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Assistência precária

Relatório encomendado pelo MCTI mostra que o país tem pesquisadores suficientes para desenvolver soluções que ajudem pessoas com deficiência, idosos e obesos. Contudo, baixo investimento e ausência de políticas amplas impedem o atendimento adequado

Paloma Oliveto
postado em 10/03/2014 14:00

As ruas não são amigáveis para pessoas com deficiência visual, como Paulo César:
As ruas não são amigáveis para pessoas com deficiência visual, como Paulo César: "Para pegar um ônibus, dependemos dos outros"


César Achkar, presidente da ABDV: parcela da população brasileira ignorada (Breno Fortes/CB/D.A Press)
César Achkar, presidente da ABDV: parcela da população brasileira ignorada


Paulo César Luz, 43 anos, vive na escuridão desde os 9, quando uma queda provocou danos nos nervos óticos de seu cérebro. Mas o servidor público, que tem apenas 10% de visão no olho esquerdo e 2% no direito, leva uma vida normal. Na era dos tablets e dos smartphones, ele consegue ler livros e jornais, trocar e-mails e usar aplicativos como qualquer outra pessoa. Os ;olhos; de Paulo são os softwares de tradução de voz, presentes nos aparelhos. ;Com o celular, a gente vê o mundo;, diz.

Ainda assim, as dificuldades pelas quais ele e outros brasileiros com algum tipo deficiência passam são enormes. A principal, segundo o técnico da Secretaria de Saúde do DF, é a mobilidade urbana. O problema não é seu senso de orientação, mas a falta de recursos tecnológicos que permitam circular pela cidade. ;Para pegar um ônibus, dependemos dos outros. Se não tiver ninguém na parada, fico a ver navios;, relata Paulo. Isso sem contar as vezes em que o colocam na linha errada.

Uma adversidade que poderia ser facilmente resolvida por pelo menos duas soluções diferentes e que já existem no mercado: o aplicativo de celular Busalert, que avisa sobre a proximidade do ônibus correto, e um sistema de GPS pelo qual o cego informa em que parada está e qual coletivo precisa pegar. O motorista da rota é, então, alertado de que há um deficiente visual à sua espera. Experiências com esses equipamentos já existem em cidades de São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais.

Boas ideias e pesquisadores competentes para pensar tecnologias voltadas a pessoas com deficiência, idosos e obesos mórbidos há de sobra no Brasil, segundo um diagnóstico de tecnologia assistiva encomendado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Esse termo se refere a recursos como softwares, próteses e órteses, serviços, sistemas de automação, equipamentos e aparelhos que auxiliem indivíduos com algum tipo de impedimento serem autônomos e incluídos na sociedade.

O relatório, elaborado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), porém, encontrou uma série de limitações em diferentes etapas do processo da tecnologia assistiva. Os problemas vão do investimento em pesquisa à qualidade da produção, passando pela falta de integração das políticas voltadas a uma parcela de 24% da população brasileira, de acordo com o IBGE, sem contar os idosos e os obesos mórbidos. Os dois últimos grupos também são considerados no relatório porque demandam necessidades especiais que podem ser sanadas por aparatos e sistemas tecnológicos.

Longe das ruas
;O Brasil possui uma competência instalada nas universidades e nos institutos de pesquisa em quase todas as áreas do conhecimento;, reconhece o coordenador do estudo, Milton Paz, do CGEE. No caso das tecnologias assistivas, 2.377 instituições de ensino superior brasileiras desenvolvem algum tipo de pesquisa. O relatório do CGEE lembra que, em 2007, foram publicados 1.082 artigos científicos nesse campo. Houve 124 patentes registradas, apresentação de 243 produtos e de 215 processos, criação de oito protótipos e comercialização bem-sucedida de 166 tipos de artefatos voltados à tecnologia assistiva.

Contudo, ele enumera as falhas. ;As fraquezas são a falta de grandes projetos incentivados pelos governos federal, estadual e municipal que atendam a demanda complexa das pessoas com deficiência. O número de pessoas com deficiência é tão grande que as iniciativas não podem ser isoladas, não podem ser pontuais. Elas precisam ser integradas, com aporte de recursos financeiros perene;, afirma. A maior afetada é a população carente: ;Ela está privada de acesso. Por que não se vê um monte de pessoas com deficiência nas ruas? Porque quase a totalidade das cidades não tem acessibilidade;, destaca.
Ao sair de casa, as pessoas com deficiência já encontram empecilhos, como calçadas não adaptadas, falta de rampas, ausência de sinalização específica, entre outras. O presidente da Associação Brasiliense de Deficientes Visuais, César Achkar, 50 anos, lembra que, ao ignorar a existência dos brasileiros que precisam de tecnologias assistivas, a sociedade fecha para eles, inclusive, o mercado de trabalho. Vítima de uma doença genética que, progressivamente, vai limitando a visão, Achkar teve de se aposentar por invalidez. ;Você depende de ajuda para pegar o ônibus, mas tem de chegar na hora igual a todo mundo. No trabalho, tem de cumprir as tarefas igual a todo mundo, não interessa se seu computador não é adaptado. Isso é muito cruel.;

Qualidade
Outra falha grave apontada no relatório do CGEE é a má qualidade dos produtos destinados ao mercado das pessoas com deficiência. Principalmente as próteses e órteses, que são feitas com materiais caros e ruins. De acordo com Sônia da Costa, diretora do Departamento de Relações Regionais e coordenadora do Programa de Tecnologia Assistiva para o Programa Viver Sem Limite do MCTI, o diagnóstico desse problema já resultou em ações práticas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai fazer a certificação compulsória dos produtos, que terão de obedecer normas específicas de fabricação. Além disso, o ministério está implantando uma rede de cinco laboratórios que, a partir de 2015, farão os testes dos produtos.

Também com base no diagnóstico, o MCTI elaborou um edital para que míni e pequenas empresas desenvolvam produtos de tecnologia assistiva adquiridos pelo governo. ;Cada dia mais, percebemos a importância dessa política de tecnologia assistiva como projeto de inclusão social;, reconhece Sônia da Costa. De acordo com ela, o ministério também quer incentivar a pesquisa de materiais nacionais para serem utilizados na confecção dos produtos. Além de fortalecer a indústria brasileira, a medida pode tornar a produção mais barata. O coordenador do estudo do CGEE, Milton Paz, ressalta que, para virar uma realidade nacional, a tecnologia assistiva deve se basear na qualidade e no baixo custo.

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