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Quando a necessidade vira vício

Fobia social e depressão são algumas das doenças que estão por trás do uso exagerado de aparelhos eletrônicos. Para especialistas, a tecnologia não é a vilã, apenas confere uma nova roupagem a condições preexistentes

postado em 20/08/2013 18:00

Daniel Garcia passa horas diante do computador e não consegue se desligar no momento de dormir:
Daniel Garcia passa horas diante do computador e não consegue se desligar no momento de dormir: "As atividades permanecem na minha mente"

Quem nunca levou o celular para a cama ; com aquela desculpa de que ele vai servir como despertador ; e, antes de dormir, deu uma conferida no Facebook ou no Instagram para ver quem curtiu as fotos ou os posts? O que seria uma visualização rápida, acaba por tomar horas do tempo que serviria para o descanso. Essa situação, além de outros problemas gerados pelo uso excessivo da tecnologia, tem se tornado cada vez mais comum, principalmente entre os jovens.

É o caso do estudante de ciências da computação Daniel Garcia, que trabalha como estagiário em um site da Universidade de Brasília (UnB). Ele utiliza o computador durante o expediente, para estudar e também se divertir. ;Chego a passar 10 horas diárias em frente ao PC;, conta. No entanto, a atitude tem gerado problemas. ;Costumo ficar acordado até as 3h, e devo levantar por volta das 7h. Mesmo quando desligo o desktop, as atividades que realizei permanecem na minha mente. Penso nos códigos de programação que estava fazendo e demoro a me ;desligar;.;

Para o psiquiatra e professor de medicina da UnB Raphael Boechat, a insônia é um dos sintomas de quem passa tempo demais em frente às telas. ;O estímulo visual contínuo e a atenção aos conteúdos trabalhados tendem a prejudicar o sono, uma vez que o cérebro demora um tempo para diminuir as atividades;, explica.

Além do sono, a psicóloga Sylvia van Enck, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, afirma que o excesso de tempo no computador influencia em outras funções psicológicas e mesmo físicas. ;A pessoa pode vir a ter problemas com postura, problemas na visão, entre outros.; Mas são as questões sociais que costumam ser as mais prejudicadas. ;Os que cometem exageros podem desenvolver fobia social, recusando o contato real; depressão; transtorno de ansiedade; e dificuldade no controle da impulsividade;, explica.

O professor da UnB Fábio Iglesias:
O professor da UnB Fábio Iglesias: "Não se deve atribuir à tecnologia a causa dos transtornos"

O estudante Daniel Garcia assume que o mundo virtual às vezes afeta o real. ;Raramente saio de casa para me divertir. Já deixei de curtir com os amigos para ir trabalhar ou estudar no computador;, conta.

Sylvia destaca ainda que, muitas vezes, os familiares permitem que o dependente se mantenha à distância, evitando o contato para não gerar discussões e desrespeito. Mas ressalta a importância de se buscar um espaço de aproximação amorosa, a fim de que o usuário possa se conscientizar do problema, sem que haja a necessidade de confrontos.

Televisão
Apesar dos riscos do uso excessivo, o professor de psicologia da UnB Fábio Iglesias afirma que não se deve atribuir à tecnologia a causa dos transtornos sociais e psicológicos. ;Esses problemas sempre existiram. Os aparelhos apenas lhes conferem uma nova roupagem. Por exemplo, antigamente, havia pessoas compulsivas por olhar a caixa postal. Hoje, temos aquelas que checam o e-mail a cada meia hora.;

Sylvia complementa a ideia de que não se deve culpar os dispositivos eletrônicos por eventuais excessos. ;Considero que a dependência se instala muitas vezes porque já existe alguma vulnerabilidade. Fatores estressantes advindos do contexto social, familiar e econômico, têm grande influência no desencadeamento de patologias.;

O medo de novas invenções não é exclusivo dos tempos atuais. ;Costumamos fazer um paralelo com o que já aconteceu, como o surgimento da televisão. Na época, muitos diziam que a tevê poderia viciar as pessoas. Até houve casos de superexposição, mas, hoje em dia, temos a consciência de que o televisor não é um vilão;, aponta Iglesias.

Para o psicólogo, o bom senso é um forte aliado para que o usuário de aparelhos móveis se policie quanto ao uso. ;A pessoa tem que perceber quando se torna inconveniente ou prejudicial a si mesmo e aos outros. Durante as aulas, no cinema ou no meio de conversas, usar celulares, tablets ou computadores é desagradável e pode incomodar quem estiver em volta.;


Sintomas de dependência

Ao fazer estudos sobre pessoas que sofriam com dependência da internet, a psiquiatra norte-americana Kimberly Young identificou algumas situações comuns:

  • Preocupação excessiva com a internet (por exemplo, com o próximo acesso à rede);
  • Necessidade de usar a internet com tempo cada vez maior, a fim de obter a excitação desejada;
  • Esforços repetidos e fracassados no sentido de controlar, reduzir ou cessar com o uso da internet;
  • Inquietude ou irritabilidade, quando tenta reduzir ou cessar o uso da internet;
  • Permanecer mais tempo on-line do que pretendia; colocou em perigo ou perdeu um relacionamento significativo, o emprego ou uma oportunidade educacional ou profissional por causa de jogo ou internet;
  • Mente para familiares, para o terapeuta ou outras pessoas para encobrir a extensão do seu envolvimento com a internet;
  • Usa a internet como forma de fugir de problemas ou de aliviar o humor disfórico (por exemplo, sentimentos de impotência, culpa, ansiedade e depressão).

Outros problemas

  • Apesar de não serem reconhecidas por todo o corpo científico, alguns estudiosos apontam doenças decorrentes da dependência por dispositivos eletrônicos. Algumas estão relacionadas abaixo:
  • Síndrome da Vibração Fantasma: quem nunca acreditou sentir o celular vibrando no bolso quando na realidade isso não ocorreu? Essa sensação é chamada de Síndrome da Vibração Fantasma. A principal razão para que isso aconteça, segundo estudiosos, é que o cérebro tenta se antecipar a uma ação recorrente, o vibrar do aparelho no caso, mas acaba por ser enganado por qualquer movimento que se assemelhe a ele.
  • Nomofobia: manter-se conectado a todo tempo é uma preocupação que atinge cada vez mais pessoas. A necessidade de uma parcela de indivíduos passa ser incontrolável. Médicos ingleses passaram a chamar essa dependência de nomofobia. O nome vem de ;no mobile phobia;, que, em uma tradução livre, seria o medo de estar sem celular.
  • ;Laptopordose;: com a chegada dos ultrabooks, que são mais leves, essa doença tende a diminuir. No entanto, para quem usa os pesadões laptops deve tomar cuidado. Carregá-las de um lado para o outro causa dores nas costas, nas juntas e pode levar a danos aos nervos e à coluna.
  • ;Wiiite;: mais comum há alguns anos, essa condição se deve ao uso intenso do console Nintendo Wii, que possibilita ao jogador uma série de exercícios, e gerar lesões por esforço repetitivo. Hoje, outras plataformas oferecem o mesmo esquema, como o Kinect, do Xbox, e o Move, do Playstation.

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