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Sistema para falar com os olhos

Novo processo permite a comunicação com pacientes que sofrem da chamada síndrome do encarceramento, na qual os movimentos do corpo são completamente interrompidos. O método interpreta a atividade cerebral a partir das reações da pupila

Roberta Machado
postado em 12/08/2013 16:00
 (Europa Filmes/Divulgação)

Piscar para escrever

Jean-Dominique Bauby, ex-editor da revista francesa de moda Elle, sofreu um grave acidente vascular cerebral aos 43 anos e permaneceu em coma por 20 dias. Quando acordou, tinha apenas a capacidade de piscar o olho esquerdo. Mesmo com essa limitação, ele ditou um livro inteiro usando um método em que um assistente aponta letras do alfabeto e o paciente pisca o olho para escolhê-las. A obra O escafandro e a borboleta foi publicada 10 dias antes da morte de Bauby e inspirou um filme de mesmo nome (foto), dirigido por Julian Schnabel e protagonizado por Mathieu Amalric..



Imóvel na cama, o corpo quase não dá sinais de vida. Em conjunto com pernas e braços imóveis, a cabeça do paciente também permanece impassível, a não ser por um pequeno detalhe: os olhos continuam bastante vivos, resistindo como a única janela para uma mente ainda sã. Esse é o drama vivido por pessoas que sofrem da síndrome do encarceramento, uma rara condição normalmente causada por algum tipo de trauma cerebral e que praticamente impossibilita a comunicação com o mundo.

Entre as técnicas usadas para entrar em contato com a mente desses pacientes, estão exames de ondas cerebrais e próteses que podem ser bastante caros, complicados de usar ou invasivos. Mas um grupo de pesquisadores de universidades da Bélgica, da Austrália, dos Estados Unidos e da Alemanha acredita que é possível conversar com uma pessoa completamente paralisada somente com uma câmera e um computador. Para isso, interpretam justamente o comportamento dos olhos, um eficiente e visível canal de comunicação com o cérebro.

O que pode parecer um processo subjetivo é na verdade uma técnica baseada em cálculos matemáticos e medidas bastante precisas. A chave usada pelos pesquisadores é a pupila, o orifício que deixa passar a luz da córnea para o cristalino. Além de se expandir ou fechar de acordo com a luz ambiente, ela também abre quando ocorre uma grande atividade cerebral. O modelo de comunicação ocular, proposto na última edição da publicação Current Biology, procura estimular o pensamento do paciente para obter uma resposta a uma pergunta simples. O tradutor dessa conversa é a câmera, que acusa quando a pupila se dilata e quando permanece do mesmo tamanho.

O modelo funciona como uma prova de questões de múltipla escolha. Mas, em vez de pensar para resolver a questão, a pessoa precisa colocar o cérebro para funcionar somente na hora de escolher a resposta correta. Os pesquisadores testaram a ideia com indagações simples, como ;você tem 20 anos?;. Depois da pergunta, as opções ;sim; e ;não; apareciam em uma tela, acompanhadas de uma conta matemática para ser resolvida.

O paciente era orientado para tentar calcular somente a equação apresentada com a resposta que ele desejava transmitir. Daí, a câmera analisaria a pupila para identificar em que momento o paciente havia começado a resolver a conta, interpretando o esforço como um sinal de que a pessoa escolheu aquela opção. O esforço mental, nesse caso, equivale a um aceno de cabeça, um polegar positivo ou a qualquer outra indicação de concordância.

O método, garantem os pesquisadores, é totalmente intuitivo e dispensa qualquer treinamento. Os equipamentos também são facilmente encontrados no mercado, inclusive o software que monitora e calcula o tamanho da pupila do paciente. ;Isso distingue nossa técnica da maioria das chamadas técnicas de interface cérebro-computador. Operações matemáticas são simples, mas é claro que vamos melhorar o software, para torná-lo mais acessível ao usuário;, afirma Wolfgang Einh;user, da Philipps-Universit;t Marburg, na Alemanha.

A técnica foi testada em seis pessoas com capacidades motoras comuns, além de sete pacientes que sofriam de paralisia total do corpo. Com o primeiro grupo de voluntários, o sucesso do modelo variou entre 84% e 99%. Já os que não podiam se mover conseguiram se expressar corretamente entre 67% e 84% das respostas. Em ambos os casos, os participantes melhoravam o desempenho conforme repetiam o processo.

Limitações

As variações de abertura da pupila podem ser causadas por emoções muito fortes, enquanto o processo contrário, de contração, pode ser uma reação a luzes fortes. Tudo isso acontece, ensina a neurocientista Mirella Gualtieri, no sistema neurovegetativo, a parte do sistema nervoso dedicada à manutenção das funções básicas do corpo. ;É uma parte do cérebro que tem um caráter automático, que não acontece sob o controle da pessoa;, explica a professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

O problema, explica a especialista, está nos pacientes que sofrem lesões justamente nessas regiões do cérebro. ;Em casos de lesão, você pode ter esse reflexo prejudicado. É como nos filmes, quando o médico coloca uma lanterna no olho para ver se esse reflexo está integro;, compara Mirella. Nesses casos, a pessoa pode manter alguma atividade cerebral, mesmo quando a pupila não reflete esse pensamento. ;É uma coisa que, para esses pacientes, acaba sendo mais incerta do que certa.;
Com esse tipo de paciente, os resultados da nova técnica de rastreio de visão foram desanimadores. A faixa de acerto dessas pessoas ficou entre 38% e 59%, um índice que não supera a pura sorte esperada para uma resposta de duas opções. ;As pessoas que mais precisam dessa técnica têm uma degradação de atividade cerebral que as tornam justamente as mais difíceis de terem esses padrões reconhecidos;, aponta Fernando José Von Zuben, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. O especialista em bioinformática ainda explica que ;em um acidente vascular cerebral (AVC), a pessoa perde o movimento dos membros, mas também parte da competência intelectual. Aí, o cérebro está em atividade, mas tem um comportamento muito errático e não consegue se concentrar facilmente;. Nesse cenário, seria complicado convencer o paciente a se manifestar por contas matemáticas.

Os criadores da técnica pensam em aperfeiçoá-la para que ela seja uma opção para pessoas que já contam com uma forma de comunicação. A ideia é manter as contas complicadas o suficiente para que a pupila se manifeste, mas não tão difíceis que causem frustração nos pacientes. Dependendo da pessoa, também é possível notar que elas se cansam de pensar nos números depois de algum tempo. Einh;user ressalta que o usuário não precisa acertar ou mesmo concluir as equações: desde que a pessoa mantenha a atividade cerebral, o reflexo ocular deve ser notado. ;Problemas matemáticos foram apenas a forma mais simples em que conseguimos pensar. Foi mostrado nos anos 1960 que resolver problemas matemáticos resulta na dilatação da pupila.;

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