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HQs da era digital

Os gibis chegam a computadores e tablets unindo ilustrações, efeitos sonoros e recursos interativos. Usado há alguns anos por artistas independentes, o novo formato passa a ser explorado agora pela gigante DC Comics, em histórias do Batman

postado em 26/06/2013 18:00

Baseado em um videogame, Batman: Arkham Origins será a primeira história a usar a plataforma DC2 Multiverse, que permite ao leitor escolher os próximos passos dos personagens (DC Entertainment/Divulgação)
Baseado em um videogame, Batman: Arkham Origins será a primeira história a usar a plataforma DC2 Multiverse, que permite ao leitor escolher os próximos passos dos personagens


Desde que os heróis dos quadrinhos ganharam vida nas telas de cinema, nos videogames ou nas animações feitas para a televisão, as páginas de papel do velho gibi passaram a ter a sobrevivência questionada. Por um tempo, pensou-se que as novas gerações trocariam a leitura e os desenhos estáticos no papel pelo som e pelo movimento. Mas a reação vem na tela do tablet e do computador, onde antigos e novos enredos das HQs ganham um formato híbrido de narrativa interativa, que reúne diversas ferramentas do entretenimento digital.

Quem estava acostumado a ver Batman como uma figura imóvel, por exemplo, pode se impressionar com as novas histórias do Cavaleiro das Trevas lançadas pela DC Entertainment. O personagem foi escolhido como primeiro protagonista das novas plataformas digitais da empresa, que também é responsável por heróis como Super-Homem, Flash e Mulher Maravilha. O Homem Morcego, que já tem antigas aventuras em formato digital disponível pela internet, agora deve ganhar movimento no formato DC2, cujo ritmo é ditado pelo leitor. Em Batman ;66, por exemplo, a cada clique do leitor, balões, onomatopeias e até mesmo efeitos sonoros surgem e dão às ilustrações o clima da série de tevê dos anos 1960.

Em contraste com a comédia de estilo retrô, a história obscura de Batman: Arkham Origins, baseada no realista videogame homônimo, será a primeira a usar a plataforma DC2 Multiverse, que permite ao leitores escolher diferentes destinos para os personagens. Cada capítulo deve resultar em dezenas de finais possíveis, oferecendo novas formas de ler a história a cada vez. ;Vamos receber feedback baseado em como os leitores navegam por essas histórias, e quais ramos da história são mais atraentes para eles. Isso nos dará uma base para criarmos novos capítulos para a narrativa multiverse;, adiantou Jim Lee, editor da DC na abertura da exposição O futuro da narrativa, em Nova York.

Bottom of the ninth é descrita pelo autor,  Ryan Woodward, como
Bottom of the ninth é descrita pelo autor, Ryan Woodward, como "a primeira graphic novel animada"


Tendência
Usar a tecnologia para criar uma relação entre os leitores, as telas e os próprios roteiristas é um caminho esperado para a DC. Desde que a editora passou a disponibilizar as edições digitais simultaneamente às revistas de papel, as vendas dos dois formatos se multiplicaram, o que levou a empresa a criar histórias especialmente para leitura em meios eletrônicos, quase sempre baseadas em tramas de outras mídias, como televisão ou games.

A tendência digital só chegou agora às histórias de personagens famosos, mas artistas independentes já brincam com as ferramentas da web há algum tempo. Em 2008, o universo cyperpunk de Nawlz ; quadrinho digital criado pelo ilustrador australiano Stuart Campbell, conhecido simplesmente como Sutu ; combinou animação, efeitos sonoros e textos numa história que usa um formato panorâmico e não linear para misturar realidades virtuais. A história sobre experiências sensoriais ganhou uma segunda temporada e foi adaptada para o iPad em 2011, aproveitando a tela sensível ao toque para tornar a experiência de leitura ainda mais natural.

Graças aos efeitos digitais, é possível misturar a visão colorida do protagonista com a realidade fria do futuro imaginado por Sutu. ;Tenho certeza de que um escritor criativo poderia usar palavras no papel para contar uma história como Nawlz, mas a experiência seria muito diferente da digital. Ele (o personagem) está projetando imagem, animação e som, portanto a mídia digital usada é tão relevante para a trama e seu protagonista quanto é para o leitor;, avalia o autor da história premiada.

A narrativa começa a se desenrolar normalmente da esquerda para a direita, mas pode voltar atrás em uma cena de flashback, ou ganhar uma nova dimensão na descrição de um sonho, com uma variedade de efeitos que dão nova vida às ilustrações. ;O leitor sabe que deve clicar, mas não sabe o que vai acontecer quando fizer isso. A interatividade pode aumentar a antecipação e motivar o leitor a continuar;, aponta o autor, que também assinou outras duas histórias digitais. Na ficção científica para crianças Neomad, animação, ilustrações, música e cenas reais dividem o mesmo espaço. Já na história de fantasia Warlu Song, é possível trocar a linguagem da narrativa entre o inglês e o idioma aborígene australiano.

Lançada em 2008, a premiada Nawlz,  do ilustrador australiano Stuart Campbell, combinou animação, efeitos sonoros e textos   (Stuar Campbell/Divulgação)
Lançada em 2008, a premiada Nawlz, do ilustrador australiano Stuart Campbell, combinou animação, efeitos sonoros e textos


Mistura moderna
Classificar obras que misturam artes gráficas e efeitos digitais ainda é um desafio. Enquanto algumas dão destaque para a participação do leitor, outras transformam os quadros em pequenos filmes independentes. É o caso de Bottom of the ninth, descrita pelo autor Ryan Woodward como ;a primeira graphic novel animada;. O belo aplicativo para iPad usa cenas de duas e três dimensões para contar a história da jogadora de baseball Candy Cunningham, num futuro que ilustra, em tom sépia, inovações tecnológicas do ano 2172. O traço pode parecer familiar aos brasileiros, já que o artista é responsável pela abertura de desenho coreografado da novela Amor à vida.

Os personagens também ganharam voz própria nos balões dublados, além de cenários com efeitos sonoros e trilha musical original. A história parece ganhar consciência própria e usar os quadrinhos como desculpa estilística nesse formato que mais lembra uma mistura de filme e videogame.

Mais complexo ainda de descrever é Infex, outro app que incorpora vídeos, textos e elementos ocultos numa história de ficção científica e suspense. A narrativa digital tem diversas dimensões, que permitem acompanhar a trama por diferentes ângulos e sob a perspectiva de vários personagens, além de acessar documentos e outros materiais que dão apoio ao enredo. Os quadros podem ser acionados em qualquer ordem, ou dar lugar a animações de tela inteira. ;Infex permite que as pessoas o vivenciem à sua própria maneira, e que elas sejam apresentadas ao conteúdo de uma forma muito única, não tão simples quanto um livro ou um filme, ou uma experiência passiva ou interativa. É uma combinação disso tudo;, tenta explicar o criador Keith Arem, em um vídeo no site do projeto.

Movimento brasileiro
Para o roteirista Yves Santaella Briquet, o excesso de elementos multimídia pode afastar demais a história do visual esperado de uma história em quadrinhos. ;Na minha concepção, não é mais motion comics, é uma animação. E deixa a pessoa frustrada, porque ferramentas como o HTML5 têm muitas limitações, deixam a animação meio dura. E se a leitura é transformada em algo muito interativo, vira um aplicativo para brincar, e o leitor não consegue imergir na história;, critica. Briquet coordenou a nova motion comic brasileira Mascate, um conto de terror ambientado em São Paulo.

Na trama, o anti-herói Marco precisa sobreviver numa realidade afetada por misteriosas crateras que serviram de porta de entrada para monstros horripilantes. O formato de quadros e balões parece tradicional, mas a tela do computador abre espaço para efeitos sonoros, música e movimento que dão nova vida a criaturas insectoides inspiradas nas antigas histórias em quadrinhos de ficção científica. Os quadros e balões são revelados conforme o clique do leitor ou de forma automática, garantindo uma série de sustos a cada imagem que surge na tela.

;Na verdade, é uma experimentação. O projeto foi pensado para ser algo bem mais simples. Mas a divulgação atraiu tanta atenção que eu sabia que tinha de fazer algo que atendesse as expectativas;, revela Yves, que já recebeu várias propostas de trabalho baseado na primeira história da empresa brasileira Draconian Comics, inclusive para o formato impresso. O projeto, que precisou recorrer ao crowdfunding (arrecadação de dinheiro pela internet) para pagar os custos de produção, levou um ano para ser concluído. Mascate também deve ser lançado em breve na forma de aplicativo para tablet como uma trilogia.

Onde ler

Mascate:
0www.draconiancomics.com/mascate/
Nawlz: www.nawlz.com/
Bottom of the Ninth:
www.bottom-of-the-ninth.com

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