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Exame de dengue com nanopartículas

Estudante da Universidade Federal de Minas Gerais cria um método que usa estruturas minúsculas de ouro para diagnosticar doenças. A técnica poderá ajudar também no desenvolvimento de vacinas mais eficazes

Marinella Castro/Encontro BH
postado em 23/07/2013 18:00

 (Arte/EM/D.A Press )


Belo Horizonte ; A matéria reduzida a uma escala muito pequena pode gerar resultados de larga dimensão em áreas que vão da biomedicina à engenharia de materiais. Dimensionadas na escala bilionésima do metro, as nanoestruturas ; de carbono, ouro, prata e até diamante ; aumentam a resistência de materiais como o aço ou o cimento e são uma promessa para novos modelos de defensivos agrícolas. Agora, têm sido também cada vez mais utilizadas no diagnóstico e no tratamento de doenças, ganhando força como uma promessa inovadora para o controle de velhas enfermidades, como a dengue e a leishmaniose.

Buscando novos materiais para o uso na medicina e na biologia, o estudante de física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Anderson Caires desenvolveu um método de síntese e biofuncionalização (ligação de moléculas biológicas nas nanoestruturas). Ele usou nanopartículas e nanobastões de ouro que foram aplicados no desenvolvimento de diagnósticos ultrassensíveis para várias doenças e vacinas. Em formato cilíndrico, esses nanobastões são chamados nanorods e têm propriedades que os diferenciam dos outros nanomateriais usados na medicina. Além de propriedades ópticas diferenciadas, são mais facilmente absorvidos por tecidos e células doentes do corpo.

Essas estruturas usadas na pesquisa estão em uma escala bilhões de vezes menores que a capacidade humana de captar a realidade e se mostraram eficientes no diagnóstico precoce, inicialmente para dengue e leishmaniose, e no desenvolvimento de vacinas. Apesar de ser muito difícil imaginar uma escala de tamanho equivalente ao bilionésimo do metro, uma boa comparação é pensar que um fio de cabelo humano mede, em média, cerca de 60 mil nanômetros. ;Podemos obter nanopartículas com três ou quatro nanômetros, ou seja, cerca de 20 mil vezes menores que o diâmetro de um fio de cabelo;, explica Caires.

Já os nanobastões são partículas no formato cilíndrico. ;É nessa mudança de geometria que mora a magia da nanotecnologia. Nessa escala de tamanho, as propriedades químicas e físicas dos materiais mudam radicalmente. Nesse caso, apenas o fato de mudar a geometria da partícula faz com que suas propriedades e, o mais importante, suas aplicações se transformem.;

Professor do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas da UFMG e orientador de Anderson Caires, Luiz Orlando Ladeira explica que, ao conseguir usar os nanobastões de ouro de forma controlada, o estudante pode aplicá-los no diagnóstico precoce da dengue e da leishmaniose. Quando as partículas de ouro entram em contato com a célula contaminada, há um efeito físico que provoca uma mudança na observação, na resposta óptica. Daí a forma precisa de diagnosticar essas duas doenças.

Segundo Caires, isso acontece porque as propriedades químicas e físicas das nanopartículas de ouro são muito sensíveis. Se a pessoa estiver contaminada por uma das enfermidades, as propriedades dos nanorods mudarão, e, por medidas muito simples, a resposta é detectada. ;Nessa escala de tamanho, a sensibilidade aumenta muito. Dessa forma, podemos desenvolver kits de diagnósticos de doenças muitos mais sensíveis e eficazes. Mesmo utilizando ouro, eles serão muito mais baratos, o que torna a tecnologia inovadora. Nessa escala, a quantidade de material necessária para realizar um teste ou diagnóstico é muito pequena, justamente porque eles são bem mais sensíveis;, acrescenta o pesquisador.

Para as vacinas, o processo é diferente ; são ligadas na superfície das nanoestruturas de ouro proteínas específicas, procedimento feito com uma química própria que aproveita as propriedades do ouro nessa escala de tamanho. ;Ligamos ao nanorod de ouro proteínas que são muito específicas de certas doenças e ele transporta a proteína pelo corpo, tornando a vacina muito mais eficaz que as convencionais. Estamos fazendo testes in vivo dessa tecnologia;, diz Caires.

Caires: inovação na biomedicina (Ricardo Grandas/EM/D.A Press )
Caires: inovação na biomedicina


Segurança
Ary Corrêa Junior, membro do Fórum Brasileiro para Competitividade em Nanotecnologia e do painel TC299 ; Nanotecnologias da ISO, aponta que essa é uma área multidisciplinar que impactará seguramente todos os segmentos do conhecimento. Segundo ele, inúmeras aplicações no Brasil já passaram pela prova de conceito e algumas estão em fase de desenvolvimento de produtos nas áreas de energia, materiais inovadores, eletrônica e biomedicina. Ele aponta, entretanto, que o tempo de implementação desses estudos é duvidoso devido à falta de um marco regulatório mundial, o que restringe investimentos na área.

Apesar da grande diferença de investimentos em pesquisa e desenvolvimento que existe entre o Brasil e países como os Estados Unidos, a Coreia, o Japão e nações europeias, Ary Junior destaca que, em áreas específicas da nanotecnologia, o Brasil detém know-how comparável aos estudos e testes desenvolvidos em outros países. ;No âmbito acadêmico, você encontra no Brasil expoentes reconhecidos internacionalmente, como os trabalhos que usam materiais de carbono.;

Outra área que no momento é prioritária mundialmente é a nanossegurança, e o Brasil tem diversas redes de pesquisa em nanotoxicologia. Há destaque ainda para os nanofármacos. Segundo Anderson Caires, a etapa de biossensoriamento e o diagnóstico de doenças poderão ser aplicados em breve, depois que os estudos forem patenteados. ;A parte de desenvolvimento de vacinas e também tratamentos do câncer leva mais tempo.;




Para saber mais

Da medicina
à engenharia


A nanotecnologia começou a ser amplamente difundida a partir da década de 1990 com o avanço da microscopia eletrônica. Hoje, é cada vez mais aplicada em áreas como a medicina e a engenharia de materiais. Usando colágeno e nanotubos de carbono para reconstituição óssea, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais também orientados pelo professor Luiz Orlando Ladeira chegaram a um compósito, fruto da mistura dos dois elementos, que se mostrou altamente eficiente para fraturas de até oito milímetros.

;Esse foi o primeiro estudo no Brasil usando o colágeno e o nanotubo de carbono;, diz Edelma Eleto da Silva, que desenvolveu o estudo em seu doutorado. No mesmo laboratório, o engenheiro civil Peter Ludvig explica que o compósito de cimento com nanotubos de carbono deu origem a um material mais resistente à tração. O resultado inicial é de um cimento com resistência à compressão e à tração entre 10% e 30% maior que o material comum.




Reconhecimento internacional

O estudo de Anderson Caires é resultado do projeto de iniciação científica desenvolvido na graduação. Foi premiado pela publicação Elsevier ; Materials Today, maior grupo de publicação científica do mundo. O universitário também foi selecionado para representar a Universidade Federal de Minas Gerais na 21; Jornada de Jovens Pesquisadores, na Argentina, em outubro.





Três perguntas para

Ary Corrêa Junior,
membro do Fórum Brasileiro para Competitividade em Nanotecnologia


Como o senhor avalia os avanços
da nanotecnologia no Brasil?

Na área acadêmica, apesar dos recursos escassos se comparado com o aporte financeiro internacional de países como os Estados Unidos, a Coreia e o Japão, somos competitivos. No âmbito industrial, entretanto, ficamos devendo. Existe uma grande dificuldade em transformar boas ideias acadêmicas em produtos para o mercado. A indústria de cosméticos é uma exceção e tem produtos com nanotecnologia embarcada.

O uso de várias estruturas da nanotecnologia ainda depende
de pesquisas para demonstrar efeitos e impactos. Nesse sentido,
como os cientistas têm caminhado para acelerar a utilização desse
conhecimento?

A segurança da produção, o uso e o descarte de nanomateriais ainda são alvos de discussão. Esse é um problema universal, ainda sem um horizonte para a solução. E esse é um dos motivos para a não existência de um marco regulatório mundial para a nano. Diferentes países têm decidido por estratégias de regulação, por exemplo, o FDA (órgão americano responsável pelo controle de alimentos e medicamentos) decidiu tratar produtos nanotecnológicos caso a caso. A Comunidade Econômica Europeia é mais conservadora e parte do princípio da precaução, em que, na inexistência de dados científicos, os produtos não são liberados. O Brasil inicia agora a discussão sobre nanossegurança. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reuniu-se na semana passada para discutir o assunto e o Conselho Interministerial de Nanotecnologia (que abrange 10 ministérios) está em contato com diversos programas internacionais de segurança e regulação. Ou seja, estamos em situação similar ao resto do mundo na regulação em nano.

Como essa vertente da ciência
poderá contribuir para melhorar a
qualidade de vida das pessoas?

Os impactos previstos são enormes e estratégicos, como a melhoria da qualidade da água; maior tempo de prateleira de alimentos; maior produtividade no campo por monitoramento da atividade agrícola; equipamentos eletrônicos mais econômicos, melhores e mais versáteis; alimentos isentos de defensivos; fármacos inteligentes e pessoais; e estocagem e geração de energia. É uma área emergente, com imensa capacidade de solução de problemas, e, na totalidade dos países desenvolvidos, considerada estratégica e prioritária.

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