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Game over nos preconceitos

Gostar muito de jogos não é fruto do excesso de timidez ou de qualquer outro bloqueio social. Segundo especialistas, durante as partidas, pode-se aprender idiomas, quebrar as barreiras familiares e conhecer pessoas de todo o mundo

postado em 03/09/2013 16:00



Com os games, Jefferson conheceu a fundo o Império Romano e aprendeu a trabalhar em equipe (Fotos: Breno Fortes/CB/D.A Press)
Com os games, Jefferson conheceu a fundo o Império Romano e aprendeu a trabalhar em equipe


Para Lucas, os jogos melhoram o raciocínio e a capacidade motora
Para Lucas, os jogos melhoram o raciocínio e a capacidade motora


Aos 14 anos, o universitário Jefferson Prado, hoje com 19, ficou surpreso ao perceber que sabia com detalhes a resposta correta de uma das perguntas da prova de história do 9; ano. A questão tratava de uma passagem importante na vida do romano Júlio César. A resposta só veio fácil porque o estudante estava, à época, entusiasmado com um jogo virtual de estratégia sobre o Império Romano. A escola cobrava a volta de César de Gália, uma das fases mais importantes do game. ;Foi fácil porque no jogo eu era Júlio César, eu vivia como César;, conta.

As mesmas partidas provocaram no adolescente reflexões complexas para idade dele. Uma das fases questionava como seria o mundo atual se Roma tivesse sido vencida por Cartago durante as Guerras Púnicas. ;Na época, eu me questionei se a nossa sociedade, tão influenciada por Roma, teria algumas características de Cartago. Jogar me levou a essa reflexão;, diz Jefferson.

Cada vez mais comuns entre os jovens, os jogos virtuais podem abrir espaço para o aprendizado e auxiliar no desenvolvimento de crianças e adolescentes. Reflexos mais ágeis, maior capacidade de tomar decisões rápidas, novos conhecimentos e até o aprendizado de novas línguas são alguns dos benefícios proporcionados pelos games, dizem especialistas. Os benefícios não vêm apenas dos jogos desenvolvidos especialmente para a educação, explica a professora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e especialista em educação e tecnologia Lynn Alves. ;Os jogos comerciais também podem ser um estímulo para a aprendizagem;, afirma. A professora coordena o site www.comunidadesvirtuais.pro.br; ligado à Uneb, a iniciativa disponibiliza jogos gratuitos e educativos.

Psicólogo, Luiz Mello Gallina confirma a ideia de que mesmo os jogos não pensados com a proposta educativa podem promover benefícios. Gallina pondera, entretanto, que a influência dos jogos depende das especificidades do usuário. ;Um mesmo jogo pode ser benéfico para alguns jogadores e não para outros. Os benefícios podem vir se a pessoa usar a experiência para refletir sobre a vida;, explica.

No caso de Jefferson, o estímulo para começar a jogar veio da mãe. Quando ele tinha 6 anos, ela colocava o garoto para brincar com um jogo cujo objetivo era construir e administrar cidades. A intenção era instigar e desenvolver melhor o raciocínio lógico. Jefferson acredita que a criatividade também foi aguçada durante essas partidas. ;Tinha de criar novas cidades, organizá-las, atividades difíceis para uma criança daquela idade e que me estimularam muito a pensar diferente;, afirma.

O estudante de engenharia conta que os games também lhe renderam benefícios que, raramente, são relacionados aos jogos virtuais, como a possibilidade de fazer novos amigos. ;Eu era muito tímido quando mais novo. Foi com o contato que eu precisava ter com outras pessoas nos jogos on-line que me soltei mais;, explica. Jefferson diz também que a competitividade dos games o ensinou a liderar e trabalhar bem em equipe. ;Em alguns jogos, você não faz nada sozinho. A vontade de ganhar me fez aprender a trabalhar melhor em conjunto, o que ajuda na universidade, na vida fora do jogo;, avalia.

Em família
Doutora em psicologia e especialista em tecnologia educacional, Lairtes Júlia Vidal acredita que os jogos, além de uma maneira eficaz de se obter novos conhecimentos, pode aproximar pessoas. ;Pode ser divertimento que ensina novos conteúdos, curiosidades e que auxilia a socialização;, afirma. Mesmo dentro de casa, as relações podem ser melhoradas. Apesar das dificuldades que os pais geralmente encontram para dominar a linguagem e o ambiente dos jogos, a atividade pode ser um meio de aproximá-los dos filhos.

Segundo o psicólogo Luiz Mello Gallina, conversar com filhos sobre jogos e mostrar interesse na atividade podem representar um reconhecimento de que os gostos e as escolhas dos mais jovens são valorizados. ;Isso facilita uma aproximação, permitindo que os pais possam tratar dos receios que têm em relação aos jogos e tomar decisões mais adequadas;, complementa.

O universitário Lucas Sanches, 18 anos, começou a jogar por volta dos 5. Para o estudante de engenharia, os games foram uma maneira divertida de estar próximo da família. Tios, primos e o pai do jovem sempre foram parceiros dele na atividade. ;Era uma momento de diversão entre nós;, diz. Devido à rotina de trabalho do pai, Lucas conta que eles tinham pouco tempo para estar juntos. ;Meu pai sempre trabalhou muito. Quando jogávamos, era uma oportunidade de ficarmos mais próximos.;

Além de colaborar para aproximar a família, os games auxiliaram Lucas no aprendizado do inglês, já que a maioria dos jogos é desenvolvida nessa língua. O contato com jogadores de outros países também é um fator importante para a aprendizagem de idiomas. ;Você se acostuma com as palavras, com o jeito que o idioma é, aprende mais vocabulário. Grande parte do que sei de inglês aprendi jogando;, explica o universitário.

Adepto de jogos de esporte ; por serem mais rápidos e permitirem que se jogue sem gastar tanto tempo ;, Lucas acredita que os games contribuem para deixar o raciocínio mais ágil e estimulam melhorias na coordenação motora. ;Hoje, por exemplo, existem muitos tipos de controladores, guitarras e volantes que ajudam nisso;, afirma. Na maioria dos jogos do tipo, existe a possibilidade de administrar a carreira (cuidando de aspectos financeiros e emocionais) de um jogador, um técnico ou até mesmo de um clube. Para Lucas, esse modo de jogar pode ajudar a entender situações reais. ;Não ensina como você deve fazer, mas dá uma ideia do que deve ser feito;, comenta. Gallina concorda que alguns jogos podem se refletir nas decisões fora das telas. ;Eles podem ser fontes de prazer para os jogadores, bem como um treino para os conflitos e dificuldades que encontramos no mundo fora deles;, analisa o psicólogo.




Interações facilitadas

Igor transformou a paixão pelos games em profissão. Aos 24 anos, ele é sócio de uma empresa de jogos educativos
Igor transformou a paixão pelos games em profissão. Aos 24 anos, ele é sócio de uma empresa de jogos educativos


No imaginário de muitas pessoas, quem gosta de jogos virtuais é visto como alguém que se isola em um quarto e, com um computador ou uma televisão à frente, esquece-se do mundo ao redor. Especialistas e jogadores, entretanto, afirmam que os games podem ser, na verdade, um meio de se obter novos relacionamentos e aumentar a interação social dentro e fora do espaço virtual. Para o psicólogo Luiz Mello Gallina, grupos de amizade se formam por conta do interesse comum nos jogos, fazendo com que a importância deles extrapole o ambiente digital. ;Um jogo que envolve a presença de outros jogadores abre a possibilidade de interações sociais mais frequentes, o que pode ser benéfico para pessoas com dificuldades de relacionamento.;

Os universitários Jefferson Prado,19, e Lucas Sanches, 18, contam que conheceram diversas pessoas dentro do ambiente de jogo. Os dois acreditam que os jogos facilitam a interação com pessoas de outras cidades e até países em relações que, muitas vezes, migram para fora das telas. ;Muitos dos meus melhores amigos eu conheci jogando, pessoas de outros países e mesmo alguns da minha cidade;, diz Jefferson.
Gallina adverte que é preciso ficar atento ao risco de que os jogos se transformem, de fato, em uma forma de isolamento. Outros afazeres, segundo o especialista, não podem ser deixados de lado pelo envolvimento com os games. ;Deve-se ponderar que existem outras atividades e acontecimentos igualmente importantes. Os jogos não podem tomar todo o tempo de convívio com a família, amigos ou colegas;, alerta.

Se utilizados com equilíbrio, ajudam os jovens, inclusive, nas escolhas para a vida adulta. A presença dos jogos virtuais no dia a dia de Igor Rafael de Sousa, 24, foi tão marcante que o contato com eles culminou em profissão. Formado em ciências da computação pela Universidade de Brasília (UnB), ele e mais três amigos criaram, em 2011, uma empresa voltada para o desenvolvimento de jogos educativos, a FiraSoft. ;Na universidade, eu vi que esse era um caminho que me agradava, e, ainda na graduação, desenvolvi um jogo como trabalho de conclusão de curso;, conta.

Igor tem contato com jogos ;desde que se entende por gente; e vem acumulando os benefícios da experiência. ;As moedas e a pontuação dos jogos foram o princípio de um aprendizado anterior à escola;, exemplifica. Para ele, a visão de que os games são uma atividade sempre solitária é equivocada. Alguns jogos exigem uma cooperação entre os jogadores a fim de atingir determinados objetivos. ;Quando criança, nem conseguia jogar sozinho, precisava que alguém me ajudasse. Os jogos colaborativos também estimulam o trabalho em equipe;, diz.

Como empresário, ele tenta quebrar o estigma de que os games educativos são chatos. Pensamos jogos que deem vontade de ser jogados, que não se pareçam com um exercício de obrigação, o aprendizado é subliminar;, explica. Desde 2005, Igor também organiza encontros voltados para os jogos. Essas reuniões, segundo ele, são uma espécie de festa com computadores. ;Depois de algum tempo, você se cansa de jogar e, nesse ambiente, surgem conversas falando das partidas que aconteceram e de outros assuntos;, explica.

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