postado em 17/02/2014 18:11
A aprovação da reserva de vagas nos concursos públicos federais para afrodescendentes foi defendida por senadores e convidados em audiência na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) nesta segunda-feira (17). O diretor da ong Educafro, Frei David Santos, pediu audiência com o presidente do Senado, Renan Calheiros, para tratar do assunto. A intenção é que Renan ajude a convencer o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Henrique Eduardo Alves, a pautar imediatamente o projeto (PL 6.738/2013 na Câmara) no Plenário daquela Casa.[SAIBAMAIS]
A proposta, de iniciativa do Executivo, sugere reserva de 20% das vagas para pardos e negros pelo prazo de 10 anos. O texto tramita em regime de urgência constitucional, com prazo de 45 dias para análise em cada Casa. Na Câmara, já passou por três comissões, recebendo emendas. Falta agora a decisão em Plenário, onde a matéria tranca a pauta. Se aprovado, o projeto será examinado pelo Senado.
O senador Paulo Paim (PT-ES), que propôs a audiência e coordenou os trabalhos nesta segunda, informou que já protocolou o pedido de audiência com Renan.
; Vamos pedir que ele dê uma ligada para o presidente da Câmara, no sentido de que a proposta seja votada lá com rapidez ; esclareceu ao fim do debate.
No Senado, informou Paim, haverá uma audiência na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde a matéria receberá parecer antes de ir a Plenário. Ele apontou um ;clima favorável; à aprovação do projeto.
; Até o momento, não vi ninguém se posicionando contra ; comentou.
Frei David, da Educafro, observou que o fato de os líderes partidários da Câmara não terem deixado a matéria entrar em pauta causa preocupação. Ele defendeu as emendas aprovadas nas comissões temáticas, por sugestão da própria entidade, entre as quais a elevação das cotas para 30% das vagas nos concursos, com inclusão de indígenas como beneficiários.
; Acho que essa Casa jamais deixará de lembrar esse grupo segregado ; afirmou Frei David, considerando 20% uma cota ;mesquinha;.
Obrigatoriedade
Os expositores destacaram que, além de significar mais uma medida reparadora da dívida social com os descendentes dos escravos, a reserva de vagas vem concretizar o princípio constitucional da redução das desigualdades (artigo 3;).
De acordo com Augusto Werneck, procurador do estado do Rio de Janeiro, do ponto de vista constitucional as cotas devem ser entendidas como obrigação do Estado
; Não é uma questão de se adotar ou não: elas são um direito e têm que existir, senão haverá flagrante inconstitucionalidade ; comentou.
O promotor de Justiça Libanio Alves Rodrigues, diretor-geral do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), lembrou que a baixa representatividade dos negros em posições de poder contribuiu para a prática do racismo institucional. Esse tipo de racismo se manifestaria em indiferença na máquina pública às necessidades e demandas da população afrodescente e até em atos de exclusão e violência. Ele lembrou que, de cada 100 vitimas de assassinato, 70 são jovens e, desses, 63 são negros.
Rodrigues ainda lembrou que, à época do julgamento do tema das cotas na universidades federais no Supremo Tribunal Federal (STF), um grupo de intelectuais atacou as ações afirmativas. O argumento era o de que as cotas, no lugar de promover igualdade, institucionalizariam o ;racialismo; como elemento das políticas públicas. Ele observou que os mesmos setores sustentavam a tese de que cairia a qualidade das universidades.
; Não vejo esse mesmo grupo discutir a corrupção e a violência, nem aclamar o indiscutível sucesso da política de cotas nas universidades ; criticou.
Diversidade
Adilson Moreira, doutor em ações afirmativas pela Universidade de Harvard, observou que mesmo nos Estados Unidos, onde houve reversão da ideia de cotas como resposta à discriminação, vem sendo aceito o valor das ações afirmativas como meio de assegurar a diversidade. Assim, compreende-se que as instituições estatais devem refletir a realidade social, o que inclui os diversos grupos.
; Não podemos ter instituições sociais exclusivamente brancas numa sociedade multirracial e multicultural ; defendeu.
Ainda de acordo com Moreira, essa ideia se expandiu para aceitar o entendimento de que a diversidade traz benefícios, já que as instituições estariam mais capacitadas a responder aos problemas sociais. Ele citou como exemplo adverso a dificuldade que o sistema judicial brasileiro, ainda formado quase que exclusivamente por brancos de classe média alta, em reconhecer e dar sequencia a processos sobre denúncias de racismo.