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Paladar eletrônico

Aparelho simula sabores por meio de eletrodos colocados em contato com a língua. No futuro, a ideia pode levar à criação de canudos que adoçam a bebida artificialmente e permitir ao internauta %u201Cexperimentar%u201D o alimento mostrado na tela do computador

Roberta Machado
postado em 06/12/2013 14:00
A interação homem-máquina está prestes a cruzar uma nova fronteira: a do sabor. Ao menos, esse é o sonho do engenheiro do Sri Lanka Nimesha Ranasinghe, cujo trabalho é dedicado a criar tecnologias vestíveis que estimulem os sentidos. Foi nos estudos de doutorado em Cingapura que ele desenvolveu uma interface eletrônica de paladar, capaz de causar na língua uma sensação similar à de provar um alimento. O aparelho não usa nenhum tempero ou composto químico: o gosto artificial é criado unicamente por pulsos eletrônicos projetados para enganar as papilas.

Em um vídeo, o pesquisador cingalês aparece realizando o sonho de muitos internautas: passa os dedos por desenhos de sobremesas em um laptop e os leva à boca, como uma criança que finge provar a cobertura de um doce de mentira. Em outro cenário, lambe a tela do computador na qual é exibido um delicioso bolo de morango. Mas, claro, essa é só uma interpretação do que o cientista quer criar no futuro. Por enquanto, a invenção limita-se a um dispositivo um pouco menor do que uma caixa de sapato em que eletrodos são usados para a simulação do sabor.

A interface de língua, como é chamada, tem duas placas eletrônicas conectadas a um sistema que controla a temperatura. Encaixadas na parte de baixo e de cima do órgão, as peças metálicas usam um estímulo elétrico para transmitir a falsa sensação de gosto para as papilas. Para cada gosto, uma sequência de aquecimentos e resfriamentos e uma corrente de diferentes amplitudes são disparadas na boca do usuário, enganando o paladar.

As ;receitas; dos sabores eletrônicos não estão em nenhum livro culinário. Ranasinghe formulou os gostos artificiais com base em estudos feitos com mais de 200 pessoas, que intercalavam lambidas no material metálico e colheradas de soluções com intensidades diferentes de cada sabor. Assim, ele descobriu que, para reproduzir o azedo, teria de aquecer os eletrodos, enquanto o salgado exige uma frequência elétrica mais baixa. E o sabor amargo seria detectado pelos participantes expostos a uma corrente média na parte de baixo da língua.

O gosto mais difícil de reproduzir, de acordo com ele, é o doce. O tão cobiçado sabor do açúcar só foi obtido com uma complicada manobra de inversão contínua de temperatura. A técnica, que leva alguns segundos, não é perfeita. Nem todos os voluntários foram capazes de detectar o doce sabor elétrico da interface. Outras descobertas foram um pouco mais óbvias: para ser obtido um falso sabor picante é necessário apenas aquecer o aparelho, e a refrescante sensação mentolada surge do resfriamento do metal. Até então, a simulação de sabores só era possível com o uso de químicos depositados na língua do usuário.

Depois de vários testes, o engenheiro definiu que o melhor lugar para usar os eletrodos saborosos seria na ponta da língua. É ali a parte mais sensível do órgão, que tem zonas mais propensas a sentir os diferentes sabores. O salgado, por exempo, é notado com mais facilidade na lateral da língua, e o azedo se destaca na parte de trás do órgão. Mas todos os sabores podem ser sentidos de alguma forma em todas as áreas da língua. ;Se, em um trauma, uma pessoa perde um pedaço da língua, não deixa de sentir o gosto doce. Esse gosto é distribuído na língua, mas tem uma concentração maior nessas regiões, onde há intensidades de estímulos diferentes;, explica Águida Aguiar Miranda, da Sociedade Brasileira de Estomatologia (Sobep).

Tocar a ponta da língua com uma placa de metal, portanto, tem resultados, mas nunca será o mesmo de mastigar um alimento da forma tradicional. ;A experiência pode não ser exatamente comparável a gostos naturais, e algumas vezes você pode sentir o gosto metálico;, descreve Ranasinghe, que confessa ter provado da própria criação várias vezes desde que começou a trabalhar no projeto, há três anos. Ele ressalta que continua trabalhando para melhorar os resultados, mas não espera substituir a comida de verdade por alimentos eletrônicos. ;É besteira pensar assim, já que precisamos de todo o tipo de nutrição por meio de comidas reais;, ressalta.

Sabores simples
O dispositivo resume o sabor artificial a um sistema relativamente simples: os cinco sabores básicos são transmitidos na intensidade baixa, média ou alta. O telespectador, portanto, não poderá provar tão cedo aquele prato gourmet mostrado em programas da tevê. ;Sabores complexos, como de vinho ou café, por exemplo, poderão ser gerados com apenas um eletrodo de prata?;, questiona Osvaldo Novais de Oliveira Jr., pesquisador do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e criador de uma língua eletrônica brasileira.;Eu apostaria que, para gerar um sabor completo, o sistema terá que ser muito mais sofisticado;, avalia.

Nimesha Ranasinghe acredita que sua invenção possa ter uma aplicação nos utensílios usados para a alimentação, como um tipo de realçador eletrônico de alimentos completamente livres de calorias. A interface poderia, por exemplo, dar origem a um canudinho equipado com os eletrodos de sabor ; mesmo tomando água pura, o cérebro seria levado a acreditar que o líquido tem o gosto transmitido pelo dispositivo. ;Mas ainda há várias questões a serem resolvidas, de problemas de higiene a efeitos pessoais e diferenças de sensação de gostos;, enumera o inventor.

O cientista desenvolveu até mesmo o conceito de um aplicativo que permite que uma pessoa envie uma mensagem de texto saborosa ; bastariam alguns toques no telefone para dar a um amigo uma mostra de uma barra de chocolate ou de um salgadinho. Para ele, a invenção leva para a esfera digital o velho costume de colegas partilharem um alimento em um momento de convivência. Ou, no mínimo, as fotos de refeições do Instagram poderiam ser muito mais interessantes.

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