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Conexões reveladas ainda no útero

Por meio de exames de ressonância magnética funcional, pesquisadores identificaram o início da comunicação entre os neurônios. Falhas nesses circuitos podem desencadear problemas como o Alzheimer e o autismo

Paloma Oliveto
postado em 22/02/2013 08:00
Assim como malformações em órgãos e membros se desenvolvem quando o feto ainda está dentro do útero, problemas neurológicos como transtornos de espectro autista, epilepsia e distúrbio do deficit de atenção podem ser resultado de um amadurecimento inadequado do cérebro antes do nascimento. Há algum tempo, os cientistas desconfiam disso, mas apenas na teoria. Agora, uma tecnologia descrita na revista Science Translational Medicine mostra que é possível acompanhar as conexões feitas entre os neurônios humanos na fase fetal. A expectativa dos pesquisadores é mapear precocemente a atividade cerebral para descobrir quando e como síndromes e doenças neurológicas emergem.

O cérebro é composto por numerosas e diferentes redes, como a visual e a motora, e, por elas, circulam sinais elétricos constantemente. ;Estamos vendo a intensificação de estudos que se concentram no funcionamento dessas redes porque já sabemos que interrupções na comunicação dos grupos de neurônios estão diretamente relacionadas às principais doenças que afetam o cérebro, incluindo esquizofrenia, Alzheimer, depressão e hiperatividade. Exames de imagem mais sofisticados e sensíveis conseguem fazer essa associação;, explica Christopher Pawela, pesquisador da Faculdade de Medicina de Wisconsin e editor da revista científica Brain Connectivity.

Mas, se na idade adulta as redes já estão em pleno funcionamento, na infância elas ainda se encontram em processo de formação. ;Em crianças, as redes trabalham para começar a se conectar. Os sinais de comunicação e conexão são mais fracos e viajam a distâncias mais curtas. Ao estudá-los no cérebro de fetos humanos saudáveis, fomos capazes de, pela primeira vez, observar e medir a formação dessas redes no início da vida;, afirma Moriah E. Thomason, professora de pediatria da Universidade Estadual de Wayne e principal autora do estudo, feito em parceria com o Departamento de Pesquisa Perinatal dos Institutos Nacionais de Saúde Mental dos EUA.

Para a pesquisa, os cientistas fizeram exames de ressonância magnética funcional no útero de 25 mulheres que estavam entre a 24; e a 38; semana de gestação, sem problemas de saúde preexistente. Em tempo real, a equipe de Thomason conseguiu visualizar a comunicação dos sinais que aconteciam entre diferentes partes do cérebro. O procedimento é realizado de forma convencional: a pessoa se deita na cabine, enquanto o médico obtém as imagens em um monitor. Não há emissão radioativa, por isso o exame é considerado seguro para gestantes.

No caso da pesquisa, o que mudou foi a maneira de coletar os dados. Enquanto o procedimento tradicional avalia a ativação em resposta a estímulos, a ressonância magnética em estado de repouso mede a força das conexões funcionais que acontecem entre diferentes regiões e hemisférios cerebrais espontaneamente. ;Podemos ver como, ao longo do tempo, o quão forte estão os sinais elétricos em áreas remotas do cérebro. Dessa forma, conseguimos determinar a arquitetura funcional das redes cerebrais em desenvolvimento, no começo da vida, sem que o indivíduo que está sendo estudado precise fazer qualquer tipo de atividade. Os sinais em estado de repouso podem ser medidos enquanto a pessoa está dormindo ou acordada, o que faz dessa técnica a ideal para o estudo do período fetal;, explica Thomason.

Mapeamento
Ao fim do estudo, os pesquisadores construíram um mapa da atividade de conexões cerebrais nas 42 regiões examinadas. Dessas, 20 já exibem algum tipo de troca elétrica entre os dois hemisférios na fase fetal. Para os cientistas, as demais devem se fortalecer poucas semanas antes do nascimento. Por outro lado, as imagens também mostraram que a comunicação entre as redes já é bastante ativa quando se analisa cada região separadamente. De acordo com Thomason, os próximos passos são definir a ordem e a época em que as redes são formadas e comparar os dados aos de fetos que correm o risco de nascer com doenças neurológicas, seja porque as mães são portadoras de condições médicas que facilitam o surgimento dessas moléstias, seja por terem sido expostos a drogas e substâncias químicas que podem desencadeá-las.

A pediatra explica que, quando todas as informações estiverem disponíveis, será possível identificar o desenvolvimento anormal precocemente. Ela diz, contudo, que não há como saber se, no futuro, o mapeamento das conexão na fase uterina poderá fazer com que as redes defeituosas sejam ;consertadas;, o que significaria a cura das doenças. ;Nós entendemos que, quanto mais cedo a intervenção, melhores os prognósticos para as crianças e para suas famílias. Mas ainda estamos longe de saber como fazer isso;, reconhece.

Thomason espera, porém, que o resultado do trabalho ajude a endereçar novas terapias-alvo, baseadas na melhor compreensão da natureza das doenças neurológicas. ;Embora seja cedo para esse estudo ter uma aplicação clínica direta, ele aumenta o entendimento a respeito do desenvolvimento estrutural das redes cerebrais. Ao se aprofundar as pesquisas, realmente talvez seja possível encontrar tratamentos mais eficazes para pacientes que sofrem de doenças como epilepsia e autismo;, concorda Sreedevi Varier, cientista da Universidade de Newcastle que estuda, em modelos animais, a construção das conexões neurais durante a infância.

Para Moriah E. Thomason, outro passo importante para enfrentar os males que afetam o desenvolvimento do cérebro será o investimento que o governo Barack Obama fará em um ambicioso projeto que pretende mapear todas as atividades do cérebro, neurônio a neurônio. No início da semana, o jornal The New York Times informou que o presidente vai anunciar, em março, o financiamento das pesquisas, que deverão ter o mesmo peso do Projeto Genoma, consórcio que identificou o sequenciamento dos genes humanos. ;O estudo no qual o governo quer investir está diretamente ligado ao que fizemos, já que ambos pegam o que a ciência tem de melhor a oferecer e aplicam essas ferramentas para mapear objetivamente as conexões do cérebro em uma escala global;, acredita.

"Ao se aprofundar as pesquisas, realmente talvez seja possível encontrar tratamentos mais eficazes para pacientes que sofrem de doenças como epilepsia e autismo;

Sreedevi Varier,
cientista da Universidade de Newcastle

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