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Pequenas diferenças

Cientistas analisam o DNA de 79 grandes primatas, incluindo nove pessoas, para encontrar as variações genéticas que expliquem a distinção entre as espécies. O estudo ajudará a entender melhor o surgimento de doenças em humanos e a preservar animais ameaçados de extinção

Paloma Oliveto
postado em 04/07/2013 18:00

Imagem reúne alguns dos animais cujo DNA foi analisado: busca por entender a evolução do ponto de vista genético (Ian Bickerstaff/Divulgação)
Imagem reúne alguns dos animais cujo DNA foi analisado: busca por entender a evolução do ponto de vista genético


Aos 14 anos, o holandês Abeeko, hoje morador de Leipzig, na Alemanha, é tão sisudo que chega a parecer mal-humorado. O comportamento mais sério condiz com sua função: desde o início de 2012, ele chefia um bando de gorilas em Pogoland, área destinada a diversas espécies de primatas do zoológico da cidade. Vicky é o oposto. Habitante de um santuário em Camarões desde que tinha 6 meses, quando foi resgatada de um vilarejo, a jovem chimpanzé de 4 anos é simpática, risonha e tem como atividade favorita pular de galho em galho.

De temperamento, espécie e origem diferentes ; um nasceu no cativeiro, o outro, na selva ;, esses animais compartilham um ancestral comum e quase 100% dos genes. A diversidade em nível molecular, contudo, faz com que Abeeko e Vicky tenham características físicas, orgânicas, sociais e comportamentais particulares. É o que os difere também dos outros grandes primatas (denominação dada ao grupo que inclui, além de gorilas e chimpanzés, os organgotangos, os bonobos e os humanos). Agora, essas distinções foram identificadas e catalogadas, em um trabalho de cientistas espanhóis e americanos que pretendem, com o mapeamento, ajudar a entender melhor a história da evolução, sob o ponto de vista da genética.

No trabalho, divulgado na edição de hoje da revista Nature, os pesquisadores sequenciaram o genoma de 79 indivíduos cativos e selvagens das grandes espécies ; incluindo nove humanos ;, atrás de polimorfismos de nucleotídeo simples. Os SNPs (sigla em inglês) são variações em uma das quatro bases que formam a sequência do DNA: G,C, A e T. Cada letra corresponde a uma molécula orgânica que, sozinha, não faria nada, mas, combinada às demais, forma a estrutura genética dos seres vivos. Variações na ordem de apenas uma dessas letras (GCAT e CATG, por exemplo) estão por trás de mudanças significativas em determinadas populações, que vão de características físicas a suscetibilidade a doenças. A origem do HIV, o vírus da Aids, por exemplo, é associada ao vírus da imunodeficiência símia (SIV), que incide sobre macacos rhesus.

Comparação
;Nos humanos, os padrões de variação genética estão ficando cada vez mais bem caracterizados por métodos modernos de identificação molecular. Entender a variação dos homens sob um contexto evolutivo, porém, requer a comparação dos padrões da nossa espécie com a de outros hominídeos;, explica a antropóloga evolutiva Maryellen Ruvolo, da Universidade de Harvard. A pesquisadora, que não participou do mapeamento, explica que só assim é possível revelar traços compartilhados com outros hominídeos e aqueles que são unicamente humanos. ;Ao ser caracterizada, a variação genética entre chimpanzés, gorilas, bonobos e orangotangos faz essa comparação possível agora;, afirma.

De acordo com Ruvolo, esses dados permitem reconstruir diferentes tipos de informações, como o parentesco evolutivo de subespécies e populações específicas, a estimativa da época em que divergiram, as dinâmicas populacionais no passado e até a estrutura social de um grupo. ;O conhecimento da variação genética dos hominídeos também é relevante para campos como a conservação dos primatas e a medicina;, ressalta. Ao longo da evolução, ocorreram mudanças no perfil genético de homens e macacos, com o aparecimento de mutações que estão por trás de doenças como câncer e Alzheimer. Saber quando e como isso ocorreu é um dos passos, segundo os cientistas, para dominar a expressão desses genes e, assim, controlar as enfermidades.

Em um artigo publicado também nesta semana na revista Genome Research, dois coautores do trabalho divulgado na Nature revelaram a primeira evidência genética em um chimpanzé de uma doença parecida à síndrome Smith-Magenis, um problema genético que, em humanos, provoca distúrbios físicos, mentais e comportamentais. Suzie-A, uma primata fêmea cujo genoma foi sequenciado por Evan Eichler, da Universidade de Washington em Seattle, e Peter H. Sudmant, da Universidade Pompeu Fabra, apresentava os mesmos sintomas que caracterizam indivíduos portadores da síndrome, como obesidade, deformidade na coluna vertebral e doença renal. A chimpanzé carregava no DNA a mesma variante já associada com a Smith-Magenis nos pacientes humanos.

Conservação
No caso do estudo publicado hoje, o foco está nas estratégias de conservação das espécies ; muitas vezes, as variantes genéticas são resultado da pressão evolutiva para a adaptação a novas situações e realidades. ;Nós encontramos um número considerável de diversificação genética entre os grandes primatas; foram mais de 80 milhões. Só no caso dos chimpanzés, identificamos 27,2 milhões de SNPs;, conta Tomas Marques-Bonet, geneticista da Universidade de Michigan, nos EUA, e do Instituto de Biologia Evolutiva da Universidade Pompeu Fabra, na Catalunha. Ele explica que os cálculos foram feitos por computador. O principal autor do artigo destaca que, se a diversidade garantiu, há 15 milhões de anos, que os ancestrais dos primatas modernos se estabelecessem no planeta, dando base para a origem de diversas linhagens dentro de cada espécie, hoje a situação está diferente.

;Recentemente, apesar da rica história evolutiva, os grandes primatas estão passando por declínios graves em seus hábitats naturais;, alerta o pesquisador. Em algumas regiões, já houve perdas populacionais de 75%, cita. ;Os SNPs que identificamos podem ser usados para caracterizar padrões de diferenciação genética entre os grandes primatas em santuários e zoológicos e, por isso, são de grande importância para a conservação dessas espécies ameaçadas. Esses esforços vão ajudar muito os planejamentos de conservação e manejo das populações primatas ao fornecer importantes informações sobre como será possível manter a diversidade genética na vida selvagem para as gerações futuras;, acredita.

Para Devin P. Locke, geneticista do Centro de Genoma da Universidade de Washington em Seattle, o mapeamento dos polimorfismos de nucleotídeo simples serão especialmente úteis, agora, para garantir a sobrevivência dos orangotangos. Locke chefiou uma equipe internacional de pesquisadores que sequenciou, pela primeira vez, o genoma desse primata. ;Os organgotangos estão criticamente ameaçados. Existem apenas 7,5 mil em Sumatra e 50 mil em Bornéu;, diz o pesquisador, destacando que a União Internacional pela Conservação da Natureza incluiu o símio em sua lista vermelha.

;É muito grave só existirem orangotangos selvagens nessas duas localidades. Doenças, caça ilegal e destruição da floresta tropical em nome do agronegócio podem simplesmente varrer essa espécie da face da terra;, afirma Locke. Entre as aplicações práticas do sequenciamento genético e, agora, do mapeamento dos SNPs, o cientista destaca programas de cruzamento que podem ser adotados por zoológicos e santuários. Como, quanto maior a diversidade, mais resiliente é uma espécie, é possível determinar, a partir do perfil genético, os indivíduos com mais chances de gerar filhotes que levem adiante essa característica evolutiva. ;Se você olhar para um chimpanzé ou para um gorila, esse caras vão olhar de volta para você;, escreveu, em nota, Peter H. Sudmant, da Universidade Pompeu Fabra. ;Eles agem da mesma forma que nós. Precisamos encontrar maneiras de proteger essas preciosas espécies;, concluiu.

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