Publicação: 16/12/2013 04:00
Belo Horizonte ; Mel e ferroadas são a marca registrada das abelhas para a imensa maioria das pessoas. Porém, a grande capacidade polinizadora desse inseto é a sua mais importante função na natureza. Dela depende a sobrevivência de muitas espécies, incluindo os humanos. ;Se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a espécie humana teria somente mais quatro anos de vida. Sem abelhas, não há polinização, ou seja, sem plantas, sem animais, sem homens.; Tal assertiva, creditada ao físico alemão Albert Einstein, ilustra bem o papel vital exercido por esses insetos.
Nesse contexto, o cenário atual não é de tranquilidade. Isso desde que, em 2011, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) emitiu um alerta sobre as consequências que o sumiço das abelhas pode causar. O desaparecimento de colônias desses animais, antes limitado à Europa (onde o fenômeno começou a ser notado no fim da década de 1960) e à América do Norte, ultimamente está sendo também observado na África (Egito) e na Ásia (China e Japão).
Pesquisadores da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, estimam que um terço dos alimentos consumidos pelo homem são diretamente dependentes do papel das abelhas na natureza, e que elas são responsáveis pela polinização de 80% dos cultivos existentes. As monoculturas, a intensificação do uso de agrotóxicos e as queimadas são prováveis causas da diminuição acelerada desses insetos. A domesticação para a produção de mel também é citada, visto que, nesse caso, as espécies descendentes geralmente não conseguem mais sobreviver na natureza. A recente guerra no Iraque, com uso de explosivos em larga escala, causou a diminuição de 90% das colônias naquele país, dizem os cientistas americanos.
Amazônia
Diante desse quadro, que aponta os insetos como vitais para a manutenção da biodiversidade, o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Márcio Oliveira, em parceria com o pesquisador J. Christopher Brown, da Universidade do Kansas (EUA), realizou uma pesquisa que relaciona a colonização agrária e o desmatamento em Rondônia com o desaparecimento das abelhas.
Resultados do estudo foram publicados em outubro na revista Apidologie, uma das mais importantes do mundo sobre abelhas e ligada ao Instituto Nacional de Pesquisas da França (Inra). O trabalho mostra que os pesquisadores visitaram 187 locais de Rondônia em um ano e, por meio de monitoramento por imagens de satélites, identificaram as áreas mais desmatadas do estado. Depois, relacionaram o desaparecimento das espécies de abelhas com as informações obtidas.
;O incentivo à ocupação das terras de Rondônia nos anos de 1980 provocou um crescimento acelerado e as populações começaram a desmatar para exercer atividades agrícolas. Nas primeiras áreas ocupadas, nota-se um número menor de espécies de abelhas do que nas ocupadas por último. Já nas áreas de colonização próximas de reservas indígenas e de unidades de conservação, encontra-se um número maior de espécies, o que reforça a importância desses locais;, explica Oliveira.
Questionado sobre a existência de outras áreas do Brasil com o mesmo problema, o pesquisador diz que ainda não foram realizadas pesquisas similares fora de Rondônia. ;Mas a escala do desmatamento da floresta, principalmente no Pará, no Maranhão e em Mato Grosso, é preocupante e, pode, sim, levar a um cenário semelhante ao de Rondônia;, ressalta. ;O caso rondonense é o único, pois lá houve assentamentos agrários oficiais, onde foi removida a cobertura florestal para dar lugar à produção agropecuária. Ou seja, pensou-se na produção agrícola, mas não nas abelhas que auxiliam, e muito, nessa produção;, afirma.
Para reverter, em parte, essa situação, ele recomenda deixar grande parte das áreas desmatadas e hoje abandonadas para se regenerarem, sob a proteção oficial, assim como se faz nas áreas de preservação. ;As abelhas sempre foram consideradas um dos organismos mais importantes da natureza. Estima-se que sejam responsáveis, por meio da polinização, pela produção de frutos em cerca de 800 alimentos consumidos pelo homem. Ou seja, o desaparecimento ou a diminuição delas poderão afetar a produção de algodão, de café, de laranja e muitos outros frutos e grãos consumidos pelo homem;, ressalta.
Melhoramento genético
Segundo Oliveira, em grandes plantações, as abelhas mais eficazes na polinização são as africanas, trazidas para o Brasil na década de 1950 para o melhoramento genético das europeias, introduzidas pelos imigrantes europeus a partir do fim do século 19. ;Se pensarmos nas fruteiras nativas e na vegetação natural, as abelhas nativas é que passam a ser eficazes. A polinização é um dos fenômenos mais importantes que existem, pois é por meio dela que o pólen (elemento reprodutivo masculino) é levado ao encontro da oosfera (elemento reprodutivo feminino) formando, a partir daí, a semente e seu fruto. O vento, a chuva e os pássaros também fazem isso, mas ninguém faz melhor que os insetos, com destaque para as abelhas, consideradas um dos organismos mais importantes da natureza;, avalia.
O pesquisador, também curador da Coleção de Invertebrados do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), com experiência na área de zoologia e ênfase em taxonomia, biogeografia, ecologia e conservação de abelhas, acrescenta que os alertas emitidos pela FAO visam à preservação desses animais. ;Entre as diretrizes recomendadas pelo órgão da ONU, estão um melhor conhecimento dos polinizadores e das plantas que polinizam e a proteção das áreas onde eles acontecem.;
DIVERSIDADE
BRASILEIRA
No Brasil, há seis famílias de abelhas. Veja as principais diferenças entre elas:
lambedoras
São abelhas que lambem o néctar nas flores. Chamadas também de abelhas de língua curta.
Família Colletidae
; São solitárias, geralmente especializadas nas plantas que visitam. Representantes dessa família são abundantes e mais diversificados na Austrália e na parte temperada da América do Sul. No Sul do Brasil, há 44 espécies conhecidas.
Família Andrenidae
; Mais comuns em áreas secas. Têm entre 10mm e 20mm de comprimeno e vivem em colônias escavadas em subsolos e estão ativas entre março e abril.
Família Halictidae
; É uma das mais diversificadas no Brasil. Abelhas dessa família apresentam brilho metálico verde, azul, avermelhado ou mesmo negro. Têm diferentes níveis de sociabilidade, que vão do solitário ao subsocial. A tribo Augochlorini está bem representada nas áreas de floresta tropicais, com maior diversidade no sul do Brasil e na Argentina.
Sugadoras
São abelhas que sugam o néctar nas flores. Também chamadas de abelhas de língua longa.
Família Megachilidae
; Têm vida solitária, constroem os ninhos com pedaços de folhas e restos vegetais ou utilizam orifícios em troncos. Abelhas dessa família são encontradas com alta frequência, principalmente, em áreas abertas.
Família Anthophoridae
; Extremamente diversificada. Geralmente, são solitárias, mas muitas espécies vivem em agregação, construindo ninhos próximos umas das outras. Entre os Anthophorideos estão os:
1. Centridini ; grupo de abelhas coletoras de óleo.
2. Eucerini ; bastante comuns no Sul e no Sudeste do Brasil.
3. Exomalopsini ; é um grupo bastante diversificado. Muitos gêneros e subgêneros são restritos a regiões temperadas da América do Sul, onde encontram-se várias espécies endêmicas.
4. Emphorini ; tribo de abelhas exclusivo do continente americano. Estão em áreas abertas e nas terras baixas.Espécies mais comuns e de ampla distribuição.
5. Xylocopini ; esse grupo inclui as abelhas carpinteiras do gênero Xylocopa, que fazem ninhos em madeira. Popularmente também conhecidas como mamangavas, são boas polinizadoras das flores de maracujá.
6. Parasitas ; há uma grande diversidade de abelhas parasitas entre os Anthophoridade, com diferentes estratégias de parasitismo.
Família Apidae
; Com hábitos generalistas, apresenta o maior número de indivíduos. Na Mata Atlântica em São Paulo, foram encontradas 40 espécies. Entre os representantes, estão os Meliponinae, os Bombinae e Euglossinae.
Fonte: Laboratório de Abelhas do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo