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Em busca de mais privacidade

Pesquisadores europeus desenvolvem plataforma que permitirá um controle maior de quem pode acessar o conteúdo postado por uma pessoa nas redes sociais

Roberta Machado
postado em 02/12/2013 16:00

Em uma era hiperconectada, na qual conhecidos são contados às centenas, torna-se fundamental poder se comunicar com muita gente ao mesmo tempo. O canal perfeito para isso é a internet, em que basta um clique para que a foto de uma viagem ou o convite para uma festa se espalhe na velocidade da fibra ótica. E esse é o lado bom das redes sociais: todo mundo está lá, pronto para ser alcançado com um simples apertar de botão. Mas esse também é o lado ruim desses espaços virtuais de interação. Todo mundo está lá. E, antes que se perceba, sua mãe viu aquela imagem na qual um colega o marcou em situação constrangedora, ou aquele desafeto descobriu onde você estará no fim de semana.

Esses são problemas pequenos em comparação a ataques morais na rede, o uso inapropriado da imagem ou mesmo ameaças à própria segurança dos internautas ; todas questões que um projeto criado por pesquisadores europeus procura evitar. A ferramenta de privacidade Digital.me é um servidor com gestão de dados inteligente e tecnologias de proteção projetado para todas as comunidades da web. A iniciativa de 4,35 milhões de euros é financiada pela União Europeia e começou a ser desenvolvida em 2010. Por ser um modelo de código aberto, é possível que seja adaptado para funcionar como um novo canal de comunicação ou como um servidor que possibilite o uso das mídias sociais já existentes com maior controle de privacidade.

No modelo criado pela plataforma, os internautas teriam controle das suas informações e usariam múltiplas identidades como filtro para dar acesso diferenciado a pessoas mais próximas e a desconhecidos, por exemplo. Cada grupo teria acesso a um perfil diferente, com apelidos e conteúdo voltados especialmente para aquele círculo social. A plataforma di.me foi pensada justamente para cuidar dessa integração, sincronizando as informações e fazendo recomendações ao internauta com base nos conteúdos já publicados. Se a pessoa tentar, por exemplo, enviar dados para contatos pouco confiáveis ou inadequados, o sistema alerta para o perigo.

Quando usado diretamente no computador pessoal, o canal de comunicação peer-to-peer dá uma garantia de segurança ainda maior. A medida procura evitar o uso indevido das mensagens compartilhadas, como a criação de perfis voltados para a publicidade. A prática é óbvia em redes como o Facebook, que enchem a timeline dos seus membros com propagandas sob medida e afeta até mesmo mensagens privadas do Gmail, que foi acusado de ler os e-mails para moldar campanhas dos seus patrocinadores.

Como teste, a proposta europeia foi disponibilizada para alguns usuários selecionados, que avaliaram o modelo. Entre julho e outubro deste ano, os usuários usaram a ferramenta para acessar redes sociais ou se comunicar diretamente com colegas que também tinham acesso ao servidor. A avaliação foi positiva, com 81% de aprovação, e 65% dos entrevistados indicaram que usariam as ferramentas propostas no futuro.

Praticidade perigosa

Sites como o Twitter já permitem que as mensagens sejam restritas a amigos, e também é possível dividir os contatos do Facebook em grupos com acesso diferenciado aos posts publicados. A grande diferença do projeto di.me é que ele foi feito especialmente para facilitar o uso dessas ferramentas e chamar, constantemente, a atenção do usuário para a importância de medidas de segurança e transformar os cuidados em hábito.

;Há tempos que se discute esse mecanismo das personas, ou seja, ter perfis diferentes para cada acesso;, comenta André Luiz Moura dos Santos, professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e diretor do Information Security Research Team (Insert). O especialista ressalta que qualquer um pode fazer vários perfis em uma rede social usando e-mails múltiplos e administrar tudo isso por conta própria. Mas a tendência, acredita, é de que os internautas prezem mais pela facilidade e pela rapidez do que pela segurança. ;Essa natureza do ser humano que vai contra a privacidade é o grande problema, que a tecnologia ainda não conseguiu resolver.;

Ele mesmo admite que se mantém distante do Facebook, a não ser pelo uso de algumas contas falsas para ter acesso ao conteúdo da rede social. O cuidado evita constrangimentos e a exposição excessiva, mas também anula as facilidades sociais e profissionais que o site oferece. ;Prezo pela minha privacidade, mas pago um preço muito alto por isso;, aponta Moura. ;Privacidade, de uma maneira absoluta, todo mundo vai falar que quer. Mas, de uma forma ou de outra, sempre vai ser trabalhoso, e não é tanta gente assim que quer isso;, compara.

O especialista em segurança digital lembra que sites de compra como o Amazon, por exemplo, têm sucesso em oferecer compras em um clique para os clientes cadastrados. Para poupar alguns minutos, o internauta confia o número do cartão de crédito à empresa sem questionar quem terá acesso a essa informação. Nas redes sociais, é comum que o perfil permaneça conectado no computador pessoal e em dispositivos móveis, geralmente com wi-fi e conexão bluetooth habilitados ; é difícil lembrar das ameaças virtuais quando estamos postando a foto de um momento importante no Instagram.

Bom senso

Durante os testes do Digital.me, apenas 6% julgaram que o sistema tenha sido ;extremamente conveniente;, enquanto 30% acharam o modelo satisfatório, e 37% registraram uma opinião moderada sobre o conforto do servidor pessoal. Os índices foram quase idênticos no quesito ;facilidade de aprendizagem;, com 7%, 33% e 37% de níveis de aprovação, respectivamente.

O próprio relatório admite as dificuldades de se construir um muro de proteção em torno de cada informação compartilhada na rede. ;O userware di.me fornece mais controle sobre os dados do usuário, portanto necessita de um uso e de um conjunto de ações mais complexo para executar a mesma tarefa;, descrevem os resultados da pesquisa. ;Isso, obviamente, entra em conflito com os hábitos existentes do usuário, que tipicamente envolvem mecanismos de compartilhamento de um clique, como Facebook ou LinkedIn;, reconhece o documento.

Ainda não há ferramenta digital capaz de colocar freios na ânsia do internauta, tão carente de paciência num meio em que todo cuidado é pouco. A maior ferramenta de segurança, lembram os especialistas, continua sendo o bom senso. ;Só coloque na internet as coisas que você esteja realmente disposto a compartilhar, nesse e em qualquer momento da sua vida;, recomenda Celso Fortes, diretor da agência digital Novos Elementos e consultor em comunicação digital em novas mídias. Afinal, nem os filtros mais eficazes vão impedir que uma informação preciosa vaze, seja pela internet, seja pelas conexões do mundo real. ;A partir da hora em que você publica algo na internet, é que nem biscoito no recreio. Você dá um para um colega, e logo todo mundo fica sabendo;, brinca o especialista.

;Privacidade, de uma maneira absoluta, todo mundo vai falar que quer. Mas, de uma forma ou de outra, sempre vai ser trabalhoso;

André Luiz Moura dos Santos, professor da Universidade Estadual do Ceará

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