Nas últimas duas décadas, o Brasil teve uma melhora significativa no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), que mede a qualidade de vida da população. Entre 1991 e 2010, o país saiu de um IDHM de 0,493 ; considerado muito baixo ; para 0,727 ; alto ;, um avanço de 47,5%. Três fatores compõem o índice: a esperança de vida ao nascer, o padrão de vida (medido pela renda per capita), e o acesso ao conhecimento, que avalia a escolaridade dos adultos e o fluxo escolar dos jovens. Embora a educação tenha sido a variável que mais evoluiu no período (128%), ela continua a puxar o freio de mão do desenvolvimento nacional, sendo o único setor avaliado que ainda não atingiu um patamar considerado alto.
Os dados do IDHM foi elaborado a partir de 180 indicadores levantados pelo Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e fazem parte do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, publicado ontem pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em parceria com o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e a Fundação João Pinheiro (FJP). O ministro-chefe interino da Secretaria de Assuntos Especiais (SAE), Marcelo Neri, que também preside o Ipea, destacou as mudanças de metodologia desta edição do IDHM. ;Na década anterior, o índice media a alfabetização até os 15 anos e, agora, mede o ensino fundamental completo até 18 anos, por exemplo. Os protestos nas ruas mostram que se quer mais. Acho que o indicador coloca novos desafios para uma nova proposta de políticas públicas;. Neri reconhece que, apesar das mudanças positivas, ;a fotografia ainda é ruim;, e que há muito a ser melhorado.
O professor de economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP) Ernesto Lozardo destaca que a melhora nos indicadores registrada no últimos 22 anos é fruto do trabalho de governos anteriores. ;O governo FHC criou as bases do crescimento ocorrido no governo Lula, que priorizou os projetos assistenciais, que ajudaram a melhorar a renda do brasileiro nas regiões mais pobres;, afirmou. Para Lozardo, as melhorias nas condições de saneamento básico explicam, por exemplo, a redução da mortalidade infantil, que passou de 44,68 crianças mortas no primeiro ano de vida por grupo de mil nascidas vivas, em 1991, para 16,7, em 2010. A evolução ajudou a elevar a esperança de vida ao nascer de 64,7 anos para 73,9 anos. No caso do rendimento dos brasileiros, houve um ganho de R$ 346,31 entre 1991e 2010, elevando a renda per capita para R$ 793,87.
Apesar de ressaltar a evolução dos índices educacionais, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, reconhece que velhos entraves precisam ser superados. Segundo ele, está sendo avaliada a redução do número de disciplinas no ensino médio, para enfrentar a evasão escolar. ;O jovem, hoje, tem em torno de 13 disciplinas ; alguns chegam a ter 19. É muita matéria;, disse o ministro.
Quantidade e evasão
Para especialistas, a massificação das matrículas explica a melhoria no índice nas duas últimas décadas, mas a baixa qualidade do ensino é um entrave para a permanência dos alunos. ;Esse indicador é mais trágico do que imaginávamos. Apesar de toda a facilitação que se observa hoje nas escolas, no sentido da aprovação dos alunos, a evasão ainda persiste;, lamenta a professora Angela Branco, da área de psicologia escolar e desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Em Águas Lindas, município goiano do Entorno, apesar dos avanços no IDHM, o índice específico de educação continua baixo. E 13 dos 22 municípios do Entorno estão na mesma situação.
Angela Branco avalia que há uma distância grande entre a sala de aula e a realidade. ;Muitas pessoas continuam achando que a educação é o caminho para um futuro melhor, mas existe muita desilusão por parte dos jovens. A qualidade e o conteúdo vistos nas salas de aula não abrem muitas perspectivas, então, eles acham que estão perdendo tempo;, avalia a acadêmica.
Aos 79 anos, avô de mais de quarenta netos e analfabeto, Pedro Augusto de Oliveira preza pela boa educação dos parentes, mas não vê empenho dos jovens. ;As crianças de hoje em dia não estudam muito. Vivem se beijando por aí. Se as pessoas tivessem mais educação, a criminalidade seria menor;, especula. Segundo Ítalo Oliveira, 17 anos, que nunca repetiu ano na escola e está prestes a concluir o ensino médio, a infraestrutura precária e o método de ensino ruim prejudicam o sistema. ;O Estado poderia oferecer, por exemplo, uma quadra de esportes melhor. O estudo em si também poderia ser muito mais eficiente;, elenca o neto de Pedro Augusto.
A faixa etária de maior adesão escolar (91,1%) vai dos 5 aos 6 anos, o que não significa que o ensino seja melhor. ;As crianças de escolas públicas sofrem muito: não tem uniforme, o lanche é motivo de reclamação e os professores faltam sempre. Minha filha é bem tratada onde ela está agora;, acredita Alini Weleini, 22 anos, mãe de Cristielly, 5, que estuda em um colégio privado de Águas Lindas.
Mesmo matriculados, os amigos Yago Santos, 13, Starlem Pereira, 12, e Igor Santos, 14, não conseguem avançar como deveriam ; os três já repetiram pelo menos um ano da vida escolar. ;A responsabilidade é minha. Muitas vezes, os alunos não se esforçam;, conta Yago, que chegou a mudar para uma escola em Taguatinga. Mas, ainda desmotivado e sem dinheiro para a passagem, voltou para Águas Lindas.
Para Erasto Fortes, do Conselho Nacional de Educação (CNE), ainda levaremos muito tempo para ver mudanças significativas na educação. ;A dívida social nessa área é tão grande que, por mais esforço que se faça, o resultado ainda é muito pequeno;, avalia. Ele defende uma ;postura mais firme; do governo para a área, e cita o recente e polêmico Programa Mais Médicos. ;Se oferecem R$ 10 mil para médico ir trabalhar no interior, por que não oferecer o mesmo para um professor?;, provoca. (Leia mais nas páginas 7 e 21)
Análise da notícia
Abismo histórico
As mudanças ocorridas nos últimos 20 anos na economia brasileira, que levaram o país a figurar entre as 10 maiores potências do planeta, podem ser percebidas no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios brasileiros, divulgado ontem pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A melhora no indicador no país reflete avanços proporcionados pelo forte crescimento da economia nesse período. Os governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva deram importantes contribuições nesse sentido. FHC, ao estabilizar a economia que penava com a hiperinflação, permitiu que fosses construídas as bases para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) nos anos seguintes. Graças aos ajustes feitos na economia pelo governo anterior, Lula conseguiu ampliar a política de distribuição de renda, unificando programas pontuais no carro-chefe do Bolsa Família. Mesmo assim, esse crescimento não foi suficientes para erradicar a pobreza no país.
Não é à toa que as diferenças regionais são facilmente percebidas na análise não só da média nacional do IDH como, também, nos três itens básicos do indicador: educação, longevidade e renda. As 34 cidades com os piores índices de desenvolvimento humano estão nas regiões Norte e Nordeste. As do Sul e do Sudeste permanecem na liderança, com as maiores pontuações. Brasília é o ponto fora da curva, no 9; lugar da classificação geral. Esse abismo da qualidade de vida entre as cidades do Norte/Nordeste e do Sul/Sudeste ainda é expressivo e, na avaliação do economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Ernesto Lozardo, ;permanecerá existindo;, podendo até aumentar se não houver uma política de integração regional da infraestrutura de transportes para reduzir as dificuldades hoje existentes. (RH)