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O poder do coletivo

Experimento francês conclui que grupos maiores podem obter avanços técnicos mais sofisticados, uma vez que a troca de informações e de ideias é intensificada. O estudo pode ajudar a entender como aconteceu a evolução tecnológica humana

postado em 14/11/2013 16:00

Artefatos utilizados para caçar há 15 mil anos, achados na América do Norte: evolução tecnológica pode ter sido favorecida pelo aumento populacional (Michael R. Waters/Divulgação)
Artefatos utilizados para caçar há 15 mil anos, achados na América do Norte: evolução tecnológica pode ter sido favorecida pelo aumento populacional


A união faz a força. Um experimento de laboratório conduzido por pesquisadores franceses acaba de corroborar a ideia por trás do famoso dito popular. Pelo menos no que diz respeito às inovações técnicas. No estudo, publicado esta semana na revista Nature, os cientistas acharam indícios de que grupos sociais maiores são capazes de criar tecnologias mais sofisticadas, um resultado que ajuda a compreender por que a humanidade viveu saltos de criatividade em determinados períodos.

Para testar a hipótese de que a quantidade influencia na capacidade produtiva de uma sociedade, especialistas da Universidade Montpellier pediram para que voluntários criassem, por meio de um jogo de computador, pontas de flecha e redes de pesca. O desafio consistia em ligar pontos pretos utilizando algumas retas (no caso das flechas) e retas e tipos diferentes de nós (para as redes). Divididos em grupos de duas, quatro, oito ou 16 pessoas, os participantes assistiam a um vídeo de instruções e partiam para realizar a tarefa de forma individual.

Entre uma tentativa e outra, porém, eles podiam conferir como estava o processo de criação dos colegas de grupo. Um indivíduo em uma turma de oito voluntários, por exemplo, podia comparar seu trabalho com o de sete pessoas. No fim, os conjuntos de oito e 16 participantes chegaram a resultados muito superiores aos alcançados pelas duplas e quartetos, em alguns casos, até mais sofisticados que os do vídeo de demonstração (veja infografia). ;A produção de inovação aumenta com o tamanho do grupo porque mais eventos de cópia produzem uma maior variação cultural;, diz o principal autor do artigo, Maxime Derex.

Pode parecer estranho que um jogo de computador traga informações sobre como as sociedades humanas geram cultura complexa. Mas o principal autor do artigo, Maxime Derex, defende as informações que o método pode fornecer. ;Jogos de computador permitem a observação da evolução cultural durante períodos de tempo curtos;, justifica o professor do Instituto de Ciências da Evolução de Montpellier.

Debate
O estudo busca contribuir para um debate que há tempos existe no meio acadêmico. Segundo Derex, já havia uma suspeita de que o tamanho da população pode refletir na complexidade cultural, mas nenhum estudo chegou a comprovar a hipótese. ;Jared Diamond, um famoso biólogo americano, em seu livro Armas, germes e aço, argumentou que, em escala continental, populações maiores aumentam a taxa de evolução cultural da sociedade;, cita.

;Além disso, o arqueólogo britânico Stephen Shennan e seus colegas argumentaram que a aparição do comportamento humano moderno, no Pleistoceno, pode estar relacionada a um aumento no tamanho e na ligação das populações humanas, e não a melhorias cognitivas. No entanto, até agora, essa teoria não foi confirmada;, diz.

Derex reconhece, contudo, que as conclusões são iniciais e precisam de continuidade. ;Neste momento, nossos resultados sugerem que, quanto mais nós dependemos de conhecimento culturalmente transmitido para nossa sobrevivência, mais dependeremos de viver em grandes grupos. Outros estudos serão realizados para explorar como a estrutura populacional promove a evolução cultural e a taxa de inovação. Provavelmente, isso poderia ajudar a identificar formas de desempenho específicos e de alta de organização do grupo. No entanto, necessitamos de mais pesquisa.;

História
Para Cesar Gordon, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o trabalho, apesar de simples, mostra um viés interessante de um conceito conhecido. ;É um estudo que ajuda a demonstrar a premissa dos pesquisadores de que o fator demográfico, isto é, o tamanho da população tem influência no modo como a transmissão cultural ocorre. E isso pode ter tido efeitos ao longo da história humana e favorecido o desenvolvimento cultural e técnico. Grupos que lograram manter um certo quociente demográfico podem ter tido mais sucesso em se desenvolver e em inventar e manter certas descobertas e implementos culturais;, avalia o especialista.

Gordon, que não participou da pesquisa, acha que o estudo poderia testar outras teses. ;Os autores não testaram a hipótese pelo outro lado. É de se esperar, provavelmente, que, atingido um limite demográfico, o efeito benéfico comece a dar lugar ao efeito contrário. Por exemplo, uma população muito grande talvez tenha dificuldades de outra ordem e precise se segmentar em grupos;, propõe. ;Mas os autores têm um enfoque paleoarqueológico. Eles imaginaram o estudo tendo em vista o período pré-histórico, considerando, com razão, grupos humanos de dimensões demográficas muito reduzidas.; No trabalho de Derex, notou-se que os grupos com oito e 16 indivíduos obtiveram resultados semelhantes, indicando que um número cada vez maior não garante uma evolução técnica cada vez mais ampla.

Para Peter Richerson, professor do Departamento de Política Científica e Ambiental da Universidade da Califórnia, o trabalho trata de um tema complicado de ser estudado, mas que ainda assim merece atenção. ;Transmissão cultural é um tema de difícil comparação. Experiências controladas são a única maneira de entender muitos desses processos;, afirmou em um comentário à revista Nature. ;Os biólogos evolucionistas, economistas, antropólogos, sociólogos e historiadores contribuíram com seu interesse pela cultura, e psicólogos trouxeram um foco em indivíduos e métodos para o estudo de como os seres interagem em grupo. Só recentemente temos experiências como as de Derex. A própria ciência é um fenômeno evolutivo cultural, e entendê-la como tal é importante para o seu próprio desenvolvimento;, acrescentou o pesquisador.

Culturas paleolíticas

O Pleistoceno corresponde ao intervalo entre 1,8 milhão e 11.500 anos atrás. Foi nessa época que ocorreram as mais recentes Eras do Gelo e que o homem saiu da África para conquistar os demais continentes. Nesse longo período, surgiram também as culturas paleolíticas, responsáveis por sucessivas inovações tecnológicas, como a adoção de ferramentas de pedra, incluindo pontas de flecha e lança para caçar, há quase 2 milhões de anos. Historiadores e arqueólogos consideram que o paleolítico terminou com o advento da agricultura, aproximadamente 9,5 mil anos atrás.

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