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Identificação certeira

Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) criam um kit de reconhecimento humano mais adequado para as características genéticas dos brasileiros. A técnica também pode simplificar o trabalho dos médicos-legistas em grandes tragédias

postado em 17/06/2013 18:00
Além do sofrimento de perder alguém próximo em uma tragédia ; um incêndio ou um acidente aéreo, por exemplo ;, famílias enfrentam a angústia de esperar pela identificação do parente morto, já que os tradicionais testes de DNA podem ter o resultado demorado. Para simplificar o processo e torná-lo menos doloroso, pesquisadores de universidades brasileiras criaram um kit de identificação baseado em uma tecnologia que agiliza o processo de reconhecimento de corpos. Outro avanço é que a técnica é voltada para povos com alto grau de miscigenação, como os brasileiros.

A tecnologia foi desenvolvida pela farmacêutica Greiciane Paneto na época em que ela fazia o doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp, sob orientação da professora Regina Maria Barretto Cicarelli. A técnica permite a identificação de amostras degradadas ou com pequena quantidade de material genético, como fragmentos de cabelo sem raiz e amostras parcialmente carbonizadas. ;O Brasil importa a maioria dos kits para análise de DNA. Já passou da hora de investirmos e desenvolvermos os nossos, voltados para as características intrínsecas de nossa população;, defende Paneto, atualmente professora do Departamento de Farmácia da Universidade Federal do Espírito Santo.

A identificação genética de um indivíduo está baseada na combinação de diversos marcadores herdados dos progenitores. No caso do Brasil, como a população é muito miscigenada, a caracterização genotípica fica ainda mais complexa. O novo kit funciona com a extração de qualquer amostra biológica humana contendo no mínimo 10 picogramas de DNA. Diferentemente dos exames tradicionais, é avaliado o DNA mitocondrial, que é herdado apenas da mãe. ;É necessário informar quais indivíduos com vínculo materno, por exemplo, irmãos da mesma mãe, não são diferenciados com esse kit, visto que o DNA mitocondrial é passado da mãe para os filhos sem modificação;, explica Paneto.

Para a identificação, os pequenos fragmentos são amplificados a fim de que seja possível a visualização por meio de uma reação em cadeia de polimerase (veja infográfico). ;Utilizando um minissequenciamento, 42 polimorfismos do tipo SNP (no qual uma única base do DNA está alterada entre os indivíduos) são analisados. O resultado do exame mostra 42 SNPs para cada indivíduo analisado, permitindo a identificação dele, na maioria dos casos;, explica a pesquisadora.

Casos extremos
Para Mariano Gustavo Zalis, geneticista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o kit será útil em tragédias de grandes proporções, situações em que é bastante difícil identificar as vítimas em decorrência do estado dos corpos. ;Não é o caso do nosso país, mas, fora daqui, vemos explosões de bombas, atentados terroristas, situações em que os corpos são despedaçados e você precisa juntar os pedaços para identificar (as vítimas). Esse tipo de exame evita um transtorno enorme para uma família que aguarda (respostas) para fazer o enterro;, explica, sinalizando que a tecnologia brasileira pode ser útil também para outros países.

Zalis avalia que a tecnologia executada por Paneto é baseada em um recurso interessante, o DNA mitocondrial. ;Diferentemente de outros kits, esse utiliza o DNA mitocondrial, que só a mãe passa para os filhos, porque ele fica no óvulo. Todas as mulheres de uma mesma família têm o mesmo DNA mitocondrial e você pode traçar famílias de muitas mulheres (com ele). Irmãos de uma mesma mãe têm o mesmo DNA mitocondrial, o que eles não conseguem é transmitir;, explica.

Zalis também destaca outras diferenças do kit da Unesp. ;Nesse caso, eles não utilizam microssatélites (marcador genético em estudos de parentesco encontrados no genoma), uma ferramenta comum nesse tipo de procedimento. No kit, temos algo mais simples, pois você extrai o DNA e somente amplifica aquela região. Acho que as duas formas são importantes. Essa do DNA mitocondrial seria para casos mais difíceis, corpos muito carbonizados, por exemplo; declara.

Paneto também destaca a importância do kit em situações mais críticas de reconhecimento de vítimas. ;A identificação humana deve ser realizada inicialmente com a análise do DNA nuclear (que possui informações da mãe e do pai). Somente nos casos em que não é possível a identificação pelo DNA nuclear é que utilizamos o DNA mitocondrial. Acredito que o kit possa ajudar em qualquer caso difícil, com corpos carbonizados ou amostras sem o DNA nuclear;, destaca.

A eficácia da nova tecnologia foi validada em 160 amostras de sangue da população brasileira. Segundo Paneto, o projeto será patenteado em breve. ;O pedido já foi depositado no Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial). Estamos aguardando apenas a concessão e o interesse de alguma empresa em comprar a patente para produção do kit. O custo ainda é elevado, visto que a maioria dos reagentes utilizados é importada, mas temos novos projetos para melhorar e desenvolver métodos;, declara.

Troca de ideias

Greiciane Paneto fez o doutorado com foco na análise dos polimorfismos no DNA mitocondrial ; as diferenças entre o DNA dos indivíduos que permitem a identificação de uma pessoa ; colhidos de amostras da população brasileira. Ao participar de um congresso médico, ela conversou com o cientista Stephan Kohnemann, da Universidade de Munster, na Alemanha, sobre o projeto. ;Ele me contou que, lá, eles padronizaram uma reação para identificação de indivíduos específica para os alemães. Vários outros ;kits; já haviam sido relatados, mas sempre estavam voltados para populações europeias ou não miscigenadas;, lembra. Da conversa, surgiu a ideia de fazer um kit para ser aplicado em amostras de indivíduos brasileiros.

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