pesquisadores observam em ilha do Ártico que mudanças na temperatura prejudicam a cadeia alimentar e podem até mesmo modificar a vegetação do local no futuro

Paloma Oliveto
postado em 19/01/2013 08:00

Blocos de gelo flutuam no mar do Ártico: a temperatura da região nunca esteve tão alta, apresentando um incremento de 2,5;C nos verões (Martin Bureau/AFP - 5/6/10)
Blocos de gelo flutuam no mar do Ártico: a temperatura da região nunca esteve tão alta, apresentando um incremento de 2,5;C nos verões

Muito já se descobriu sobre os efeitos das mudanças climáticas sobre o comportamento dos animais ; pássaros buscam novas rotas migratórias, ursos-polares abandonam o hábitat à procura de comida, répteis diminuem o tempo de exposição ao sol, tartarugas macho aumentam o número de ;parceiras; para driblar a ameaça de extinção. Até agora, porém, pouco se sabe sobre a influência das temperaturas extremas na interação entre diferentes espécies. Um estudo publicado na edição de hoje da revista Science mostra como o aquecimento do planeta pode influenciar a dinâmica de uma população inteira.

O alvo da pesquisa foi a Ilha de Spitsbergen, em Svalbard, na Noruega. Os cientistas escolheram o local porque o ecossistema é bastante simples. No rigoroso inverno, apenas quatro espécies se aventuram por lá: a rena selvagem (Rangifer tarandus platyrhynchus), o pássaro lagópode-branco (Lagopus muta hyperborea), o camundongo-do-campo (Microtus levis) e a raposa-do-Ártico (Vulpes lagopus). No verão, pássaros migratórios pousam na ilha e, eventualmente, ursos-polares também a visitam. ;Mas, no geral, os vertebrados residentes são poucos. Como também não há grandes quantidades de roedores endêmicos, como ocorre em outros lugares do Ártico, a cadeia alimentar terrestre de Spitsbergen é mais simples, embora completa, o que a transforma em um ecossistema ideal para estudar a relação entre as espécies;, justifica Brage Hansen, principal autor do estudo e pesquisador do Centro de Conservação Biológica da Universidade de Ciência e Tecnologia da Noruega.

A equipe chefiada por Hansen estudou dados populacionais das quatro espécies relativos às duas últimas décadas (1990 a 2010) e os comparou a eventos climáticos extremos, como tempestades sobre os montes nevados. Esses episódios, cada vez mais comuns, são especialmente prejudiciais aos herbívoros, pois a água congela as plantas e as sementes que eles consomem. Segundo os pesquisadores, é assim que começa a influência sobre a população da ilha.

Apesar de suportarem invernos rigorosos, as renas, os camundongos e os lagópodes-brancos são afetados pela chuva durante a estação do frio. A escassez de alimento ; as três espécies são herbívoras ; faz com que as populações diminuam. ;Uma fina camada de gelo se forma sobre o solo já supercongelado, e quanto mais forte forem as tempestades, mais inacessível fica a vegetação. Os efeitos disso são muitos: os alimentos ficam encapsulados no gelo, dificultando o acesso, e a tundra demora mais a se recuperar. Como consequência, há uma diminuição no número de espécimes das populações de herbívoros, com uma verdadeira mortalidade em massa, principalmente entre filhotes e indivíduos mais velhos, que têm maior dificuldade de se adaptar. Além disso, há uma queda nas taxas de fertilidade;, diz Hansen.

A raposa-do-Ártico, único vertebrado carnívoro da Ilha de Spitsbergen  (Brage Bremset Hansen/Divulgação)
A raposa-do-Ártico, único vertebrado carnívoro da Ilha de Spitsbergen

Raposa
Quem mais se beneficia desse efeito é a raposa selvagem. Carnívora, tem à disposição uma boa quantidade de carniça para se fartar. Os cientistas constataram um aumento da população desse animal no inverno de Spitsbergen. No verão, contudo, o quadro é outro. A temperatura do Ártico nunca esteve tão alta ; houve um incremento de 2,5;C nos verões da década passada. Com isso, a vegetação volta a florir, aumentando o estoque de alimento para os animais herbívoros. Mesmo assim, não há um aumento substancial no número de espécimes.

;Em média, só há sinais de recuperação das populações dois verões depois, porque essas espécies têm baixa taxa de fertilidade;, explica Hansen. Contudo, a oferta de comida evita que os animais morram, diminuindo, desta vez, a fonte de alimento das raposas. Para sobreviver, elas passam a caçar presas das quais, naturalmente, não são predadoras. Os pássaros migratórios, por exemplo, viram alvo da espécie. No futuro, eles poderão, inclusive, evitar a ilha, o que modificaria mais ainda o ambiente ; sabe-se, por exemplo, que as aves transportam sementes, algo importante para a vegetação e, consequentemente, para a alimentação dos herbívoros.

Embora o incremento e a diminuição no número de espécimes sejam algo natural aos ecossistemas, a equipe constatou que, em Spitsbergen, as flutuações populacionais sofreram mudanças extremas ao longo dos últimos 20 anos. Hansen destaca que essas alterações durante o estudo estão diretamente ligadas às mudanças climáticas, principalmente ao aumento de tempestades de inverno. É um efeito cascata que tende a piorar. ;Muitas pesquisas indicam que os eventos extremos no Ártico, seja o derretimento anormal do gelo no verão, seja a brutalidade das tempestades no inverno, estão cada vez mais dramáticos. Nosso estudo é uma pequena amostra do que as mudanças climáticas estão fazendo nos ecossistemas e um alerta de que a situação pode ficar mais grave no futuro;, alerta.

O excesso de chuvas no inverno prejudica a alimentação das renas (Nicolas Lecomte/Norwegian Polar Institute/Divulgação)
O excesso de chuvas no inverno prejudica a alimentação das renas

Vulneráveis
O ecólogo Niel Schmidt, especialista em mudanças climáticas da Universidade de Aahus, na Dinamarca, lembra que as alterações na temperatura do Ártico já colocam em risco alguns mamíferos mais vulneráveis. ;O aquecimento da região é maior do que o do restante do planeta e isso resultou em mudanças dramáticas na performance e na distribuição de espécies. Esse impacto nas flutuações populacionais pode levar, inclusive, à extinção de espécies inteiras, que dependem da cadeia alimentar da tundra;, afirma.

Um exemplo são as populações dos lêmingues, pequenos roedores do Ártico. Esse animal, que desempenha um papel fundamental no ecossistema da tundra, foi estudado por Schmidt recentemente. ;Na cadeia alimentar do Ártico, os lêmingues estão na base da pirâmide alimentar. Em alguns locais, porém, os ciclos de reprodução desse roedor já foram alterados e isso com certeza tem um impacto sobre seus predadores;, diz. Segundo Schmidt, a escassez de pesquisas como a de Brage Hansen, que monitoram o número de indivíduos e relacionam as taxas de crescimento ou diminuição populacional com outras espécies, impede um conhecimento mais aprofundado do ecossistema do Ártico. ;Mas é claro que se uma presa é extinta, seus predadores também sofrerão consequências graves;, lembra.

Segundo o cientista Christer Nilsson, do Departamento de Ciências Ecológicas e Ambientais da Universidade de Umea, na Suécia, se os modelos de previsão climática traçados até 2080 estiverem corretos, é quase certo que animais endêmicos do Ártico, principalmente das ilhas, serão prejudicados. Nilsson, que publicou um artigo sobre o assunto na revista Plos ONE, afirma que, no caso de redistribuição geográfica impulsionada pelas mudanças climáticas, os animais que vivem nas porções continentais do Ártico poderão até se adaptar e se expandir. ;Nos arquipélagos, contudo, isso é quase impossível. Acho que é muito improvável que espécies típicas de climas extremamente frios, como as raposas e os lêmingues, consigam sobreviver.;

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