postado em 10/03/2014 16:00
Sebastião Salgado: da infância vivida no Vale do Rio Doce aos mais distantes locais do planeta |
José Saramago, com a esposa, Pilar Del Río, escreveu para o livro Terra |
;Quem não gosta de esperar não pode ser fotógrafo;, diz Sebastião Salgado, que se tornou um dos ícones dessa arte pelo mundo. Em cada trabalho, o brasileiro exemplifica a frase e a parceria com o tempo. Ele ultrapassou fronteiras, extremos climáticos e diferenças culturais em busca das melhores imagens. A espera se fez necessária para capturar a luz ou a ausência dela, as formas bem delineadas em preto e branco ; uma das principais característica do trabalho de Sebastião Salgado.
O trânsito pelos quatro cantos da Terra a partir das experiências da infância, no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, é o amálgama da autobiografia Da minha terra à Terra, como o próprio nome sugere. Em fase de lançamento pela editora Paralela, o livro é o primeiro registro de Sebastião Salgado ; considerado o maior fotojornalista do mundo ; sobre a própria história. São detalhes sobre as aventuras de capturar o tempo nas imagens que correram galerias em todo o mundo e integram livros como Êxodo, África, Terra, Trabalhadores e Gênesis.
Família
A história da vida de Sebastião Salgado se confunde com a descoberta da fotografia. Ainda criança, observando as sobras, ele entendia com nitidez as formas e os movimentos que elas sugeriam. Percebeu a importância da luz, assim como da ausência dela, no contexto da composição fotográfica. Esposa Lélia Wanick e filhos, Rodrigo e Juliano, assumiram, posteriormente, participação fundamental ao trabalho de Sebastião Salgado. ;Quando o avião não chegava cedo demais, (Lélia) levava Juliano e Rodrigo. Eu me emocionava ao ver os três; Ou ela se organizava para alguém ficar com eles e, quando eu desembarcava, estava à minha espera. Lélia é a grande companheira de minha vida, minha grande sócia. Em tudo. Nas ideias, nos projetos, na família, no trabalho, nas soluções ambientais;, conta em um dos trechos da autobiografia.
Quando conheceu Lélia, Sebastião mal tinha completado 20 anos e ela tinha 17. Desde então, a parceria se fez constante, inclusive no que diz respeito aos trabalhos. Foi dela a ideia de replantar árvores em uma área devastada que ele havia recebido dos pais. O que parecia uma louca aventura, transformou no Instituto Terra, organização ambiental dedicada ao desenvolvimento sustentável do Vale do Rio Doce. ;Agora temos nosso próprio viveiro e somos nós que fornecemos mudas aos programas ecológicos dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo;, destaca ele.
Revolução digital
Foi durante o projeto Genesis que Sebastião Salgado passou da fotografia analógica para a digital, o que ele considera uma revolução. Além do feito inédito de fotografar animais e paisagens, Sebastião aderia a uma nova tecnologia e mudava também o formato do filme. Outro motivo para a transição foi o preço da matéria-prima para a produção das fotografias e a composição dos filmes. A cotação da prata, usada na emulsão para a revelar as imagens, subira, o que fez diminuir a qualidade.
Sebastião conta, ainda, que andar com os filmes era desconfortável, principalmente depois da instalação de portas nos aeroportos após o incidente de 11 de setembro de 2001. ;À medida que eu avançava em minhas reportagens, os aeroportos reforçavam seus sistemas de controle. (;) Eu sempre viajava com uma maleta de 600 filmes, ou seja, 28kg de bagagem de mão, que levava comigo toda vez. Em cada uma delas, precisava enfrentar os fiscais dos aeroportos. (;) No fim, tornou-se um drama tão grande que estive prestes a abandonar a fotografia que tanto amo. Nesse meio tempo, o digital havia feito progressos fenomenais. Então comecei a considerá-lo.;
Trechos
;Para alguns, sou um fotojornalista. Não é verdade. Para outros, sou militante. Tampouco. A única verdade é que a fotografia é minha vida.;
;Um dia, meu pai me disse: ;Sebastião, você é um fotógrafo reconhecido, mora em Paris. Mas você já se perguntou o que teria acontecido se eu tivesse vendido a fazenda quando você ainda era menino, na época da grande inflação, quando tantos outros se deixaram levar? Você seria hoje o motorista de um trator numa fazenda vizinha ou então viveria numa favela da grande cidade;. Ele tinha razão. Tive muita sorte de poder viver o que vivi, de poder visitar mais de 120 países.;
Da minha terra à Terra
De Sebastião Salgado, com Isabelle Francq. Tradução: Julia da Rosa Simões. Paralela, 152 páginas. R$ 24,90.