Roberta Machado
postado em 07/11/2013 16:00
Quando, em 15 de fevereiro, a cidade russa de Chelyabinsk teve o céu cortado por uma bola explosiva de fogo, o mundo inteiro viu. A internet foi abastecida com inúmeros vídeos que registraram o fenômeno com câmeras de celulares, de vigilância ou instaladas nos painéis de carros ; a sorte quis que o asteroide atingisse um local onde o violento trânsito transformou o acessório em moda. Essa espécie de Big Brother do incidente se revelou um prato cheio para astrônomos, que nunca haviam tido acesso a tantos dados sobre um episódio do tipo.Quase nove meses depois, surgem os primeiros resultados dos estudos baseados nas imagens e nos fragmentos do asteroide recuperados. Nesta semana, o assunto é destaque em dois artigos na revista Nature e em um na Science. As reconstruções confirmaram que a série de explosões e a enorme nuvem de poeira que se dividiu em dois turbilhões foram resultados de uma série de rupturas sofridas por uma rocha frágil. Na explosão mais violenta, a 30km de altitude, as câmeras registraram um clarão 30 vezes mais intenso que a luz do sol, que chegou a causar queimaduras de pele.
A desintegração da rocha causou uma onda de choque que deixou marcas em um raio de 90km. ;Acreditamos que isso se deve ao fato de a energia não ter sido liberada em apenas uma explosão;, descreve Peter Jenniskens, astrônomo do Carl Sagan Center. Depois de visitar mais de 50 vilas ao redor da área atingida, o pesquisador estima que, apesar do susto, os danos foram pequenos para a queda de um objeto de quase 20m de diâmtero. Pouco mais de 700 pessoas sofreram ferimentos leves, e os vidros de várias janelas foram quebrados pela liberação súbita de energia equivalente a mais de 500 mil toneladas de explosivos.
A fragilidade do meteoro fez com que 76% das suas 13 mil toneladas evaporassem em contato com a atmosfera. A maior parte do restante se quebrou em pequenos fragmentos, deixando que apenas dois pedaços maiores chegassem ao chão. O maior deles foi encontrado em um lago, onde fez um buraco de 8m de diâmetro na superfície congelada. A balança quebrou quando a pedra foi pesada, mas pesquisadores estimam uma massa de 600kg a 650kg.
A estrutura enfraquecida certamente minimizou os danos. Embora fosse feito de condrito, um tipo de meteorito bastante forte, ele tinha diversas fraturas causadas por colisões com outros objetos. Se o objeto fosse mais sólido, os danos teriam sido muito maiores. ;O asteroide provavelmente iria se fragmentar na atmosfera de qualquer forma, mas isso ocorreria em altitudes menores, em camadas mais densas da atmosfera e mais próximo ao chão;, especula Jirí Borovicka, pesquisador da Academia de Ciências da República Checa e principal autor de um dos trabalhos publicados na Nature.
Imprevisto
Mas por que uma pedra de largura maior que um ônibus não foi vista por ninguém antes de chegar à Terra? Os pesquisadores estimam que o objeto tenha passado seis semanas oculto em uma região inacessível para telescópios antes que uma força violenta o jogasse em direção à Terra. A rocha teria se aproximado do planeta contra o Sol, e seu brilho só se tornou perceptível a olho nu quando estava a 90km do chão. Os astrônomos que levantam essa teoria acreditam também que o asteroide tenha sido parte de um corpo maior, com o qual dividiu a órbita por mais de 2 mil anos. Outra hipótese, no entanto, levanta a possibilidade de que ele tenha passado antes de raspão pela Terra e que só em fevereiro tenha voltado para acertar o alvo.
A queda do corpo espacial pegou todos de surpresa, mas pode servir de lição para os astrônomos. Os dados de precisão sem precedentes colhidos nos últimos meses serão usados para a construção de modelos de computador que ajudarão a prever com mais precisão esse tipo de episódio. Mesmo grande, a energia liberada pelo asteroide foi menor do que a esperada pelos cálculos usados por especialistas. ;Os modelos de armas nucleares presumem que toda a energia é liberada em um único ponto. Nesse caso, a trajetória rasa significa que a energia foi liberada ao longo de uma comprida trilha;, estima Margaret Campbell-Brown, pesquisadora da University of Western Ontario e autora de um dos artigos.
Novos telescópios também serão preparados para observar objetos dessa dimensão, considerada pequena demais para instrumentos atuais. ;Impactos como o de Chelyabinsk podem ser mais frequentes, possivelmente não uma vez por século, mas uma vez a cada 20 anos. Claro, o próximo choque provavelmente será em uma área não habitada, mas, apesar disso, devemos manter um olho no céu para aumentar a chance de alerta antecipado;, acredita Jirí Borovicka.