Glauber Lucas Mendes Silva (de branco) e Matheus Vaz ( de preto) com as alunas do Projeto Educar Dançando: repassando experiência |
Aos 13 anos, eles saíram de comunidades carentes do Distrito Federal e embarcaram rumo à Alemanha. O passaporte estava na ponta dos pés: o balé clássico. Hoje, aos 16, eles residem na capital do país europeu e não fazem planos de regressar ao Brasil. Além disso, acreditam ter talento de sobra para continuar em solo estrangeiro. Este ano, Glauber Lucas Mendes Silva e Matheus Vaz conseguiram passar em uma prova para trilhar o ensino superior alemão em dança. Mas a falta de patrocínio deixa incerta, inclusive, a volta para Berlim. De férias em Brasília, eles buscam, a princípio, ajuda para arcar com as passagens, que custam aproximadamente R$ 5 mil cada uma (veja Solidariedade).
As portas para uma nova vida se abriram para os dois garotos do DF quando eles ainda eram crianças. Foi a partir do projeto da Associação Cultural Educar Dançando que eles viram a oportunidade de realizar o sonho de fazer da dança uma profissão ficar mais próxima. ;Com as aulas, notaram que éramos diferentes e poderíamos ter grandes chances lá fora;, destacou Matheus, que faz treinos desde os 7 anos. ;Em 2009, fomos para Berlim pela primeira vez. Foi um período de adaptação. Ficamos três meses com uma monitora do projeto e, em 2011, voltamos em definitivo;, completou o amigo Glauber, que descobriu o programa aos 9 anos.
Ao longo dos oito anos de história do projeto (veja Para saber mais), os dois meninos foram os primeiros e, até hoje, os únicos estudantes a fazerem tal intercâmbio por meio da dança. ;Mesmo assim, queremos abrir as portas para outros talentos;, adiantou a coordenadora da iniciativa, a professora Maria Mazzarello. Atualmente, o Educar Dançando reúne 70 alunos. Todos eles são moradores de áreas de vulnerabilidade do Distrito Federal, como é o caso da Estrutural, cidade de Matheus; e de Samambaia, cidade de Glauber. ;A nossa proposta é socioeducativa e cultural. Além de promover a inclusão, buscamos resgatar a autoestima das crianças assistidas. Ao mesmo tempo, primamos por uma educação diferenciada;, emendou.
Quando voltarem à Alemanha, Glauber e Matheus terão mais três anos de aperfeiçoamento pela frente. Passado esse período, eles completam a graduação e se tornam bacharéis. A partir daí, poderão trabalhar profissionalmente com o balé. Agora, precisam encontrar um meio para regressar a Berlim. ;Eles tinham dois patrocínios: um era daqui do DF, mas foi cortado; o outro era lá da Alemanha, que permanece;, detalhou a professora. ;Acontece que, mesmo sendo mantida essa ajuda externa, eles não se comprometem com as passagens;, frisou.
Glauber (E) e Matheus, em foto de 2009, nas ruas de terra da Estrutural: início aos 9 e aos 7 anos |
Disciplina
Nesses anos de Alemanha, os garotos dizem não ter enfrentado qualquer problema. Pelo contrário. Glauber, inclusive, descreve os alemães como um povo acolhedor. Além disso, ambos retratam o país como organizado e seguro. Nesse momento, as comparações com o Brasil são inevitáveis. ;Não temos medo de andar na rua nem de sermos assaltados. Temos acesso a coisas que nunca teríamos aqui. É bem diferente;, concluiu Matheus. ;Aprender a língua foi um pouco complicado. Mas sorte a nossa que o professor de alemão para estrangeiros falava um espanhol muito próximo do português;, arrematou Glauber, que afirma já dominar bem o idioma.
Nem mesmo a rigidez nem a disciplina da dança clássica assustaram os rapazes. Eles estudavam algo em torno de 13 horas por dia. De um lado, Matheus atribui o sucesso à criação que teve. De outro, Glauber responsabiliza o senso de independência. ;Sempre tive horário para tudo em casa e sou organizado;, comentou Matheus, filho do meio de uma família de três irmãos. ;Nunca gostei que as pessoas fizessem as coisas por mim. Além do mais, quero me destacar, ser o melhor da turma;, exemplificou o segundo, que é filho único.
Antes de passarem para o ensino superior em dança, eles cursavam, na Alemanha, o equivalente ao ensino médio brasileiro, além de terem as aulas específicas da modalidade artística. O alojamento onde ficavam se situa no câmpus da instituição, local em que fizeram várias amizades, inclusive com brasileiros. O ambiente, segundo eles, é bastante diferente das residências onde moravam no DF.
Futuro
Enquanto Matheus está indeciso quanto à companhia que pretende ingressar no futuro, Glauber faz planos para integrar no grupo do Royal Ballet, de Londres. ;As melhores companhias estão em países europeus, assim como os melhores bailarinos. Por isso, a única coisa que sei é que pretendo seguir carreira fora do Brasil, onde terei mais contato com pessoas desse meio;, argumentou Matheus. Glauber concorda. ;Lá (Europa), a cultura é encarada de forma diferente. As pessoas vão a apresentações de balé, além de frequentarem teatros, irem a exposições. Isso é um hábito deles, diferentemente do que ocorre no Brasil;, comparou.
As famílias dos garotos nunca estiveram na Alemanha. Por isso, Matheus e Glauber tiveram de se acostumar com a distância. A saudade? Segundo eles, dá para matar de vez em quando. Nesses quase três anos fora, vieram quatro vezes ao DF. ;Agora já estamos acostumados, mas, sempre que dá, a gente se fala, principalmente pela internet;, relatou Matheus. ;Minha mãe é que sofre mais, por eu ser filho único, mas torce muito por mim;, completou Glauber.
Para saber mais
Turmas na Asa Norte
O Educar Dançando é uma iniciativa da Associação Cultural Educar Dançando. Iniciou-se em 2006 como um projeto de extensão da Universidade de Brasília (UnB). E, a partir deste ano, passou a ser também um programa do Instituto Federal de Brasília (IFB). A Escola Superior de Dança de Berlim é parceira, e a ação conta ainda com o apoio da Administração Regional e da Escola Classe n; 2, ambas da Estrutural. Antigamente, as aulas ocorriam no câmpus da UnB Darcy Ribeiro, na Asa Norte, mas, atualmente, ocupam sala na sede do IFB, na SGAN 609, durante a semana. Nas segundas, nas quartas e nas sextas-feiras, as turmas são das 14h às 17h; e, nas terças e nas quintas-feiras, das 9h30 às 11h30.
Solidariedade
Os interessados em ajudar Glauber e Matheus a voltar para continuar os estudos na Europa podem entrar em contato com a professora Maria Mazzarello pelos telefones: (61) 9988-8400 e 9994-4504.