Ensino_EducacaoBasica

Gordura para tratar o diabetes

Pesquisa brasileira pretende extrair células-tronco do tecido adiposo para, em laboratório, identificar aquelas que produzem insulina. O estudo pode ajudar pacientes a controlar melhor a glicemia

postado em 24/06/2013 18:00
Belo Horizonte ; Na indesejada gordura retirada em uma cirurgia de lipoaspiração pode estar a cura para uma doença que atinge mais de 12 milhões de brasileiros: o diabetes. O caminho, porém, depende de muita pesquisa, e uma delas será feita pela Fundação Ezequiel Dias (Funed), em Minas Gerais. Um laboratório está sendo montado para receber equipamento capaz de extrair células-tronco do tecido adiposo. A máquina vai ser instalada no Hospital Vila da Serra, e o excedente de células-tronco será repassado para a fundação desenvolver o estudo.

A diretora de Pesquisa da Funed, Esther Margarida Bastos, diz que, inicialmente, o trabalho vai ter foco na terapia definitiva para o diabetes. ;Essa doença faz mais vítimas que o câncer de mama e o HIV juntos, mas também pretendemos tratar outras patologias no futuro.; O objetivo, segundo Bastos, é que, com a validação do laboratório, as descobertas possam ser usadas para tratamentos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo a pesquisadora responsável pelo projeto, Alessandra Matavel, quando a célula-tronco é colocada de volta no tecido, outras iguais são geradas. Porém, no caso do diabetes, se o material for injetado no pâncreas (lesado pela doença), pode surgir uma pancreatite. ;A ideia é fazer uma diferenciação in vitro para as células produtoras de insulina;, comenta Matavel. O estudo será iniciado com ratos, e o objetivo é testar se as células-tronco conseguem controlar a glicemia (nível de açúcar no sangue).

De acordo com a pesquisadora, células-tronco do tecido adiposo podem ser encontradas em qualquer fase da vida, e seu uso não está associado a questões éticas e religiosas. Outra vantagem é que o procedimento pode ser autólogo, ou seja, são usadas estruturas do próprio paciente. ;Elas podem ser facilmente retiradas do corpo, por meio de lipoaspiração ou cirurgia abdominal, sendo imediatamente disponíveis para utilização no próprio paciente ou para a diferenciação in vitro;, destaca. Segundo ela, estudos também demonstram que essas células são capazes de inibir o processo de rejeição pelo organismo, além de modular o processo inflamatório, propiciando uma melhor cicatrização.

Doutora em bioquímica e pós-doutora em pesquisas com células embrionárias, Alessandra Matavel detalha que as células-tronco ainda não são usadas no tratamento de diabetes. ;Precisamos de um ponto de partida e acredito que o diabetes é uma das doenças crônicas que mais oneram o SUS;, acredita. O tratamento convencional com injeção de insulina demanda seu uso pelo resto da vida, e a alternativa do transplante de ilhotas encontra barreiras na escassez de doadores e na utilização de imunossupressores para evitar o risco de rejeição.

;O tratamento com células-tronco do próprio paciente, transformadas em ilhotas produtoras de insulina e com nenhum risco de rejeição, aumentaria enormemente a qualidade de vida dessas pessoas, além de reduzir o custo para o sistema de saúde. Seria uma terapia definitiva;, afirma Matavel.

O projeto conta com o apoio do Hospital Vila da Serra, do Banco do Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais (BDMG) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). A empresa GID Brasil vai fornecer para a Funed os equipamentos de laboratório para a realização das pesquisas. As células serão retiradas e processadas no Vila da Serra por meio de uma cirurgia de lipoaspiração; em seguida, o material será encaminhado para a Funed, onde será realizado o processo de caracterização e diferenciação em células produtoras de insulina.

Segundo Esther Bastos, a plataforma que será disponibilizada já é usada em outros países para terapias de reconstrução corporal pós-trauma ou câncer, para cicatrizar feridas complexas causadas por diabetes e radioterapias, queimaduras, artrites e rejuvenescimento, entre outros procedimentos. O diretor médico da GID Brasil, Sérgio Duval de Barros Vieira, destaca que a gordura é um dos maiores reservatórios de células-tronco do organismo, e que, de acordo com estudos já realizados no exterior, 1g do tecido produz aproximadamente 250 mil células, quantidade muito superior ao número isolado a partir de outras fontes do corpo humano. ;Aproximadamente, 220 mil cirurgias estéticas de lipoaspiração são realizadas no Brasil a cada ano, produzindo rotineiramente grandes volumes de valiosos tecidos;, cita.

Palavra de especialista

Cuidados éticos


;Toda pesquisa que envolve ser humano precisa de alto conhecimento de quem está envolvido. É preciso que haja a assinatura de um termo de consentimento esclarecido. A pessoa precisa saber qual é o objetivo da pesquisa e não pode existir a possibilidade de que tenha uma finalidade negativa. A regra é que o paciente conheça todos os detalhes do procedimento. A expectativa em estudos com células-tronco é grande, e muitas pessoas pensam que vai ocorrer um milagre. É preciso passar muita informação. Os cuidados não inviabilizam a pesquisa e são fundamentais para o desenvolvimento da ciência.;

João Batista Gomes Soares,
presidente do Conselho Regional de Medicina/MG

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação