Como o organismo humano se comporta no espaço é motivo de interesse para especialistas há alguns anos. Médicos já notaram que astronautas voltam ao planeta vulneráveis a infecções e demoram mais que o normal para cicatrizar feridas. Entender de que maneira um período longe da Terra afeta o corpo se mostra ainda mais importante agora em que há planos de enviar, em algumas décadas, uma missão tripulada à Marte.
Para obter novas informações sobre o tema, um grupo de pesquisadores ligados ao Exército dos Estados Unidos aproveitou a missão final do Atlantis, que durou 13 dias, para realizar um experimento espacial com conjunto de células endoteliais, responsáveis por revestir os vasos circulatórios, mantendo-os íntegros. Com a ajuda dos quatro astronautas que integraram a missão, os cientistas observaram como esse material reagiu a um ataque de toxinas no ambiente da ISS.
Nos primeiros seis dias, as células foram só observadas. Notou-se, então, que elas apresentaram mudanças parecidas com as identificadas em quadros de disfunção do sistema imunológico. No sétimo dia, elas foram expostas a lipopolissacarídeos (LPS), um tipo de endotoxina presente nas chamadas bactérias gram-negativas, envolvidas em quadro de sepse (infecção generalizada).
Ao entrar em contato com a toxina, as células não se mostraram capazes de reagir adequadamente. ;Elas não responderam muito bem;, diz, em um comunicado à imprensa, Marti Jett, diretora do Programa de Biologia dos Sistemas Integrativos do Comando Médico do Exército dos Estados Unidos. Segundo ela, as células endoteliais estavam tão ocupadas lidando com a situação da gravidade que elas mal podiam lutar contra o inimigo.
Na guerra
Quando tiveram a chance de analisar com atenção o conjunto de células enviadas à ISS, os especialistas logo se lembraram de um experimento que haviam realizado anteriormente com equipes de rangers, a tropa de elite do Exército americano. Nesse primeiro estudo, os cientistas colheram amostras de sangue de integrantes das forças especiais no começo, no meio e no fim do intenso treinamento a que são submetidos. Depois, expuseram o material a patógenos para verificar se condições de batalha afetam a resposta do sistema de defesa do organismo.
;Nós descobrimos que as amostras não estavam respondendo nada bem. Vimos que o sistema imunológico é afetado pelo estresse de ser um ranger. Quando adicionamos, em diferentes testes, cada patógeno ; vírus, bactéria e toxina ;, a defesa não reagiu;, conta Jett. ;E nós observamos algo muito semelhante nas células enviadas ao espaço. Quando expostas ao LPS, elas até reagiram, mas certamente não da mesma forma que células iguais reagem na Terra;, completa a cientista.
Ficou claro para a equipe que, no material enviado ao espaço, houve redução na ativação de respostas imunes. A gravidade reduzida também afetou o funcionamento de genes ligados à artrite reumatoide, ao crescimento de tumores e à cicatrização de feridas. Os resultados sugerem que a microgravidade aumenta o risco de diferentes problemas de saúde, incluindo degeneração neurológica, como o mal de Alzheimer. O grupo de especialistas afirma ainda que a semelhança de resultados nos dois experimentos ; com rangers e na ISS ; leva a crer que pessoas que vivem em situações muito estressantes, como os trabalhadores do mercado financeiro, podem ter o sistema de defesa do organismo afetado de maneira semelhante.
O grupo de pesquisa acrescenta que decidiu trabalhar com a toxina LPS também para obter mais dados sobre a bactéria gram-negativa, que, se não tratada adequadamente, pode causar infecção generalizada. ;Todo ano, casos de sepse severa afetam 750 mil americanos. Estima-se que entre 28% e 50% desses pacientes morrem, bem mais que o número de mortes nos Estados Unidos por Aids, câncer de próstata e de mama combinados;, compara Rasha Hammamieh, coautora do trabalho. Segundo ela, o estudo pode colaborar para o entendimento e desenvolvimento de formas de diagnosticar quadros de infecção generalizada.