Roberta Machado
postado em 24/05/2013 18:00
April e Bryan Gionfriddo jantavam em um restaurante quando seu bebê recém-nascido parou de respirar. Kaiba, que tinha apenas 6 semanas de idade, foi levado às pressas para o hospital. O episódio foi o primeiro de uma série de ataques que ameaçariam diariamente a vida da criança. ;Ele veio para casa e, dois dias depois, acabou ficando azul de novo. E rezamos todas as noites, esperando que ele sobrevivesse;, conta April.Kaiba sofria de traqueomalácia severa, uma condição que acomete uma em cada 2,2 mil crianças. Por ter nascido com a traqueia muito flácida, a via respiratória do bebê acabou se fechando e impedindo a saída de ar dos pulmões. O menino acabou sedado e internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), recebendo ventilação por um tubo de traqueostomia.
Sem saber a quem recorrer, os médicos de Kaiba recomendaram à família, moradora de Ohio, nos Estados Unidos, que procurassem a Universidade de Michigan, onde uma nova pesquisa talvez pudesse salvar o garoto. ;Naquele ponto, acho que estávamos realmente desesperados;, desabafa a mãe. A solução proposta era diferente de todas as opções consideradas pela família até então: os médicos da universidade decidiram produzir uma prótese traqueal personalizada com a ajuda de uma impressora 3D.
Depois de obterem uma autorização de emergência da FDA, a agência de regulamentação norte-americana de medicamentos, os médicos usaram exames de tomografia computadorizada para gerar um modelo em três dimensões da traqueia. ;Basicamente, adaptamos o tamanho da tala para o segmento das vias aéreas que estavam danificadas. Quando estávamos satisfeitos com o tamanho, usamos o modelo na impressora 3D;, explica Scott Hollister, professor de engenharia biomédica na universidade.
Um programa de computador planejou a construção da tala em segmentos bastante finos, que foram produzidos um a um em uma base de polímero. A cada fatia impressa, um laser fundia o pó no formato programado, gradativamente dando forma à prótese. Os pesquisadores decidiram fazer uma centena de variações do desenho original para garantir que ao menos uma das opções fosse perfeita para a traqueia de Kaiba. Sem a impressão 3D, isso seria impossível. ;Teríamos de fazer um molde de injeção e pegar o polímero para injetá-lo sob altas temperatura e pressão em um molde. Para cada variação, teria de haver um molde diferente;, compara o engenheiro.
O caso foi divulgado na última edição do New England Journal of Medicine e pode revolucionar o tratamento de crianças com problemas como o de Kaiba. ;Tínhamos um modelo e conseguimos ver como os brônquios eram no exame. Então, projetamos a prótese certos de que ela caberia. Por isso, a implantação foi muito rápida;, avalia Glenn Green, professor de otorrinolaringologia na Universidade de Michigan. Depois da operação, Kaiba continuou respirando com a ajuda de aparelhos por mais alguns dias, até adquirir autonomia e poder ir para casa.
A prótese foi fabricada com o polímero policaprolactona (PCL), que é naturalmente absorvido pelo corpo. Estima-se que a peça termine de se dissolver em três anos, quando a traqueia de Kaiba já terá se corrigido com o crescimento.
Aplicações diversas
De acordo com Green, a prótese de impressão 3D é segura e rápida, além de custar um terço do preço do procedimento tradicional. ;Quando uma criança tiver problemas em respirar, poderemos fazer o exame e ter a prótese pronta em um dia;, estima o médico. Até então, os especialistas da universidade norte-americana só haviam trabalhado com a impressão 3D para a produção de modelos pré-cliínicos. As máquinas produziam cópias de orelhas, narizes e ossos, que eram usados como referência para a reconstrução das estruturas reais.
Mas a técnica tem sido cada vez mais adotada para a produção de diversos tipos de próteses biorreabsorvíveis, ou mesmo moldes usados para a engenharia de tecidos. Na Universidade de Campinas (Unicamp), a impressão em três dimensões ajuda a criar estruturas em que tecidos são reconstruídos na medida ideal para o paciente. ;Montamos com pele, gordura, tudo. Você molda o que está faltando na pessoa, como um pedacinho da orelha, e coloca num recipiente com células da pessoa. O tecido começa a crescer naquele molde e o material vai desmanchando até ser substituído pelo tecido natural;, explica Cecília Zavaglia, professora do Departamento de Materiais do curso de engenharia mecânica.
Com o apoio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), a universidade tem estudado a biofabricação de tecidos vivos e também de próteses de traqueia semelhante à que beneficiou Kaiba, mas própria para adultos. Para a especialista, o uso de modelos computadorizados para a produção de tecidos e peças de polímero já é uma tendência mundial. ;Eu trabalhei sempre com impressão 3D, mas conheço pessoas que faziam na mão, um trabalho que precisava ser muito intuitivo. Com a tecnologia 3D, fica muito melhor, um produto de qualidade;, destaca Zavaglia.