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Por fim, adultos

A chegada dos 18 anos encerra simbolicamente o turbilhão de transformações da adolescência e inicia uma etapa da vida com mais responsabilidade e autonomia. Especialistas reforçam que os pais devem participar dessa fase de transição

postado em 20/08/2013 16:00

"Caiu a ficha de que eu precisava me dedicar mais, de que não era mais criança. A faculdade também torna isso mais forte" Nicole Volken, estudante de engenharia ambiental


A escolha da profissão foi uma das principais inquietações de Gabriel (Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
A escolha da profissão foi uma das principais inquietações de Gabriel


A chegada dos 18 anos é um momento esperado por todo jovem. Chega o sinal verde para, por exemplo, dirigir, comprar bebidas alcoólicas e frequentar as animadas festas. Para além das novas liberdades, atingir a maioridade também traz deveres que antes poderiam não fazer parte do cotidiano. Muitas vezes, diante das novas atribuições, há quem se sinta perdido e encontre dificuldades de adaptação. ;Pode haver frustrações e inseguranças. Até pouco tempo, ele estava com os dois pés na infância. Após a puberdade, com um pé na infância e outro na vida adulta. Depois, assustadoramente, com os dois na fase adulta;, afirma o mestre em psicologia da infância e da adolescência Caio Feijó.

A mudança, no entanto, não acontece instantaneamente. As transformações fazem parte de um processo que começa antes dos 18 anos e não para depois dele. Para enfrentar os desafios da passagem com mais tranquilidade, é importante que o jovem receba auxílio. ;Ele deve contar com o apoio da família, da escola e do Estado em todas as etapas de transição para a vida adulta, pois ela não começa automaticamente ao se completar 18 anos;, afirma a socióloga Melissa de Mattos Pimenta.

As consequências que a maioridade traz também dependem do contexto em que se está inserido e variam dentro de cada sociedade. Condições econômicas e relações familiares, por exemplo, influenciam na forma como a transição para a vida adulta acontecerá e se refletem no processo de amadurecimento do adolescente antes mesmo de ele chegar aos 18 anos. ;Estar preparado para a transição tem muito mais a ver com a condição socioeconômica do jovem, com o seu amadurecimento e com as suas perspectivas futuras;, explica Mattos Pimenta, também professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Carreira
Nesse turbilhão de mudanças, estão também escolhas que farão a diferença na vida adulta. Entrar na maioridade também representa o momento de escolher definitivamente uma profissão. Logo após completar 18 anos, em setembro do ano passado, Gabriel do Nascimento se viu perdido para fazer a opção. Depois de não ser aprovado no primeiro vestibular que prestou (para o curso de direito), ele começou a questionar qual objetivo teria a partir daquele novo momento. No cursinho pré-vestibular, quanto mais pesquisava sobre a carreira que deveria escolher, menos se sentia preparado para a definição. Pesava sobre a decisão de Gabriel a chegada dos 18 anos e a necessidade de uma decisão permanente. ;O que eu decidisse precisaria se manter firme porque desistir depois representaria um atraso muito grande na minha vida;, avalia o jovem.

Até a aprovação em engenharia no último vestibular da Universidade de Brasília (UnB), foram oito meses em que o estudante chegou até a desistir da preparação para a prova e passou a estudar para concursos públicos. A facilidade com disciplinas de ciências exatas, entretanto, direcionou Gabriel para o curso de engenharias, no câmpus Gama da UnB. ;Uma das minhas motivações foi o fato de que, nesse curso, só se escolhe a especialização depois de dois anos, depois de conhecer melhor a prática;, explica. Apesar das dificuldades, o universitário não reclama da obrigação de escolher tão cedo. ;Tomamos decisões que não estamos preparados, mas entendo que isso nos faz ter mais maturidade.;

As dúvidas quanto à escolha da profissão e outras decisões importantes podem ser menores, de acordo com a psicóloga Patrícia Spindler, se o jovem recebe apoio e é instigado a pensar nelas desde cedo. A exigência de uma nova postura precisa vir acompanhada de diálogo e de orientações que mostrem a importância e a necessidade desse processo. ;As exigências precisam fazer sentido para o adolescente despertar o desejo de pensar em atividades de maior autonomia, de independência com responsabilidade;, explica.

Apoio familiar
Chegar aos 18 anos, para Gabriel, representou também uma mudança na visão que as outras pessoas tinham dele e de suas atitudes. ;Só de estar dirigindo, por exemplo, eu percebi que a imagem muda, porque exige responsabilidade, cuidado. As pessoas notam isso.; O fato de a maioridade permitir ações que antes precisavam ser feitas escondidas, segundo o universitário, foi um dos principais fatores da nova etapa de vida. ;Ao mesmo tempo que isso é bom, pode também ser um risco;, pondera.

Feijó alerta sobre a importância da participação dos pais nesse momento. De acordo com o psicólogo, a família precisa estar atenta e cobrar do filho que assuma e cumpra compromissos e responsabilidades, sem deixar de mostrar a ele que estará disposta a apoiá-lo quando for necessário. ;Isso assusta porque ele vive a fase final da adolescência e tem ainda inseguranças com relação à autonomia.;

A estudante de engenharia ambiental Nicole Volken, 18, conta que a maioridade, aliada ao fato de ingressar no curso universitário, foi responsável por fazê-la perceber que entrava em uma nova fase de mais liberdade e, no entanto, de mais deveres. ;Caiu a ficha de que eu precisava me dedicar mais, de que não era mais criança. A faculdade também torna isso mais forte;, afirma.

O momento não é mais de esperar que pais cobrem, mas de, por si só, buscar novas possibilidades, acredita Nicole. ;Você sai de uma fase em que estuda porque seus pais estão ali cobrando e passa a outra em que entende que precisa se esforçar pelo seu futuro, seguir sua vida;, compara. A jovem universitária não notou mudança no modo como as pessoas mais próximas a tratavam, mas acredita que isso fica claro em alguns ambientes, como a universidade. ;Os professores já nos tratam mesmo como adultos, ninguém vai contar aos seus pais que você está indo mal nas aulas;, diz.



Palavra de especialista

Percepções
individuais


;Do ponto de vista da vida civil, efetivamente acontecem mudanças com a chegada dos 18 anos, como a permissão para conduzir veículos e a responsabilidade plena pelos atos, o que habilita a pessoa a ser tratada como adulta do ponto de vista da lei. Isso não significa que todos os jovens vivenciem essa passagem da mesma forma ou que essa condição legal tenha o mesmo significado. Para um jovem que tem condições de ter um automóvel, pode ser algo muito significativo, enquanto, para um jovem cuja família não tem condições de presenteá-lo com um carro ou então de adquirir um com seus próprios meios, pode não ter a mesma importância.

Melissa de Mattos Pimenta
,
socióloga




Decisões compartilhadas

Apoiado pelos pais, Carlos quis trabalhar aos 15 anos. Parou quando foi aprovado no vestibular de história (Janine Moraes/CB/D.A Press)
Apoiado pelos pais, Carlos quis trabalhar aos 15 anos. Parou quando foi aprovado no vestibular de história


Três anos antes de completar 18 anos, o estudante de história Carlos Carvalho, hoje com 18, começou a viver as transformações típicas da maioridade. Ele decidiu trabalhar. Seguiu no emprego até entrar na universidade no ano passado, quando passou a se dedicar somente aos estudos e a tarefas da própria faculdade. ;Eu quis trabalhar, não era uma exigência e, desde então, as mudanças já começaram a acontecer. Quando cheguei aos 18, acredito que estava mais preparado;, conta.

Mesmo com a independência conquistada, Carlos não deixou de buscar nos pais referências para as decisões que precisa tomar. ;Elas são minhas, mas sempre procuro tomá-las com auxílio deles;, conta. Confiar nos pais e nos professores pode ser um bom modo de avaliar se o caminho que se pretende seguir está correto. ;Não é o momento propício para movimentos instintivos, ao contrário, é uma fase da vida que requer muito ;pés no chão;;, afirma Caio Feijó, especialista em psicologia da infância e da adolescência.

A psicóloga Patrícia Spindler concorda que é importante ter o apoio da família para resolver as dúvidas e as dificuldades, mas ressalta que esse processo não pode ser totalmente ofuscado pela ação das famílias. ;O jovem passa pela mudança mais tranquilamente se tiver esse espaço para expressar seus anseios;, explica. Outra preocupação dessa fase da vida é a tendência de os jovens acharem que estão imunes a episódios ruins e que podem fazer tudo. ;É uma sensação de que ;tudo posso; com 18 anos. Não é bem assim, não se pode tudo. A partir dessa etapa, ele também tem o peso das novas responsabilidades;, ressalta Spindler.

A socióloga Melissa de Mattos Pimenta aponta para a necessidade de políticas públicas que facilitem o desenvolvimento dos jovens e a transição para a vida adulta. Permanência nas escolas, programas que tornem mais simples a profissionalização e facilitem o ingresso no mercado de trabalho formal são exemplos de iniciativas a serem fomentadas, de acordo com a socióloga. ;Todo jovem pode e deve buscar recursos que o ajudem em seus projetos e reivindicar também o apoio institucional nas decisões e na trajetória de transição para a vida adulta;, afirma.

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