Roberta Machado
postado em 13/11/2013 16:00
O pesquisador Jerry Qi e uma das criações 4D: o objeto plano se transforma em cubo com o estímulo certo |
A primeira dimensão é a fundamental, e não tem nada mais do que o comprimento. Como uma linha, ela se estende, mas não parece ocupar espaço. Já na segunda, o desenho ganha largura e pode assumir formas geométricas ou indefinidas, como uma ilustração feita em uma folha de papel. A realidade só ganha corpo na terceira dimensão, em que a profundidade cria a percepção de volume e espaço. Uma sensação que o cinema tenta imitar, mas que só existe em objetos sólidos. A progressão parece acabar por aí, mas há quem consiga visualizar a quarta dimensão, uma dinâmica conflituosa que muitos preferem resumir em uma definição simples: o tempo.
Referir-se à representação do tempo em um objeto sólido pode parecer algo muito estranho, mas ainda assim é a explicação perfeita para uma linha de pesquisa desenvolvida em universidades norte-americanas no último ano. A impressão 4D, como é chamada a técnica, leva a prototipagem tridimensional a um outro patamar, com o uso de materiais inteligentes. A ideia é produzir objetos que continuam se construindo com o tempo, assumindo formas diferentes daquelas que têm quando saem da impressora 3D.
A dinâmica fica bastante clara em uma demonstração feita pelo Laboratório de Automontagem do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Uma peça de plástico plana, formada por alguns módulos, é mergulhada na água. Uma vez submerso, o objeto parece ganhar vida. Como uma centopeia, se retorce em diferentes posições até que a estrutura longa e flexível se torna um pequeno arco duplo de suporte quadrado. Eis a quarta dimensão em ação.
;O material é composto de dois materiais diferentes que são impressos ao mesmo tempo. Um dos materiais se expande em contato com a água, e o outro é estático, não se modifica;, revela Shelly Linor, diretora de Educação Global da Stratasys. ;O resultado, revolucionário, é um material que tem a habilidade de se autodobrar;, conclui a representante da companhia de impressão 3D que foi parceira no desenvolvimento da técnica. As possíveis vantagens da tecnologia, que, por enquanto, não saiu do laboratório, vão desde a economia de energia à fabricação de formas que seriam impossíveis pelos métodos tradicionais.
O principal criador da técnica, o arquiteto Skyllar Tibbits, acredita que os materiais intuitivos podem ser usados para a construção de prédios inteiros, que dispensariam o trabalho humano ou mecânico. Em uma palestra ministrada no início do ano, ele exemplificou sua teoria sacudindo um vidro com uma bolinha estruturada de plástico: o mesmo movimento que despedaça a estrutura cria depois a energia que vai aleatoriamente reunindo as peças mais uma vez. Na visão de Tibbits, os tijolos, encanamentos, móveis e até estações espaciais poderiam ser construídos da mesma forma. A demonstração foi repetida em tamanho real, com um grande recipiente girado por pessoas na rua para criar formas geométricas do tamanho de bolas de praia.
Camada a camada
As apresentações de Tibbits atraíram pesquisadores de todas as áreas, que se apressaram em materializar o sonho das impressões 4D. O primeiro resultado foi publicado recentemente por especialistas da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos. O grupo de engenheiros testou a ideia e mostrou que é possível combinar polímeros com ;memória; e materiais comuns para imprimir objetos que mudam de forma depois de prontos.
O professor de engenharia Jerry Qi explica que, até alguns anos atrás, era impossível programar na fase de design o comportamento que o material teria depois de impresso. Mas a impressora 3D permitiu a composição de materiais camada a camada, de forma que a estrutura do objeto pode ser manipulada em detalhes. ;Para uma tira mudar de uma linha reta para uma curva, não se pode usar uma fibra longa. É necessário colocar fibras curtas em locais específicos, e isso é quase impossível de se fazer à mão;, explica o autor do trabalho.
O que muda em relação às impressões que já são feitas é o polímero usado e o design. No caso do projeto da Universidade do Colorado, os pesquisadores testaram um tipo de fibra de vidro com propriedades de borracha. Basta definir em um programa de computador como o material será depositado para conseguir o efeito desejado. A técnica foi testada com um pequeno cubo desmontado. Depois de impressa, a folha se dobrou e ganhou forma tridimensional. ;O tipo possível de movimentos deve ser tremendo. Atualmente, não sabemos os limites ainda;, anima-se Qi.
No futuro, será possível imprimir objetos que se transformam para cumprir mais de uma utilidade, dependendo da maneira como são acionados. Uma estrutura plana pode, por exemplo, virar um item depois de ser sacudida e ganhar uma forma totalmente diferente depois de ser imersa na água. ;A limitação é a criatividade para achar soluções. Trabalhar com a modelação de plástico fixo, flexível e solúvel vai possibilitar cada vez mais aplicações;, especula Marcelino Andrade, professor de engenharia eletrônica da Universidade de Brasília (UnB) no câmpus Gama.
Outra possibilidade é a fabricação de materiais inteligentes que se adaptam ao ambiente. ;A primeira ideia que vem à minha mente são as antenas inteligentes. Mudando a geometria da antena, muda-se o funcionamento;, exemplifica o especialista. A ideia já atraiu o exército norte-americano. Os militares deram uma bolsa de US$ 855 às universidades de Pittsburgh, Illinois e Harvard para desenvolver matérias-primas biomiméticas a partir da tecnologia 4D. O objetivo do grupo ainda não foi divulgado, mas alguns dos prováveis itens na lista do exército são roupas que se camuflam de acordo com o ambiente ou uniformes que protejam os soldados de ataques químicos.